Música O triunfo do reggaeton, da marginalização ao Despacito Professora de Estudos Americanos na Universidade de Wellesley em Massachusetts, Petra Rivera-Rideau traça histórico sobre o gênero historicamente criticado e atual sucesso mundial

Por: AFP - Agence France-Presse

Publicado em: 12/06/2017 20:00 Atualizado em:

Lançada por Luis Fonsi, Despacito está nos topos de várias listas de sucessos do mundo. Foto: YouTube/Reprodução
Lançada por Luis Fonsi, Despacito está nos topos de várias listas de sucessos do mundo. Foto: YouTube/Reprodução


O reggaeton toca sem parar nas rádios, embora seus intérpretes raramente sejam convidados para prêmios musicais. Mas o sucesso de Despacito marca o triunfo do gênero depois de anos de censura e marginalização por sua relação com os porto-riquenhos das classes mais baixas. Pouco a pouco, com um ritmo suave, a canção dos porto-riquenhos Luis Fonsi e Daddy Yankee se tornou no mês passado a primeira música em espanhol a dominar o mercado anglo-saxão desde Macarena, em 1996.

Confira o roteiro de shows no Divirta-se

Mas o percurso foi longo. Como nasceu o reggaeton e como superou os estereótipos que o marginalizaram desde o início? A isso responde Petra Rivera-Rideau, professora de Estudos Americanos na Universidade de Wellesley em Massachusetts e autora do livro Remixing reggaetón: The cultural politics of race in Puerto Rico.

Entrevista // Petra Rivera-Rideau

Como o reggaeton evoluiu?
O reggaeton tem uma história longa e complexa. Embora muitas vezes seja associado a Porto Rico, combina influências musicais de toda a bacia do Caribe. Duas de suas maiores influências são o hip hop e o dancehall (ritmo jamaicano), que chegou pelo Panamá.

Nos anos 1990, os DJs porto-riquenhos combinaram estes elementos com outras influências para criar uma música underground que circulou informalmente. O underground era música de festa, mas também dava espaço às críticas políticas e temas como pobreza, racismo e brutalidade policial.

À medida que ele se propagou, passou a ser alvo de campanhas de censura em meados dos anos 1990 que, ironicamente, ajudaram a mostrar o gênero a novos públicos. Nesta época começou a ser conhecido como reggaeton. Em 2012, Tego Calderón lançou El abayarde, o álbum que levou o reggaeton ao mainstream de Porto Rico. Depois, em 2004, Daddy Yankee lançou Gasolina, que colocou o reggaeton no mapa da música latina.

Por quais problemas o gênero passou?
Desde o início o reggaeton teve uma reputação de hipersexualizado, misógino e de estar relacionado às drogas e ao crime. No meu livro, repasso duas campanhas de censura [...]. Uma foi em 1995, quando a polícia confiscou gravações por suas associações com o sexo e as drogas; a outra aconteceu em 2002, quando o Senado porto-riquenho realizou audiências para analisar o que percebia como representações hipersexualizadas das mulheres nos clipes musicais.

Estas campanhas de censura foram motivadas por estas novas expressões sobre o que era ser negro e porto-riquenho. O reggaeton deu aos artistas uma oportunidade de articular suas conexões com a diáspora africana, especialmente para a juventude negra, e isto ameaçava o dogma de que não existia racismo em Porto Rico, porque mostrou que isso era falso.

As letras são muitas vezes acusadas de misóginas, como o reggaeton responde a isso?
Penso que temos que ser críticos com as representações misóginas do reggaeton. Não obstante, não acredito que devamos culpá-lo exclusivamente por isso. O gênero não opera no vazio: há problemas maiores de misoginia que devem ser abordados pelas sociedades de Porto Rico, dos Estados Unidos e da América Latina. E também pelas elites, que muitas vezes são deixadas de lado neste tipo de discussão.

Em geral, as elites são as que mais criticam o reggaeton como um gênero "menor". Por que essa percepção?
O reggaeton sempre esteve ligado a comunidades vítimas de estereótipos problemáticos associados a comunidades pobres e não brancas. Isto é o prolongamento dos antigos estereótipos e da discriminação institucionalizada que desde os tempos da escravidão existiram sobre a raça e a classe em Porto Rico e nas Américas.

Neste contexto de marginalização, como se interpreta o sucesso de Despacito?
Despacito é complicado. Por um lado, podem vê-lo como "sucesso", porque mostra que o reggaeton nunca desapareceu como seus críticos asseguravam que aconteceria. Por outro lado, Luis Fonsi não canta normalmente esse tipo de música. Seu trabalho anterior é basicamente pop e balada, dois gêneros que não foram criticados e marginalizados como o reggaeton, nem sujeitos a associações estereotipadas com as drogas, o crime e a sexualidade. Muita gente comentou que Justin Bieber se apropriou do reggaeton para o próprio proveito, mas se este é o caso, pode-se argumentar o mesmo sobre Luis Fonsi.

Acompanhe o Viver no Facebook:



MAIS NOTÍCIAS DO CANAL