Vandalismo e abandono ameaçam murais de Brennand, Corbiniano e Lula Cardoso Ayres no Centro do Recife
Murais de arte que marcam identidade do Recife sofrem com vandalismo e abandono
Publicado: 07/11/2025 às 13:32
Mural de Corbiniano Lins, na Cruz Cabugá, no Centro do Recife (Melissa Fernandes/DP Foto)
Murais que ajudaram a moldar a paisagem do Recife moderno - assinados por nomes como Francisco Brennand, Corbiniano Lins e Lula Cardoso Ayres- têm sofrido com o abandono e o vandalismo. Frutos da parceria entre artistas plásticos e arquitetos, as obras transformam fachadas de construções e prédios em narrativas visuais sobre a cultura e a história da cidade.
Imponente diante da tráfego agitado da Avenida Cruz Cabugá, no Centro do Recife, um dos murais da obra Revoluções Pernambucanas (1817, 1824, 1948), de Corbiniano Lins, apresenta desbotamentos, rachaduras e mato crescendo entre os azulejos. Parte da obra, localizada no interior da Unidade de Atendimento Social e Emocional (UASE) de Santo Amaro, gerida pela Prefeitura do Recife, também está incompleta, com lacunas entre as gravuras.
Para o crítico de arte Raul Córdula, o mural é o mais importante deixado por Corbiniano Lins na cidade. “Corbiniano fez parte do modernismo, que é o forte da arte do Recife até hoje, e deixou uma obra muito importante aqui. É lamentável, porque essa talvez seja a obra dele que tenha mais espaço na cidade”, afirma.
A arquiteta Lúcia Padilha, que atua há mais de dez anos com projetos voltados para as Artes Visuais e Patrimônio, acrescenta que o Recife se destaca no cenário nacional tanto pela quantidade de obras artísticas públicas quanto pelas temáticas progressistas abordadas por elas, a exemplo do que acontece como o mural de Corbiniano Lins.
“Em outras capitais, muitas vezes, as obras são feitas em homenagem a colonizadores, enquanto aqui temos o contrário. Nossa arte homenageia inclusive as revoluções e os revolucionários pernambucanos”, comenta Padilha.
Brennand pichado
Um dos cartões-postais do Centro do Recife, o painel “O Grande Floral”, assinado por Francisco Brennand, foi encomendado nos anos 1960 para preencher a fachada do prédio que sediava a loja A Primavera, na Rua do Sol, bairro de Santo Antônio. Observando-a de baixo para cima, o primeiro detalhe que chama atenção é o risco horizontal na assinatura do artista, gesto considerado ofensivo pelos pichadores.
Assim como o prédio, a obra foi completamente pichada, tanto no mural frontal quanto nos laterais, voltados para a Rua da Concórdia. Apesar da imposição de tintas de diversas cores sobre o mural, Padilha ressalta que sua restauração é possível.
“É um procedimento caro. Como a prefeitura está com a ideia de revitalizar o centro, seria muito legal se ela pudesse assumir os custos dessa limpeza. Esse mural é uma marca da cidade”, ressalta Padilha.
Visibilidade
Nas paredes de um edifício localizado na Rua da Palma, um mural do artista pernambucano José Pedro, do ano 2000, também foi alvo da ação de vândalos. Elaborada em cerâmica, a obra foi riscada com tintas coloridas e giz.
Ainda no Bairro de Santo Antônio, o painel “Indústria”, assinado por Lula Cardoso Ayres, também tem sofrido com a exposição a água e produtos químicos oriundos de sua integração a um lava-jato. Tombada pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), a obra foi executada em 1959 no icônico edifício JK, ocupado irregularmente pelo empreendimento há cerca de três anos, segundo relatos de comerciantes da área.
Todas essas obras artísticas constam em levantamento iniciado por Lúcia Padilha em 2013, através do projeto “Recife Arte Pública”. Por meio da iniciativa, ela já contabilizou a existência de mais de 80 murais espalhados pela cidade.
“Gosto de pensar na cidade como uma sala de aula a céu aberto. Penso em tudo que a gente tem a aprender com essas obras e em como a gente pode se reconhecer em cada uma delas”, conclui Padilha.
Prefeitura
Por meio de nota, a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb) informou que irá encaminhar técnicos para vistoriar o painel de Corbiniano Lins. De acordo com o órgão, a prefeitura gasta mais de R$ 2 milhões por ano com a recuperação de monumentos, pontes e edificações públicas que sofreram ações de pichação e vandalismo.
Em relação aos murais nos edifícios da Rua do Sol e da Rua da Palma, a gestão ressaltou que tratam-se de imóveis privados. “Portanto, é de responsabilidade dos proprietários a manutenção predial para salvaguardar a segurança de moradores, comerciantes e transeuntes”, diz a nota.