Pesquisadores alertam que perda de mangues coloca em risco espécies de caranguejos e o equilíbrio ambiental
Espécies fundamentais para reciclagem de nutrientes e cadeia alimentar estão ameaçadas
Publicado: 01/09/2025 às 05:00

Conservação dos caranguejos é de total importância, destacam especialistas (Foto: Marina Torres/DP Foto)
O mangue ocupa 162 mil km² do planeta. Só no Brasil, são cerca de 25 mil km² e, em Pernambuco, é possível encontrá-lo em cerca de 250 km² do ecossistema costeiro. A riqueza ecológica do mangue faz com que essa área se torne um grande berçário natural, principalmente para os caranguejos. No entanto, estes animais têm sofrido com a perda de habitat e crescimento de áreas urbanas no litoral do estado.
A faixa litorânea de Pernambuco, especialmente nos municípios do Litoral Sul, é berçário de diversas espécies de caranguejos que vivem em mangues, que sofrem invasões irregulares. Isso acelera a supressão da vegetação e altera a dinâmica natural das marés, comprometendo a renovação da água e a sobrevivência destes animais.
"Eu vejo o turismo em áreas de mangue de forma positiva, porque as pessoas não se interessam em cuidar, em conservar aquilo que elas não conhecem. Então, quando existe um trabalho eficaz de educação ambiental elas passam a vestir a camisa [da proteção]. Acho que a palavra chave para isso é educação ambiental", afirma a pesquisadora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Renata Shinozaki.
A destruição dos manguezais é hoje uma das maiores ameaças à sobrevivência dos caranguejos e de todo o ecossistema que depende deles. Esses ambientes sofrem com múltiplas pressões humanas, como a expansão urbana sem planejamento e turismo predatório. “Os caranguejos são encontrados tanto no ambiente marinho, quanto no ambiente de água doce, dentro dos estuários, onde estão os manguezais, um tipo de ecossistema. Como esses ambientes todos estão interconectados, os impactos humanos nos rios quanto no ambiente marinho podem afetar os caranguejos dos manguezais”, alerta o professor e pesquisador do Departamento de Zoologia da UFPE, Alexandre Oliveira.
Em julho, comunidades tradicionais, pescadores artesanais e mais de 50 organizações da sociedade civil reivindicaram a criação da Reserva Extrativista (Resex) do Rio Formoso, no litoral Sul do estado. A área proposta, de 2.240 hectares, abrange o último manguezal não urbanizado de Pernambuco. O ecossistema sustenta diretamente a atividade de cerca de 2,3 mil pescadores nos municípios de Sirinhaém, Rio Formoso e Tamandaré. A mobilização pela criação da Resex já dura mais de 15 anos, mas ganhou força recentemente com a campanha “Sem Mangue, Sem Beat”, apoiada por artistas, universidades, instituições ambientais e lideranças locais.
“Os manguezais perderam muito da sua cobertura vegetal global. Obviamente, isso aconteceu aqui também. O futuro também não parece ser muito promissor, porque a gente tem uma mudança climática em curso. E os ecossistemas costeiros vão ser os primeiros afetados. Mas é óbvio que toda e qualquer iniciativa no sentido de frear o impacto humano na natureza pode ter consequências favoráveis”, afirma Alexandre.
Caranguejos: equilíbrio ambiental
Os caranguejos desempenham um papel fundamental no equilíbrio dos ecossistemas de manguezal. Espécies como o caranguejo-uçá, por exemplo, revolvem o solo ao cavar suas tocas, o que ajuda na aeração da lama e favorece o crescimento das raízes das árvores do mangue. Além disso, ao se alimentar de folhas e restos orgânicos, esses animais aceleram o processo de decomposição da matéria orgânica.
Eles também fazem parte da base da cadeia alimentar, pois servem de alimento para aves, peixes e outros animais. Para as comunidades costeiras, os caranguejos têm grande valor econômico e cultural, sendo essenciais para a pesca artesanal e para a culinária tradicional. Em Pernambuco, é possível encontrar espécies como caranguejo uçá (do mangue), guaiamum, siri azul e aratu. Ainda ocorrem no estado o maria farinha, aratu, aratu de pedra, maria mulata e o caranguejo violinista.
“Se os caranguejos começarem a desaparecer, vai trazer consequências como uma drástica alteração nas comunidades de organismos vivos porque ele é um animal que interfere muito no ecossistema onde ele vive”, pontua Oliveira.
A pesquisadora da UFPE Renata Shinozaki explica que na altura em que a interferência do mangue se encontra, não fala-se mais em preservação, mas sim em conservação, uma vez que o primeiro termo é utilizado apenas em meios que ainda não sofreram intervenção humana.
“Existe pesca ilegal, construção ilegal e com isso tem a diminuição do hábitat dos animais. Todos esses fatores entram como pontos negativos e acabam desequilibrando [o ecossistema]. Então por isso que existe a diminuição das populações de caranguejos, porque se tudo ocorresse certinho, conforme é estudado e estabelecem as leis, provavelmente a gente conseguiria ter esse recurso mais desequilibrado”, enfatiza Renata.
Desastres costeiros afetam populações de caranguejos
Em 2019, quando manchas de óleo cru se espalharam pelo litoral nordestino, a atenção se voltou para as praias tomadas pelo material. Mas os efeitos do desastre, aliado a pressões crônicas como o turismo desordenado e o lançamento de esgoto, ainda reverberam nos recifes.
Uma pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Oceanografia da UFPE analisou justamente esses impactos sobre duas espécies: caranguejo-saltador-caribenho e bala-pedra.
Os animais foram coletados nos recifes das praias de Gaibu, em Cabo de Santo Agostinho, e Carneiros, em Tamandaré. O estudo fez o acompanhamento entre fevereiro de 2019 e fevereiro de 2020, antes, durante e depois do derramamento de óleo, e os resultados revelam danos tanto na morfologia e no DNA desses crustáceos.
Nos meses seguintes à chegada do petróleo, os pesquisadores constataram alterações na estrutura populacional dos caranguejos. Em Gaibu, houve uma redução do número de fêmeas de caranguejo-saltador-caribenho, possivelmente em razão do fechamento de tocas e refúgios recobertos pela substância oleosa.
Já em Carneiros, exemplares da espécie bala-pedra foram encontrados com manchas escuras na carapaça, resíduos aderidos nas cerdas das patas e até deformidades morfológicas. O tamanho médio dos indivíduos também apresentou variação, sobretudo em áreas com maior pressão turística.
“Durante eventos de derramamento de petróleo as espécies são contaminadas pelo contato direto com o petróleo. Indivíduos em situações como esta não devem ser consumidos. Durante esses eventos, muitos indivíduos morrem logo após este tipo de contato, pois eles tendem a perder sua capacidade de locomoção (ficam letárgicos), e consequentemente, se tornam incapazes de se alimentar”, explica um dos pesquisadores, o professor e chefe do Departamento de Oceanografia da UFPE (DOCEAN-UFPE), Jesser Fidelis.
Para além das alterações visíveis a olho nu, o estudo mostrou a ocorrência de danos genéticos, associadas à presença de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) e pesticidas, identificados nos sedimentos coletados em Gaibu e Carneiros.
Os caranguejos recifais ocupam posição-chave na cadeia alimentar, servindo de alimento para peixes, aves e outros crustáceos. Alterações morfológicas, redução da população de fêmeas e danos ao DNA podem comprometer a capacidade de reprodução das espécies, afetando o equilíbrio das comunidades recifais como um todo.
Outra ameaça que os caranguejos sofrem é a presença de microplásticos, destaca Jesser Fidelis. “Os altos níveis de contaminação por plástico (macro e microplástico) tem influenciado negativamente espécies de caranguejos, incluindo a diminuição da capacidade predatória, em espécies carnívoras, diminuição da capacidade de ganho de peso ou engorda das espécies, o que representa um grande perigo para sobrevivência e manutenção das populações atingidas”, complementa.
“Conservação” é a saída para manter caranguejos na natureza
A pesquisadora da UFPE Renata Shinozaki explica que na altura em que a interferência do mangue se encontra, não fala-se mais em preservação, mas sim em conservação, uma vez que o primeiro termo é utilizado apenas em meios que ainda não sofreram intervenção humana.
“Existe pesca ilegal, construção ilegal e com isso tem a diminuição do hábitat dos animais. Todos esses fatores entram como pontos negativos e acabam desequilibrando [o ecossistema]. Então por isso que existe a diminuição das populações de caranguejos, porque se tudo ocorresse certinho, conforme é estudado e estabelecem as leis, provavelmente a gente conseguiria ter esse recurso mais desequilibrado”, enfatiza Renata.
A Secretaria de Meio Ambiente, Sustentabilidade e de Fernando de Noronha de Pernambuco (Semas) afirmou que tem atuado na fiscalização dos períodos de defeso e do comércio sob coordenação da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH). Estas fiscalizações são intensificadas na fase reprodutiva do caranguejo-uçá.
“Ações de apreensão em feiras e restaurantes, somadas a campanhas de conscientização ao consumidor, têm buscado garantir a reprodução da espécie”, destaca a pasta.
Além disso, a Semas diz que tem atuado na recuperação do ecossistema manguezal em áreas estuarinas da zona costeira de Pernambuco, no âmbito do Programa Plantar Juntos.

