Seca no Sertão, água no litoral: a realidade de Pernambuco a caminho da COP-30
Enquanto o governo e entidades se mobilizam, jovens e comunidades tradicionais lideram iniciativas para debater e encontrar soluções para os desafios climáticos e sociais
Publicado: 15/09/2025 às 06:00

Praia de Boa Viagem já sente os efeitos climáticos (Foto: Marina Torres/DP Foto)
Pernambuco enfrenta uma encruzilhada climática e social que o coloca no centro de debates que devem chegar à Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), evento que será realizado em Belém, no Pará, entre os dias 10 e 25 de novembro. Pernambuco vive uma combinação de secas mais frequentes no interior e enchentes e deslizamentos na faixa costeira, além da elevação do nível do mar e perda de serviços ecossistêmicos, tudo isso sobre um território com desigualdade social.
Governos estaduais e municipais, ONGs e grupos independentes já estão se mobilizando e discutindo os temas que podem ser debatidos no evento mais importante em relação ao meio ambiente. Esta é a primeira vez que a COP-30 é feita no Brasil, reunindo líderes de 193 países e representantes da sociedade civil para discutir o futuro do planeta.
Uma das iniciativas da Prefeitura do Recife é a formação da comissão Jovens no Clima 2025, que selecionou 18 projetos liderados por jovens de 15 a 29 anos da capital, incentivando soluções criativas para os desafios ambientais e climáticos da cidade.
Já em âmbito estadual, Pernambuco vem enfrentando uma mudança na frequência das secas, uma vez que as estiagens anuais tornaram-se mais frequentes. Essa tendência aumenta o risco de racionamento, perda de safra e estresse hídrico em cidades e na agricultura familiar do Sertão e Agreste. Essa são algumas das situações que o governo deve levar para a COP-30, bem como as soluções que vem buscando. A pauta oficial da gestão ainda está em fase de articulação.
Atualmente, por exemplo 102 cidades estão em situação de emergência por conta da estiagem. Destas, 69 estão localizadas nas regiões do Agreste, do Sertão do Moxotó, do Sertão do Pajeú e do Sertão do São Francisco, onde a falta de chuvas compromete os reservatórios, a rede de abastecimento de água e a produção agrícola. Medidas emergenciais como apoio logístico às prefeituras, distribuição de água por meio de carros-pipa, obras em sistemas de abastecimento e solicitação de ajuda humanitária ao governo federal estão entre as respostas dadas ao problema, como já é comum.
Ao mesmo tempo, o litoral vêm sofrendo eventos de chuva extrema de curta duração que saturam redes de drenagem, provocam enchentes e deslizamentos em encostas ocupadas por moradias informais. O Recife e grande parte do litoral pernambucano estão entre as áreas brasileiras mais vulneráveis à elevação do nível do mar, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)
“Esse é um dos problemas antigos e, segundo o IPCC , o Recife já está na linha de frente dessa batalha, como a capital mais ameaçada por esse aumento de nível do mar. Essa abordagem envolve um caráter científico bastante relevante e que a gente tem uma grande integração entre a academia e o poder público. Temos um projeto de olho nas praias de Pernambuco, que analisa a erosão costeira”, destaca o engenheiro ambiental Gabriel Mendes.
Com o avanço do mar, a capital pode sofrer ainda mais com inundações costeiras e urbanas, uma vez que partes da orla ficam alagadas em marés altas ou durante ressacas, às vezes mesmo sem chuva. A variabilidade hídrica (seca prolongada intercalada com chuvas extremas) afeta cadeias produtivas-chave do estado. A cana-de-açúcar, produto com forte presença econômica em Pernambuco, tem mostrado sensibilidade a períodos de falta d’água e a variações de rendimento.
Nas zonas costeiras, a perda ou alteração de manguezais e mudanças nas condições oceanográficas pressionam os pescadores artesanais que dependem dos estoques locais, reduzindo dias de pesca e renda familiar. Na última semana, por exemplo, a capital sediou um seminário para discutir os impactos das mudanças climáticas na vida dos trabalhadores.
Organizado pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos, o encontro trouxe painéis com temas como “Impactos das mudanças climáticas nas possibilidades de vida e trabalho digno” e “Mutirão de Trabalhadores, Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais rumo à COP30”.
“O Fundo do Brasil é uma organização que apoia organizações da sociedade civil brasileira em todo o país que estão promovendo a luta por direitos humanos nos seus vários vieses. A crise climática está afetando todo mundo, em especial povos e comunidades tradicionais que lidam com os ecossistemas tentando proteger florestas, o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica. Além disso, a crise afeta povos e comunidades tradicionais e as populações nas periferias das cidades, que estão sofrendo com as enchentes e todos os problemas graves decorrentes dessa mudança climática”, explica Ana Valéria Araújo, diretora do Fundo Brasil.
Participaram do evento movimentos sociais, representantes do poder público e pesquisadores. Uma das participantes foi Joana Rodrigues, de 69 anos, coordenadora estadual da articulação da Colônia de Pescadoras de Itapissuma. “É muito importante ter essa colônia de pescadoras, porque além de nos reunirmos para discutir problemas e tentar encontrar soluções, a gente também tem acesso a informações sobre nossos direitos. E esse evento do Fundo Brasil proporciona muitas rodas de conversa, o que fortalece muito as mulheres, incluindo as do Sertão, que são as mais sofridas”, pontua Joana.

