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Política
ANÁLISE

Fluxo de empréstimos no Legislativo antecipa clima eleitoral

Segundo cientista político, tramitação dos empréstimos no Poder Legislativo estadual e municipal é "disfarçada de argumentos técnicos", mas carrega "peso do jogo sucessório"

Guilherme Anjos

Publicado: 17/06/2025 às 23:43

Plenário da Alepe/Jarbas Araújo/Alepe

Plenário da Alepe (Jarbas Araújo/Alepe)

Há quase 90 dias travado na Assembleia Legislativa (Alepe) apesar de tramitar em regime de urgência, o pedido de empréstimo de R$ 1,5 bilhão enviado pelo Governo do Estado mais uma vez não foi avaliado pelos deputados estaduais e tem sido a principal pedra no sapato da governadora Raquel Lyra (PSD) na relação com os parlamentares. Enquanto isso, o prefeito do Recife, João Campos (PSB) precisou de somente 15 dias e conseguiu aprovar na última segunda-feira um crédito de R$ 900 milhões. Esse contraste expõe a dinâmica de eleição antecipada da política pernambucana que domina até a pauta do Legislativo.

O empréstimo da governadora é o terceiro solicitado pela sua gestão desde 2023. Contando com as contratações autorizadas no Governo Paulo Câmara, Raquel Lyra possui cerca de R$ 9 bilhões para captar.

Na análise do cientista político Sandro Prado, o Poder Legislativo já reflete o clima eleitoral antecipado, e a tramitação dos empréstimos se tornou “uma disputa que, embora disfarçada de argumentos técnicos, carrega o peso do jogo sucessório e da rivalidade entre grupos que hoje disputam não só cargos, mas hegemonia política”.

“Esse contraste não pode ser compreendido pela lente administrativa ou técnica, o que já exigiria cautela e responsabilidade fiscal, mas sim por meio das relações de poder, alianças institucionais e da disputa pelo protagonismo”, complementou.

A bancada de oposição na Alepe, que une deputados do PSB e PSOL com bolsonaristas, aproveitou o fato para acusar a governadora de ineficiência e falta de transparência, sob o argumento de que o Palácio sequer contratou todos os valores já autorizados pela Casa para os mesmos fins, e ainda há bilhões que não chegaram aos cofres públicos.

Esse mesmo PSB é maioria na Câmara do Recife, e não viu os mesmos problemas com o novo empréstimo de João Campos, que já soma R$ 3.7 bilhões em empréstimos autorizados pela Casa José Mariano desde 2021 – sendo R$ 2 bilhões apenas em 2023, como apontado pela oposição, composta por vereadores do PL, Novo e PSD.

Prado avalia que os principais blocos parlamentares da Alepe permanecem sob a influência do grupo político João Campos. Em ano pré-eleitoral, quando Lyra deve começar a preparar uma maratona de entregas, o Legislativo funciona como um obstáculo para evitar que a governabilidade se destaque com o uso dos recursos.

“Para a base aliada de Campos, impedir que Raquel capitalize obras e investimentos agora é preservar o campo de disputa futura. Enquanto um avança, o outro não pode avançar tanto. É um tipo de ‘governabilidade assimétrica’. O Legislativo coopera seletivamente conforme seus interesses de longo prazo. Quando o sucesso do outro ameaça o projeto, a engrenagem emperra”, afirmou.

“O que move esses pedidos de empréstimo não é só a necessidade, mas a oportunidade. E o que os impede, na maioria das vezes, não é a razão, mas o receio de que o outro governe bem demais”, acrescentou.

 

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