Filosofia Filósofa Judith Butler é recebida no Brasil sob gritos de 'bruxa', protestos e bonecos queimados Grupos retrógrados e progressistas se confrontaram por conta de uma das pensadoras mais importantes dos EUA

Por: Agência Estado

Publicado em: 07/11/2017 18:31 Atualizado em:

Judith: palestra detonou espírito censor e violento de grupos retrógrados. Foto: Montagem/DP
Judith: palestra detonou espírito censor e violento de grupos retrógrados. Foto: Montagem/DP


Sob protestos a favor e contra, a filósofa norte-americana Judith Butler abriu no Sesc Pompeia, em São Paulo, o seminário Os Fins da Democracia, na manhã desta terça-feira, 7. Grupos conservadores chegaram a atear fogo num boneco com o rosto de Butler, aos gritos de "queima, bruxa". Um boneco do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também foi queimado.

"Não está claro se estamos vivendo no mesmo tempo político. Em várias partes do mundo nos perguntamos: em que século vivemos?", questionou a filósofa, do lado de dentro. Até algumas semanas atrás, Butler não passava de uma desconhecida para a maioria do grande público brasileiro. Sua primeira vinda ao País, em 2015, passou quase despercebida. Aos 61 anos, a professora da Universidade da Califórnia é considerada uma das mais importantes filósofas dos EUA. Sua obra aborda temas como a crítica ao sionismo e a questão Israel-Palestina - esta, inclusive, era o tema da palestra.

Mas o foco da ira dos conservadores são ideias sobre a questão de gênero, expostas no livro Problemas de gênero - Feminismo e subversão da identidade, publicado em 1990. Mais de 350 mil pessoas assinaram uma petição online pedindo a proibição do seminário no Sesc Pompeia.

"O brasileiro não aceita a depravação da nossa cultura", se opunha um manifestante. Outros carregavam cartazes contra o ensino da ideologia de gênero nas escolas. Num deles, lia-se: "Em defesa das princesas do Brasil". "Ela é personificação da ideologia de gênero, uma falsa acadêmica que defende uma falsa ideologia", afirmou a hoteleira Celene de Carvalho, dos grupos Ativistas Independentes e São Paulo Tem Jeito, cujo carro serviu de apoio para a caixa de som do protesto, que mesclava também representantes dos grupos Juntos Pelo Brasil, Direita SP e Carecas do ABC, organização de skinheads que se intitula "nacionalista", e defensores da intervenção militar. Entre os gritos de "fora, Butler" e "I love you, Trump", bradavam palavras de apoio ao deputado federal Jair Bolsonaro.

Também em protesto contra Butler, mas afastados do grupo maior, estavam membros do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira (IPCO, braço da extinta Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, a TFP), que pediam um buzinaço a favor do "casamento como Deus o fez: 1 homem + 1 mulher", ao som de uma gaita de foles, que tocava Asa Branca de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Embora, na prática, as manifestações tenham servido para chamar mais atenção para a obra da filósofa, Daniel Martins, coordenador de campanhas do IPCO, disse que a estratégia tem resultados positivos para os conservadores. "Conseguimos eliminar o ensino de gênero em 91% dos municípios".

Na mesma calçada da Rua Clélia, estavam também militantes dos coletivos Coalas, além das Sombras, Democracia Corintiana, Pompeia Sem Medo e manifestantes independentes, defendendo a realização do seminário. Com caixas de som e microfone, realizaram um debate aberto em plena rua. "Reunimos pessoas com e sem conhecimento da obra de Butler. Estamos aqui para garantir um direito democrático, de liberdade de expressão", afirmou o produtor cultural Gabriel Lindenbach.

No Sesc Pompeia, Butler chegou a agradecer à organização por não cancelar o evento. Segundo o professor Vladimir Safatle, da Universidade de São Paulo (USP), participante do debate, deputados da bancada evangélica procuraram o Sesc para fazer pressão pelo cancelamento. A assessoria do órgão não se manifestou sobre o assunto. De acordo com Marta Colabone, gerente do Sesc em São Paulo, a organização nunca cogitou abrir mão do evento. "Nós agimos sob a égide do regime democrático, da liberdade de expressão e o respeito à diferença", disse Marta, que, em 25 anos de trabalho no Sesc, nunca tinha visto uma reação semelhante a um evento acadêmico.

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