Telona Filme revela Cássia Eller além dos estereótipos associados à cantora gay "Cássia Eller", com direção de Paulo Henrique Fontenelle, chega aos cinemas nesta quinta-feira

Por: Mariana Peixoto - Estado de Minas

Publicado em: 28/01/2015 10:25 Atualizado em: 28/01/2015 11:26

Longa-metragem tem cenas domésticas e raras. Crédito: H2O Filmes/Divulgação
Longa-metragem tem cenas domésticas e raras. Crédito: H2O Filmes/Divulgação


Distrito de Nova Friburgo, São Pedro da Serra é um lugarejo fluminense onde vivem três mil pessoas. No fim da década de 1990, um dos moradores era Rodrigo Garcia. Amigo de Cássia Eller, o violonista recebeu a cantora e a banda em um fim de semana. Depois de quase dez anos de carreira, Cássia havia alcançado sucesso com o álbum Com você... meu mundo ficaria mais completo (1999). Os shows ficaram maiores, mas ela preferia espaços menores, onde podia se misturar com o público. À revelia do empresário, resolveu apresentar um show no clube local. Com o pouco recebido, o grupo pagou o jantar e foi embora.

Paulo Henrique Fontenelle tomou conhecimento da história há quatro anos. "Aquilo me deixou fascinado. Uma cantora, no auge da fama, fugir do empresário, ir para o interior e fazer show a R$ 3 resume o prazer do palco", diz o documentarista, de 44. Um amigo do diretor esteve no show e registrou as imagens. Raridades assim fazem com que o documentário Cássia Eller, com estreia marcada para esta quinta-feira (29), seja o produto mais bem realizado para completar o mundo da cantora.

Cássia Eller foi uma das cantoras mais importantes surgidas nos anos 1990. "Antitudo", como bem determinou o álbum Veneno antimonotonia (1997), sempre fez o que quis. Fumou, bebeu, usou drogas, transou com quem lhe deu vontade. Acidentalmente, mas com muito querer, gerou um garoto que não teve pai, mas duas mães. Teve, também, o que não quis. A fama levou-a para terrenos desconfortáveis, como a vida pública e a obrigação de abrir a boca para falar de si. Tudo explorado à exaustão após a morte inesperada, em dezembro de 2001.

Confira os horários e salas de cinema onde o filme entra em cartaz. Acesse o Pernambuco.com

A guarda do filho Francisco, na época criança, virou debate nacional: de um lado, Maria Eugênia Vieira Martins, a companheira de uma década e meia que criava o menino. Do outro, o avô paterno Altair Eller, com quem ele tinha pouco contato. Com parca bibliografia - dois livros foram publicados depois da morte: Canção na voz do fogo (2002), de Beatriz Helena Ramos Amaral, em tom mais de perfil, e Apenas uma garotinha (2005), de Ana Claudia Landi e Eduardo Belo, esgotado - e um musical (com previsão de chegar ao Recife em agosto), a cantora merecia um retrato mais humano.

Convencional na forma, Cássia Eller aposta no esquema imagens de arquivo, registros em off e depoimentos de amigos (Zélia Duncan, Nando Reis) e familiares (a mãe, Nancy; o tio Anderson, primeiro empresário). A ousadia ficou para a própria biografada, aqui em imagens conhecidas - os peitos à mostra no Rock in Rio, as entrevistas tatibitate, como também em registros caseiros, alguns inéditos ou pouco conhecidos.



"O orçamento era pequeno, R$ 300 mil, então não tinha como inventar demais. Pensei em opções, como fazer a história através do Chicão (o filho), ou um show em que se tentasse encontrar a Cássia", conta Fontenelle, que entrevistou 40 pessoas e trabalhou com 400 horas de imagens. "O filme é a minha própria investigação de quem foi Cássia. Quis buscar esse lado sem ter preocupação em fazer polêmica".

Entrevista: Maria Eugênia Vieira Martins

Você sempre manteve a discrição sobre a vida com ela. Por que você participa tão ativamente do documentário?
Queria que houvesse uma homenagem a Cássia, que os outros pudessem conhecer a pessoa maravilhosa que foi - não só a Cássia artista sapatão que mostrava o peito no palco. Tive experiências não muito agradáveis porque não participei deles. Também faço restrições ao roteiro do musical, mas gosto muito da parte musical, a Tacy (de Campos, que interpreta a cantora) impressiona.

Como foi rever a própria vida no filme?
É estranho as pessoas entrando na sua casa com milhões de equipamentos. Filmagem não é coisa de duas, três horas, e isso ocorreu quatro vezes. O próprio depoimento foi a coisa mais difícil. A Cássia adorava uma câmera. Ela se saía muito bem, não com as palavras, mas com o corpo, a voz. Adorava fazer imagens, o difícil para ela era falar. Já eu sou o contrário. Converso muito no telefone, mas se apontam uma câmera na minha cara, fico nervosa. O resultado desse produto foi libertador.

Francisco alcançou a maioridade, tão discutida quando Cássia morreu. Olhando para trás, o que foi mais complicado?
O processo da guarda foi bastante tenso, mas também houve o da subsistência. A Cássia era provedora da nossa família. Eu não trabalhava, estava estudando quando ela morreu. Com os bens todos bloqueados, havia um grande ponto de interrogação. Até terminar o curso (de nutrição), vivemos durante um tempo da boa vontade da família e dos amigos. A partir de 2005, quando me tornei servidora pública federal, as coisas foram entrando nos eixos.

Crédito: H2O Filmes/Divulgação
Crédito: H2O Filmes/Divulgação


Estreia

No início da década de 1980, Cássia Eller estreou com Oswaldo Montenegro. O cantor e compositor não se lembra dela nos testes, mas da primeira apresentação dos dois. No camarim, Cássia chega para Montenegro e pergunta: "E aí, tô bonita?". "Tá linda, mas não está meio vazio?", ele retrucou, referindo-se ao fato de ela ter raspado as sobrancelhas. Sem pensar duas vezes, Cássia passa batom no lugar das sobrancelhas inexistentes.

Chicão

Em 1992, Cássia e Maria Eugênia Martins passaram o Natal separadas, com suas mães. Quando se reencontraram no Rio, descobriram que Cássia estava "muito grávida". "Fiquei feliz desde o primeiro momento", contou a mineira de Ponte Nova. Em 1993, nasceu Francisco Ribeiro Eller. Enquanto Cássia saía do bloco cirúrgico, a banda chegava ao hospital vinda da missa de sétimo dia de Tavinho Fialho, músico da cantora e pai da criança.

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