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Vida Urbana
METRÔ DO RECIFE

Metrô do Recife: trens de 40 anos e muitas falhas marcam sistema à espera de privatização

Com possibilidade de repasse da gestão do Metrô do Recife para o governo estadual, levantada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), e com a expectativa de leilão para iniciativa privada para o primeiro semestre de 2026, o Diario de Pernambuco buscou entender quais são os principais problemas do sistema

Bartô Leonel

Publicado: 08/09/2025 às 03:30

Diante de diversos problemas, evidenciados com falhas frequentes, o sistema, fundado há 40 anos, passa por um período de definição, com a expectativa do repasse de gestão do Governo Federal para a administração estadual./Foto: Rafael Vieira/DP

Diante de diversos problemas, evidenciados com falhas frequentes, o sistema, fundado há 40 anos, passa por um período de definição, com a expectativa do repasse de gestão do Governo Federal para a administração estadual. (Foto: Rafael Vieira/DP)

Sucateado, péssimo e precário. Esses são alguns dos termos utilizados pelos passageiros para caracterizar o Metrô do Recife.

Diante de diversos problemas, evidenciados com falhas frequentes, o sistema, fundado há 40 anos, passa por um período de definição, com a expectativa do repasse de gestão do Governo Federal para a administração estadual.

Esse seria o primeiro passo no modelo de gestão estudado, uma vez que o destino se caminha para a privatização.

Em participação no programa “Bom dia, Ministro!”, no dia 27 de agosto, o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), afirmou que haverá estadualização do Metrô do Recife, para que, em seguida, seja feita a concessão à iniciativa privada.

Esse procedimento aconteceria dentro de duas semanas, prazo esse que finaliza nesta segunda semana de setembro, iniciada nesta segunda-feira (8).

No entanto, a mudança fica cada vez mais concreta. Por meio de nota enviada ao Diario de Pernambuco na quarta (3), o Ministério da Casa Civil informou que a expectativa é realizar o leilão para a iniciativa privada no primeiro semestre de 2026.

Enquanto nada muda, os passageiros seguem uma rotina de desconfiança e sofrimento nos vagões.

Na semana passada, a equipe de reportagem do Diario foi ao metrô, andaram de trem e entrevistaram pessoas para saber quais são os principais problemas enfrentados.

O Diario também procurou a gestão estadual e o Sindicato dos Metroviários (SindMetro), que já deixou bem claro, nos protestos realizados na visita do presidente Lula (PT) ao Recife, em agosto, que vão lutar contra a privatização.

Hoje, na opinião de quem depende dos trens, é preciso mudar o sistema, que já transportou quase 400 mil pessoas por dia, entre 2014 e 2016. Atualmente, segundo a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), 170 mil pessoas cruzam as catracas das estações todos os dias, pegando composições que têm até 40 anos de uso.

Problemas no ar-condicionado, superlotação e quebras recorrentes

Para a maioria dos passageiros que utilizam as 37 estações, distribuídas entre as linhas Centro, Sul e Diesel (VLT), a superlotação e falha no ar-condicionado dos vagões são as principais reclamações.

“O metrô está precário demais. Já tirei gente de dentro passando mal por conta do calor, pois é raríssimo o ar-condicionado funcionar, sem contar a superlotação. Isso é muito constrangedor e, infelizmente, passamos por isso todo dia", lamenta a doméstica Raquel Maria, de 54 anos, moradora do UR-11, no Ibura, que necessita do metrô para chegar ao trabalho no bairro da Madalena.

 

O que diz a CBTU

Segundo a superintendente da CBTU Recife, Marcela Campos, um dos fatores para esses problemas é o tempo de uso dos equipamentos, com alguns sendo utilizados desde 1985, ano em que a companhia começou a operação do metrô.

“A frota que opera na Linha Sul tem 40 anos de uso. Já a frota da Linha Centro começou a chegar em 2009 até 2014 para a Copa do Mundo. Ou seja, é um equipamento com mais de 10 anos. Sem contar alguns VLTs com 60 anos de uso. Além disso, a rede aérea e uma parte de edificações de sinalização foram se degradando nesses 40 anos e nunca tiveram um investimento para recuperação ou modernização. Esse acúmulo de tempo vem refletindo nesses maiores problemas", explicou.

Esse envelhecimento dos equipamentos faz com as cenas de passageiros andando entre os trilhos, casos recorrentes de falhas na rede aérea e alguns curtos-circuitos se tornem comuns no dia a dia.

Segundo dados da CBTU, pouco mais de 102 horas de operação foram perdidas por causa do desligamento total das linhas, entre janeiro e agosto deste ano, para a realização de reparos. Esse número representa um aumento de 12% com relação ao mesmo período do ano passado. Vale ressaltar que esse número não contabiliza os domingos que não tem operação.

O tempo de uso desses equipamentos também dificulta a busca por peças, pois muitas estão fora de linha. Além disso, o alto custo das aquisições e o tempo de entrega do material, que na grande maioria é importado, também são fatores complicadores.

Tudo isso faz com que haja uma diminuição na frota, que já chegou a ter 40 materiais rodantes em 1985, segundo Marcela Campos. De acordo com os dados da CBTU, a cada três anos, um trem e meio da frota com 40 anos, se perde no Metrô do Recife.

Isso faz com que a quantidade de equipamentos circulando por dia, que atualmente gira em torno de 14 a 16, segundo a CBTU, diminua e, consequentemente, aumente o intervalo entre as viagens.

"Infelizmente, existe muita lentidão durante o percurso, tanto que se você tem que chegar com uma certa antecedência na estação para não se atrasar no trabalho. Esse ritmo lento do metrô também é um dos causadores das superlotações", afirma a vendedora de aparelhos eletrônicos, Géssica Fernanda, de 34 anos. Ela utiliza a Linha Sul de segunda a sábado para ir trabalhar.

Diminuição nos investimentos

De acordo com Marcela Campos, todo o processo de desgaste é ocasionado pela falta de investimentos no Metrô do Recife, que vem antes mesmo da entrada da CBTU no Plano Nacional de Desestatização (PND), em 2019. Isso provocou durante todos esses anos um orçamento abaixo do que o necessário para fazer uma manutenção efetiva.

Ainda segundo a superintendente, o valor enviado para o custeio do Metrô do Recife esse ano foi 50% menor do que o solicitado, fazendo com que o governo federal suplemente o orçamento para que exista a garantia de funcionamento do equipamento. Com relação a investimentos para modernizar o sistema, o valor disponibilizado este ano, segundo Marcela, foi zero.

“Nós somos 100% dependentes economicamente do Governo Federal. Este ano, o plano de custeio que elaboramos, que é o valor necessário para o metrô sobreviver em 2025, foi de 180 milhões, porém foram aprovados 90 milhões, valor que só dava para operar até agosto. Diante disso, o governo vem colocando dinheiro ‘a conta gotas' apenas para conseguir pagar as contas, os contratos e os insumos básicos”, detalhou.

Com relação ao valor arrecadado com as passagens pagas, Marcela afirma que a quantia não sustenta o custo operacional do metrô, principalmente com a desatualização do convênio da partição tarifária, assinado em 2009, entre a CBTU e o Consórcio Grande Recife.

“O aumento de terminais integrados de ônibus, que é importante para a população, prejudicou a arrecadação do metrô. Na época que foi feito o convênio, só existiam dois terminais integrados. Com isso, o passageiro que entrava pelo metrô, o valor ficava com a CBTU, e quem entrava pelo ônibus, a passagem ficava com o Consórcio. Ficava 50 a 50. Agora, com a integração nas passagens, o consórcio arrecada muito mais. O metrô virou a parte interna de um sanduíche”, explica.

Ainda segundo Marcela, os estudos realizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a concessão privada, que devem ser terminados no fim de setembro, estipulam um valor de 3 a 4 bilhões para recuperação e modernização do sistema.

Problemas nas estações

A falta de investimento também impacta todo o processo de conservação das estações, que em sua maioria apresenta telhados ressecados e alguns com buracos, provocados pela ação do tempo, fazendo com que haja problemas de infiltração em períodos chuvosos.

“A estrutura física das estações também está precária. Quando chove, a gente não consegue ficar na plataforma, porque cai mais água dentro do que fora. Tudo fica cheio de água. E não são pingos não, são cachoeiras mesmo", reclama Géssica Fernanda.

De acordo com a CBTU, as estações Engenho Velho e Barro passaram por processo de mudança do telhado. Outras quatro (Afogados, Alto do Céu, Werneck e Santa Luzia) tiveram as licitações de restauro concluídas, mas seguem aguardando verba. Enquanto o dinheiro não chega, as grandes brechas nos telhados seguem presentes no visual de algumas dessas estações.

Além do telhado, alguns equipamentos como escada rolante e elevadores estão quebrados. Conforme dados da Companhia, que realiza inspeção diária nos equipamentos de acessibilidade em todas as estações, das 24 escadas rolantes, seis estão quebradas, e dos vinte elevadores, dois estão sem funcionar. Os motivos variam de goteiras no teto, falta de peças e vandalismo dos passageiros.

Diminuição no quantitativo de passageiros

Todos esses problemas, atrelados ao crescimento de transportes alternativos, fazem com que o número de passageiros transportados pelo Metrô do Recife, que segundo a CBTU, chegou a quase 400 mil por dia durante o período próximo à Copa do Mundo no Brasil, diminua para o quantitativo atual de 170 mil.

“Desde a pandemia que estamos identificando uma queda de demanda, provocada pelo crescimento do transporte alternativo, mas que é agravada pela falta de confiança no sistema do metrô. Atualmente, diante das dificuldades, não conseguimos buscar de volta esse passageiro, porque não temos material rodante suficiente para oferecer a população”, explica Marcela Campos.

Apesar dessa diminuição, Marcela destaca que a opção pelo transporte metroviário ainda é a melhor alternativa para deslocar um grande quantitativo de pessoas, principalmente em horário de pico

“Apesar de todos esses problemas, o metrô é a espinha dorsal para o transporte de uma grande quantidade de pessoas, pois em uma viagem o metrô consegue levar de 1.200 a 1.400 pessoas, enquanto que o sistema rodoviário precisaria de 15 ônibus para deslocar o mesmo quantitativo, sem contar com o caótico trânsito do Recife”, destacou Marcela.

Concessão à iniciativa privada

Por meio de nota, o Ministério da Casa Civil afirmou que a estadualização do sistema metroferroviário da Região Metropolitana de Recife (RMR) deve ser assinado pela União e pelo Governo de Pernambuco nas próximas semanas.

Após essa assinatura, está previsto uma série de processos burocráticos, como consulta e audiência pública dos estudos elaborados pelo BNDES, análise minuciosa dos Tribunais de Contas da União e do Estado de Pernambuco, para então ser realizado o leilão em que será escolhido o operador privado do sistema.

O Ministério da Casa Civil tem a expectativa de que o leilão ocorra no primeiro semestre de 2026.

Apesar disso, Marcela Campos acredita que gestão pública tem a capacidade de reverter essa situação, caso haja um investimento proporcional ao problema do Metrô do Recife.

“Eu sei que é um equipamento que precisa de atenção, que precisa de investimento, mas eu acredito na gestão pública, pois o transporte público é dever municipal, estadual e federal. Eu defendo a bandeira de que com qualidade a gente consegue gerir essa empresa da maneira que ela precisa ser gerida", enfatizou a superintendente da CBTU Recife.
O que diz o Sindmetro-PE

Outro agente contrário ao processo de privatização é o Sindicato dos Metroviários de Pernambuco (Sindmetro-PE), que buscou articulações em Brasília para tentar impedir a concessão, garantir os empregos dos funcionários e a tarifa zero no Metrô do Recife.

“A nossa reivindicação, além da garantia dos nossos empregos, é a melhoria do metrô e não a privatização, pois o valor das passagens irá aumentar. Nossa ideia é que tenha tarifa zero no Recife. Além disso, o governo estadual não terá capacidade de gerir o sistema durante esse processo de transição, pois o sistema está sucateado”, destacou o presidente do Sindmetro-PE, Luiz Soares.

Já a opinião de boa parte da população que é impactada diariamente com o sucateamento, a privatização, pode ser uma esperança para um melhor funcionamento do equipamento.

“Eu sou a favor da privatização, pois isso pode melhorar a qualidade do Metrô e assim diminuir a quantidade de paralisação. Se a passagem de R$ 4,25 for para R$ 5, mas que me dê uma qualidade melhor, uma rapidez melhor, então vai ser muito melhor. Eu sei que os metroviários estão buscando os seus direitos, mas isso não pode prejudicar o outro lado", finaliza Géssica Fernanda.

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