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Flanêur das quebradas: ex-gari que investiga o Recife de moto viraliza com vídeos de percursos incomuns

Criado em Passarinho, comunidade na Zona Norte, Roberto Félix administra o perfil "Quebradas do Recife", que apresenta uma cidade desprezada pelos cartões-postais

Marília Parente

Publicado: 16/06/2025 às 12:15

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Página "Quebradas Recife" tem feito sucesso nas redes sociais (Nivaldo Fran/DP Foto)

Quando o comércio finalmente fechava as portas e o silêncio preenchia o movimento dos últimos trabalhadores que embarcavam nos coletivos, Roberto Félix, de 28 anos, e seus colegas iniciavam mais uma jornada de limpeza no Centro do Recife. Ele conta que se apaixonou pela cidade olhando para o chão repleto de sujeira das ruas: “Trabalhei um ano e meio como gari. Por isso, eu ando pela cidade como se estivesse em casa”.

O ofício, segundo Roberto, também atiçou sua curiosidade por explorar a urbanidade. Com sua motocicleta, seja contornando as bordas dos morros ou desafiando a estreiteza das vielas da periferia, ele grava vídeos da cidade que desafiam a obviedade dos cartões-postais.

As imagens têm feito sucesso na página “Quebradas do Recife”. Criado há pelo menos um ano, o perfil já conta com um milhão de curtidas no TikTok e 85 mil seguidores no Instagram.

O projeto do influencer começou com um passeio de moto na companhia da esposa, Marina Melo, de 27 anos, que trabalha como designer de unhas. “Ele tem mania de filmar tudo. Fomos lá em Brennand e ele me pediu pra gravar com o caminho com o celular. Aí veio a ideia da página”, conta Marina.

 

 

Na garupa de Roberto e com um celular em mãos, é ela quem tem registrado a maior parte das imagens compartilhadas na internet. Em outros momentos, o influencer faz os vídeos sozinho.

“Começou a ter algumas limitações de horários da minha esposa e aí tive que inventar alguma coisa. Furei o capacete, botei um parafuso e coloquei um adaptador para o suporte do celular. Tem gente aí que chega com câmera de R$ 8 mil me perguntando como faço os vídeos. É aqui que a magia acontece, ó”, orgulha-se, apontando para o equipamento.

Passarinho

Roberto cresceu em Passarinho, comunidade na Zona Norte, que foi um dos primeiros cenários escolhidos pela dupla. “Fiz um vídeo descendo a ladeira, bombou e a galera abraçou o projeto. Nossa comunidade é muito sofrida, precisa de mais atenção do poder público”, diz.

Em fevereiro deste ano, um deslizamento de barreira deixou duas pessoas mortas. O incidente aconteceu a algumas ruas de onde o influencer mora. “O Recife está lá ‘maquiadinho’ e quando chove a maquiagem cai. Eu quero mostrar a cidade sem maquiagem, onde o GPS não chega”, afirma.

“Quando vocês, da mídia, chegaram aqui hoje, por exemplo, o pessoal achou logo que tinha alguma coisa ruim acontecendo. Só falam da gente quando acontece um crime ou um desabamento. Eu quero mostrar as coisas boas das comunidades. Já que o povo não tem voz, criei essa página”, relata.

Conhecido na comunidade como “Huguinho”, Roberto conta que interrompeu os estudos por vontade própria ainda na sexta série do ensino fundamental. Pai de um menino de oito anos, ele tem tentado capitalizar a produção de seus conteúdos.

“Já trabalhei muito nessa vida. Além de gari, fui cozinheiro e chapeiro. Ainda não estou ganhando muito com os vídeos, mas o Tiktok paga por visualização. No Instagram, estamos buscando parcerias para apoiar nosso trabalho, que é muito bonito”, diz.

Paisagem urbana

Outras paisagens exploradas pela página ficam em locais como a Praia del Chifre, Cavaleiro, Coque, Campo do 15, Borel e Ibura. Os roteiros quase sempre são sugestões de seguidores que moram nessas comunidades.

“Quando entro, já sou conhecido. Digo que vou fazer uma filmagem e a galera libera logo. Eu chego nas comunidades e a turma faz festa, pô”, conta.

Embora não conheça previamente a maior parte dos locais que visita, Roberto diz que não teme quebrada nenhuma. “Na favela tem cidadão de bem, tem trabalhador que acorda cinco horas da manhã pra trabalhar. As comunidades são muito discriminadas, mas a gente tá mudando essa realidade aos poucos. Eu tenho medo de quem usa terno e gravata”, conclui.

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