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Carnaval Carnaval 2016: Como as crianças têm renovado a tradição os blocos líricos Das fantasias às composições dos frevos de bloco, elas se engajam com as agremiações desde a infância

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 23/01/2016 14:20 Atualizado em: 24/01/2016 17:25

Pandora vai cantar nova versão do frevo Vassourinhas na Aurora dos Carnavais. Foto: Brenda Alcântara/DP
Pandora vai cantar nova versão do frevo Vassourinhas na Aurora dos Carnavais. Foto: Brenda Alcântara/DP

Quando o maestro pernambucano Samuel Valente decidiu escrever nova letra para o frevo Vassourinhas – composto originalmente por Matias da Rocha e Joana Batista nos primeiros anos do século 20 -, ele, curiosamente, não pensou no passado. Decidiu convidar uma intérprete de 11 anos de idade para dar voz aos novos versos e, com isso, sugerir o contrário: em lugar do saudosismo, o futuro. Foi assim que Pandora Calheiros, multi-instrumentista em treinamento desde os sete anos, assumiu a tarefa de executar amanhã, na Aurora dos Carnavais, um dos frevos mais simbólicos do carnaval pernambucano.

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O cenário é familiar para a menina. Ela e a mãe, Kátia Calheiros, são autoras dos frevos-tema do Bloco das Flores deste ano e do ano passado. E, todos os anos, o palco montado na Rua da Aurora, no Centro do Recife, é ocupado por dezenas de crianças como Pandora, inseridas nos cortejos de blocos líricos e incubidas da missão de perpetuar – e renovar – as tradições.

O Bloco das flores homenageia, neste ano, a obra de Francisco Brennand. Foto: Arquivo pessoal/Divulgação
O Bloco das flores homenageia, neste ano, a obra de Francisco Brennand. Foto: Arquivo pessoal/Divulgação
Pianista, violinista e cantora, Pandora não vê a responsabilidade como fardo. "É uma honra, além de divertido. Nós estamos nas ruas para eternizar os grupos, dar continuidade a uma 'brincadeira' que existe há gerações", comenta ela, se referindo aos blocos de pau e corda nascidos nos anos 1920, nas ruas centrais do Recife. Assim como Pandora, Vitória Fernanda, de 13 anos, encara com naturalidade a tarefa de dar seguimento às agremiações. Desde os seis anos, ela desfila no bloco Eu Quero Mais – acompanhada dos irmãos Wellington, 18 anos, e Valeska, 8 – e integra, ainda, o Eu Quero Maisinho, formado exclusivamente pelos mais jovens.

"Não é por sermos crianças ou adolescentes que não podemos adquirir experiências do tipo, conviver com tradições. Nos blocos, os mais velhos nos repassam essa bagagem. Passamos a 'vestir a camisa' naturalmente", explica Vitória. Isa de Melo, integrante do Bloco das Flores, tem filha (Eduarda, 12 anos) e neta (Bruna, 6 anos) desfilando no cortejo. "Incentivamos desde pequenas, para criarem amor pelo bloco".

Andrezza segura o flabelo do bloco, no qual desfila desde os cinco anos. Foto: Brenda Alcântara/DP
Andrezza segura o flabelo do bloco, no qual desfila desde os cinco anos. Foto: Brenda Alcântara/DP
Para Seronildo Guerra, presidente do Flor da Lira de Olinda, a iniciação precoce dos foliões fortalece a estrutura dos grupos, que passam a ser defendidos pelas crianças como uma instituição familiar. "Elas crescem juntas, se apoderam do frevo e criam laços com os clubes desde cedo. No futuro, se sentem no dever de cuidar desse legado", argumenta. Ele acredita, ainda, que as letras dos frevos de bloco tenham função educativa, pacificadora, reforçada pela convivência com a maturidade das senhoras que são maioria nos blocos.

No Flor da Lira de Olinda, fundado em 1975 por discidente do Flor da Lira [do Recife], cerca de dez crianças desfilam todos os anos. Entre elas, Andrezza Almeida, de 11 anos, que acompanha a mãe, Jacilene, desde os cinco. "A primeira coisa que a atraiu foram as fantasias. Até hoje, guardamos todas as que já usou", conta Jacilene. E a filha complementa, listando o passeio cultural que as indumentárias lhe proporcionaram: "Já fui da corte francesa, fui Carmen Miranda, neste ano serei espanhola". Andrezza quer "ser" muitas, mas quanto ao carnaval, é categórica: “Fico no bloco sempre, até depois de crescer".

SERVIÇO
Aurora dos Carnavais
Amanhã, às 16h
Rua da Aurora, S/N – Bairro do Recife
Entrada gratuita

SAIBA MAIS: Blocos Líricos
Os chamados blocos de pau e corda são agremiações criadas no fim do século 19. Entoam frevos de bloco e, desde a década de 1920, desfilam pelas ruas do Centro do Recife. O coral feminino segue à frente, seguido por orquestra de pau e corda (com instrumentos como banjo, bandolim, pandeiro, violão, entre outros). Bloco da Saudade, Bloco das Flores, Bloco Flor da Lira, Bloco Eu Quero Mais estão entre os grupos tradicionais participantes do evento. Na Aurora dos Carnavais, a ordem de apresentações é definida por sorteio.



Pandora escolheu o figurino de passista para a Aurora dos Carnavais. Foto: Brenda Alcântara/DP
Pandora escolheu o figurino de passista para a Aurora dos Carnavais. Foto: Brenda Alcântara/DP
DEPOIMENTOS
PANDORA, 11 anos

“No ano passado, fiz a melodia do frevo-tema do Bloco das Flores, em homenagem a Clarice Lispector, com letra da minha mãe. Neste ano, o homenageado é Francisco Brennand. É um sonho fazer parte disso.”

BRUNA, 6 anos
“Gosto porque as crianças podem brincar e se divertir, enquanto os adultos cuidam de nós. Aprendemos com eles. E as fantasias são lindas! Quero continuar brincando até ser bem grande.”

ANDREZZA, 11 anos
“Faz cinco anos que desfilo. Às vezes sinto falta de ter a companhia de mais crianças. Uma vez até convidei um primo de outro estado, e foi bem legal. Mas mesmo entre poucos da minha idade, eu adoro participar. As roupas e as músicas são as melhores partes.”

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