A falsa ressaca que pode acabar em tragédia: entenda riscos da intoxicação por metanol
Ingestão de metanol não manifesta imediatamente sintomas graves, mas posteriormente os danos à saúde podem ser irreversíveis, causando até morte, segundo especialista
Publicado: 03/10/2025 às 13:50

Indústrias suspeitas de vender bebida adulterada com metanol são alvo de fiscalização da PF (Reprodução / Biodiesel Brasil)
NA onda de casos de intoxicação por ingestão de metanol em bebidas adulteradas no Brasil deixou autoridades e a população em alerta.
Em Pernambuco, seis casos estão sob investigação, com duas possíveis mortes. No Brasil, já são mais de 60 ocorrências, entre suspeitas e confirmadas. .
A distribuição destes produtos representa um problema de saúde pública. A ingestão do metanol não manifesta sintomas graves imediatos, podendo aparentar uma “ressaca” comum, que, posteriormente, pode evoluir para danos irreversíveis, como cegueira e morte.
O metanol é um álcool muito parecido com o etanol, utilizado em bebidas alcoólicas. A diferença é que o metanol tem um átomo de carbono a menos, e essa distinção é perigosa para a saúde humana, conforme explica a professora de farmacologia no curso de medicina da Universidade de Pernambuco (UPE), Ana Carolina Carvalho, ao Diario.
“O metanol é um álcool solvente, um reagente importante em alguns setores da indústria, pode ser utilizado na fabricação de removedores de tinta, e outras aplicações. Quimicamente falando, a única coisa que muda dele para o etanol, presente nas bebidas alcoólicas, e permitido por lei, é que o etanol, tem uma molécula com dois carbonos e o metanol só tem um. É uma diferença pequena, mas enorme no organismo”.
No metabolismo
Não é possível identificar, a olho nu, que uma bebida está adulterada com metanol. O cheiro, a cor, e os primeiros efeitos após a ingestão são semelhantes aos de uma bebida confiável. Os primeiros indícios de mal-estar podem inclusive ser confundidos com uma ressaca comum, já que a princípio o corpo absorve o metanol e o etanol da mesma forma.
“Os primeiros efeitos são parecidos (na ingestão de etanol e metanol), isso acontece. Mas a grande questão a metabolização. Tanto o etanol como o metanol vão utilizar o mesmo sistema. O fígado vai metabolizar, o estômago e o intestino vão absorver de forma igual. O perigo é que o metanol, quando passa pela metabolização no fígado, é transformado em formaldeído, que é extremamente tóxico. E o formaldeído depois transforma-se em ácido fórmico, dois metabólicos extremamente tóxicos para o organismo”, detalha a professora.
Em virtude da produção de ácido fórmico, o sangue da pessoa que ingeriu o metanol fica ácido. À medida que o tempo passa, os sintomas vão se agravando, podendo evoluir para quadros de cegueira e até morte, em cerca de 12 horas.
“Inicialmente, o indivíduo sente cefaleia, dor de cabeça, um desconforto e dor no estômago. A presença desses produtos do metabolismo do metanol vai agravando mais o quadro, porque causa agitação, causa turvação da visão. Os efeitos tóxicos do metanol demoram cerca de 12 horas para começar a aparecer. Alguns indivíduos estão ficando cegos. Quando o ácido fórmico chega às células da retina causa inflamação, atrofiação e cegueira, que pode ser irreversível. O acúmulo de ácido fórmico também pode causar depressão respiratória e levar ao coma e morte do paciente”
Antídoto
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou, nesta quinta (3), um Edital de Chamamento Internacional para identificar fabricantes e distribuidores internacionais do medicamento Fomepizol, utilizado como antídoto em casos de intoxicação oral por metanol.
O Fomepizol não possui registro sanitário no Brasil. A medicação serve para inibir a intoxicação, mas não reverte os danos como a cegueira.
“O Fomepizol, ele vai inibir a primeira enzima e, então, impedir a formação do formaldeído e também consequentemente a formação do ácido fórmico, os principais causadores dos danos da toxicidade do metanol. A questão é que o Fomepizol ele não é regulamentado pela Anvisa. É por isso que o Ministério da Saúde está buscando fornecedores externos para conseguir fazer essa importação”, destaca a farmacêutica.
O etanol também pode ser usado no tratamento de pacientes que ingeriram metanol de forma acidental.
“Outra forma de tratamento da intoxicação é com o etanol. Nesse momento, ele não teria o caráter de bebida, mas de medicamento mesmo, para competir com as enzimas que metabolizam o álcool, e diminuir os efeitos tóxicos associados do uso metanol de forma acidental”, complementa Ana.
Em caso de suspeita de ingestão
A professora também alerta a população a procurar ajuda médica em casos de suspeita de intoxicação por ingestão de metanol.
“Antes dessas 12 horas é importante que já se busque ajuda médica. Imediatamente, se o indivíduo tem essa suspeita, da utilização de uma bebida adulterada, ele tem que buscar imediatamente um serviço de saúde”, alerta a docente.
Atenção ao consumir
A população deve permanecer atenta ao comprar bebidas alcoólicas, principalmente as destiladas, como gin, uísque, vodca e cachaça. Veja algumas dicas:
Exigir nota fiscal;
Comprar em locais seguros, como supermercados, distribuidores ou bares e restaurantes reconhecidos, evitando pontos de venda improvisados;
Checar aspectos das embalagens, como lacres, rótulos e informações: quaisquer sinais de violação, quebra, borrão ou rasura devem ser considerados como suspeitos de falsificação ou adulteração;
Cuidado ao descartar garrafas, que podem ser reutilizadas por falsificadores.
“Nesse momento, enquanto estiverem havendo essas investigações, é ideal evitar, a utilização de bebidas alcoólicas destiladas. O risco é infinitamente maior com essas bebidas destiladas devido ao teor alcoólico, o prejuízo maior, realmente, é quanto maior for a concentração do álcool. Até se averiguar, a origem das adulterações. A gente observa que se iniciou em São Paulo, mas que essas distribuidoras de bebidas clandestinas vão fazendo a distribuição em todo o Brasil. A gente já tem vários casos aqui em Pernambuco já notificados”, orienta a professora.

