Fogueira, milho e bandeirinhas: conheça a origem das festas juninas e das suas tradições
Originadas em civilizações vistas como pagãs pela fé cristã, as festas juninas estão ligadas aos ciclos da natureza
Publicado: 24/06/2025 às 06:00

São João do Recife no Sítio Trindade (Francisco Silva/DP Foto)
Há quem espere o ano todo pelo mês de junho. Em todo o país, pessoas anseiam por tradições como dançar quadrilha, soltar fogos de artifício e comer comidas feitas de milho, tudo parte de uma das comemorações mais tradicionais do Brasil. O princípio das festas juninas, no entanto, é desconhecido por muitos.
Originadas em civilizações vistas como pagãs pela fé cristã, as festas juninas estão ligadas aos ciclos da natureza. No Hemisfério Norte, conforme explica o historiador Braulio Moura, era durante esse período que o povo celebrava a colheita do que foi plantado na primavera. Mais tarde, os costumes foram absorvidos pela Igreja Católica e adaptados ao calendário cristão.
“No Brasil, especificamente, vai coincidir a época de plantar com a chegada do outono, no dia de São José, e a época de colher no inverno, que é o mês de junho, que vai coincidir com o dia de São João”, diz Braulio, destacando tratar-se de São João Batista, primo de Jesus Cristo, não do evangelista.
O nome das festas juninas, assim, não vem do mês em que são celebradas, e sim do santo, um dos poucos celebrados no dia em que nasceu, 24 de junho, ao contrário dos muitos que são celebrados no dia de suas mortes.
O mês celebra, ainda, outros santos de devoção popular muito grande, tanto em Portugal quanto no Brasil, como Santo Antônio, padroeiro de Pernambuco, da Arquidiocese do Estado e do Recife, e São Pedro, muito vinculado não só como patrono da igreja e primeiro papa, mas também com o universo de pescadores.
Para a historiadora Maria Valda Colares, a festa já carrega a dicotomia em sua origem. “Ela tem dupla abordagem — uma sagrada (ligada à tradição cristã) e outra profana ou pagã (ligada aos rituais agrícolas e celebrações da natureza)”, reflete.
Tradições das festas juninas
Já o milho consumido durante as festividades, segundo Braulio, era um produto com forte presença não somente na dieta dos portugueses colonizadores do Brasil, como também dos povos indígenas e, mais tarde, dos africanos escravizados, e que, ao longo do tempo, ganhou novas formas de se utilizar, com pratos como a canjica, o munguzá e o bolo de milho.
As fogueiras, por sua vez, eram feitas pelas civilizações pagãs para que as pessoas pudessem dançar ao seu redor como homenagem para os deuses da natureza. “Isso casa perfeitamente com a passagem bíblica do Novo Testamento, quando Isabel, a prima de Maria, acende a fogueira para avisar que João, primo de Jesus, nasceu”, reflete Braulio.
Assim como a fogueira, os balões também sinalizavam o nascimento de São João Batista, herdada dos portugueses.
Braulio relaciona ainda, as quadrilhas que conhecemos hoje em dia com as tradições que deram origem a elas. “Nesse universo de celebração, entram em cena as danças típicas como a quadrilha, que era uma dança de salão francesa. As quadrilhas acompanharam a aceleração e o movimento dos tempos, elas se adaptaram a novas realidades e hoje são manifestações autênticas de arte, de dança, de figurino, de cenário, de temas que trazem a cada ano, e se tornaram essa grande marca da festa de São João e da economia criativa local”, explica.
Os fogos de artifício, também marcas registradas das festas juninas, entraram em cena no Brasil no universo barroco, com as irmandades que faziam foguetórios nas procissões e celebrações tanto para mostrar o poder econômico, como para festejar “com muito barulho”, diz Braulio, que considera essa uma prática “muito comum do universo português e brasileiro, seja o barulho da orquestra, da banda, do tambor, da música, das palmas, das vozes, ou também com os fogos de artifício”.
Maria Valda Colares complementa, lembrando que, no Nordeste brasileiro, em especial, os fogos se tornaram parte da festa porque representam a alegria e acender fogos era sinal de comemoração, igual ao tocar de sinos na igreja. “Além da competição festiva, as comunidades disputavam quem soltava mais fogos, quem fazia mais barulho. E ainda, como marca da devoção. Já que os fogos são considerados ‘estouro de alegria’, homenageando os santos juninos: São João, Santo Antônio, São Pedro”, diz.
As bandeirinhas, segundo a historiadora, são uma referência aos três santos: Santo Antônio, São João e São Pedro. “São coloridas e alinhadas uma ao lado da outra por meio de um barbante. Essa associação com os santos nas bandeirinhas ou bandeirolas, remete às Grandes Navegações, e se mescla com o budismo, porque eles costumavam usar tecidos coloridos para imprimir as orações neles, segundo alguns pesquisadores”.
Festas juninas como produto turístico
O surgimento das festas juninas como um movimentador de turismo, segundo Maria Valda, se deu de forma gradual, estratégica e profundamente enraizada na cultura popular, especialmente no Nordeste. A transformação, conta a historiadora, envolveu a valorização das tradições locais, a institucionalização das festas e a economia criativa regional.
A festa, então, deixou de ter seu caráter apenas comunitário e passou a atrair visitantes, sendo percebida, conforme a historiadora, como patrimônio cultural com valor turístico e econômico: “Nas décadas de 1990–2000, o turismo começou a ter seu cariz de política pública, onde os governos estaduais e municipais começaram a investir nas festas juninas como estratégia de desenvolvimento regional. Investiram na infraestrutura turística: aeroportos, hotéis, centros culturais. Além de parcerias com artistas, produtores e patrocinadores. Passaram a incentivar a economia criativa local, com a valorização do artesanato, da gastronomia regional, as roupas e os espetáculos que foram se agigantando e popularizando local e nacional”.
Braulio destaca, por sua vez, que as festas juninas ganharam contornos muito fortes nos grandes centros urbanos com o advento do cinema americano, que trazia a figura do caipira americano estereotipado e a colocou no imaginário do público. “Ganhou muita força nas cidades essa imagem do matuto de xadrez, de chapéu desfiado, de calça remendada, que não era a realidade do interior, as pessoas usavam sua melhor roupa para ir à festa do santo, mas que, dentro do universo das cidades, ganha esse contorno”, explica.
As pessoas, então, passaram a imitar o matuto estereotipado, com dentes faltando, sardas no rosto, vestido de chita, falando errado, e com dança desengonçada, como uma diversão e, de acordo com o historiador, uma “ridicularização do que não era urbano, do que não era evoluído, do que não era da cidade”.
“Na medida em que começa a aparecer fluxo de turistas para essas cidades em busca do seu artesanato ou do que seria uma manifestação autêntica ou do que seria uma manifestação mais raiz ou mais próxima das origens do São João no interior, elas vão ganhando corpo, vão crescendo e vão se tornando produtos turísticos”, diz Braulio.
“Virou uma fonte de renda para a cidade, uma fonte de sustento, de geração de emprego para muita gente, e de promoção turística para o destino", analisa, citando cidades como Arcoverde, Serra Negra, Bezerros, Gravatá e a própria capital, Recife, como exemplos de produção junina não só para oferecer uma opção de lazer e cultura para os seus moradores e cidadãos, “como também captar turistas e vender a cidade para o Brasil e para o mundo”, acrescenta.

