Games Jornalista especializada em games fala sobre problemáticas na representação do gênero em jogos Lidia Zuin também já trabalhou na Rockstar, empresa responsável por Grand Theft Auto (GTA)

Por: Breno Pessoa

Publicado em: 18/11/2016 09:00 Atualizado em: 17/11/2016 18:52

Lidia defende que os jogos invistam mais na posibilidade de costumização dos personagens, no gênero e aparência. Foto: Acervo pessoal/Divulgação
Lidia defende que os jogos invistam mais na posibilidade de costumização dos personagens, no gênero e aparência. Foto: Acervo pessoal/Divulgação

Jornalista, mestre em semiótica pela PUC-SP e doutoranda em artes visuais pela Unicamp, Lidia Zuin tem uma relação de grande familiaridade com os games e tecnologia. É jogadora, escreve sobre o tema no site Kill Screen e também já trabalhou game tester na Rockstar, uma das grandes desenvolvedoras da atualidade, responsável por sucessos como Grand Theft Auto (GTA), Max Payne e Red dead redemption. Lidia, que também é autora de ficção científica, fala na entrevista sobre a dominância masculina nos videogames e impressões sobre a representação feminina nos títulos.

Por que ainda existe predominância masculina entre desenvolvedores e jogadores?
Não faço ideia. Estatisticamente, a quantidade de mulheres jogando videogames em países como Estados Unidos, Reino Unido e Suécia é quase 50/50, enquanto que no Japão até ultrapassa e em 2014 saiu uma pesquisa (apontando) que 52% das mulheres são jogadoras. Então, por questão de audiência, não faz o menor sentido. Mas daí a gente pensa em quem produz e entende que, na história do videogame, a maioria dos desenvolvedores e das empresas era liderada por homens, senão totalmente composta por eles. Mas acho que isso tem melhorado durante os anos. Ainda havia bem poucas mulheres na sede da Rockstar em que eu trabalhei, mas alguns times, como o japonês, era composto por quatro pessoas e apenas uma era homem. Já no time brasileiro, só eu era mulher. Vai da política da empresa: algumas nem se preocupam em pôr mais mulheres, seja por diversidade ou por novos pontos de vista, só olham para o currículo e para qual é mais fácil de contratar mesmo. Enfim, acho que o pior ainda é o público. Por experiência própria, seja como jornalista ou como mulher que joga videogame.

Mulheres também ajudam a reproduzir práticas machistas no meio?
Essa é uma outra questão, de como algumas mulheres se esquecem de que elas são, acima de tudo, mulheres e acabam reproduzindo discursos que, na realidade, são ofensivos a elas também, mas elas aceitam e reproduzem de modo que possam continuar sendo parte daquele grupo. Mas qual é a vantagem de ser parte de um grupo que tem essas ideias?

Enxerga melhorias na representação feminina em personagens de games?
Sim. Ainda existem algumas aberrações, especialmente em jogos de luta, mas acho que, em geral, mesmo as personagens que antes eram bem mais sexualizadas, como a Lara Croft, ganharam uma nova versão nos últimos anos. E eu também achei sensacional como Portal inseriu uma protagonista feminina, como se fosse um quebra-cabeça dentro da lógica do jogo. Mas, acima de tudo, acho perfeito quando os jogos permitem que você escolha ou customize o personagem com quem vai jogar, por isso adoro a série Mass Effect, por exemplo.
Em GTA, representação feminina é estereotipada em prostitutas. Foto: Rockstar/Divulgação
Em GTA, representação feminina é estereotipada em prostitutas. Foto: Rockstar/Divulgação

O sexo dos personagens importa para as jogadoras?
Sinceramente, dou preferência para jogos que são protagonizados por mulheres. Não é uma escolha política, mas normalmente as narrativas protagonizadas por mulheres me chamam mais a atenção. Eu sou uma jogadora bem crítica, não jogo tanto e não jogo qualquer coisa. Dos meus jogos preferidos, a maioria é protagonizada por mulheres ou você tem a possibilidade de escolher entre jogar com um homem ou uma mulher. Apesar de alguns jogos serem criados para ter uma determinada personagem como protagonista, dentro daquele contexto, seria ótimo se a gente pudesse sempre ter a opção de customizar não só a aparência, como também o gênero do protagonista, ou poder ter vários pontos de vista dentro da narrativa. Já em jogos de luta, eu prefiro sempre usar personagens mulheres, mas priorizando aquelas que não têm uma roupa sexy demais ou que têm um design claramente feito com apelação sexual. Isso eu acho que já é uma escolha mais politizada.

Que jogos você citaria como bons exemplos de representação femina? E maus exemplos?
Como bom exemplo, gosto muito de Mirror's edge, Portal e mesmo Lara Croft, apesar de toda pegada sexy da personagem. Quando criança, eu gostava muito da personagem e até queria ser arqueóloga. Não jogava tanto os jogos, mas adorava os filmes com a Angelina Jolie e me sentia super representada. E apesar de não ser um jogo propriamente com uma protagonista feminina, só jogo Mass Effect com Female Shepard e gosto muito. Alguns criticam que quase não muda as falas e as atitudes do masculino para o feminino, mas só o fato de vivenciar toda aquela história como uma mulher faz muita diferença pra mim. Como mau exemplo, eu acho que acabaria pegando principalmente as personagens em jogos de luta, tipo a Felicia em Marvel vs Capcom, ou então a Mileena nos novos Mortal Kombat, e a forma como vestem a Chun Li e a Cammy em Street Fighter. Acho também que as mulheres nos jogos da Rockstar, em geral, são extremamente estereotipadas (talvez com exceção da Bonnie e da Abigail em Red dead redemption) e sexualizadas também. E é justamente por isso que prefiro Saints row, por exemplo, porque você pode vivenciar o modo história com uma mulher ou um homem, com qualquer aparência, e isso funciona - e eles não se levam tanto a sério. Fora isso, em GTA V, só existem prostitutas mulheres e quando uma personagem feminina no modo online vai sair com uma prostituta, os mesmos movimentos do personagem masculino são repetidos pelas femininas. Existe uma despreocupação geral.

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