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CIRCO

Quando o picadeiro é coisa de gente pequena

Publicado em: 13/05/2019 08:30 | Atualizado em: 13/05/2019 09:30

Formiguinha, Flayzinho e Reyzinho, dois exemplos de como o circo pode criar jovens e talentosos artistas desde muito cedo. Foto: Bruna Costa / Esp.Diario
Para eles, o picadeiro é brincadeira e coisa séria ao mesmo tempo. Só não é mais sonho distante ou impossível, pois já é realizado. Os pequenos palhaços são, muitas vezes, o chamariz e atração mais esperados dos espetáculos. E mostram que competência e carisma independem de faixa etária ou herança. Seja nos chamados circos tradicionais/itinerantes ou em instituições de circo social, a exemplo da Escola Pernambucana de Circo (EPC), no Recife, o talento ou vocação combinam com a vontade, em uma equação cujo resultado é o sorriso do público.

O palhaço Formiguinha estreou nos picadeiro em 2018 e quer ter um circo para chamar de seu. Foto: Patrícia Monteiro /Diario de Pernambuco
João Victor da Silva, 13 anos, é o palhaço Formiguinha desde dezembro de 2018, quando estreou na EPC. Sem nenhum familiar circense, el ingressou na instituição em 2006, da qual chegou a se afastar devido às atividades escolares. Voltou no ano passado. Estreou, em janeiro deste ano, na Trupe Circus, braço artístico profissional da instituição: uma equipe de 22 integrantes. Ele é o mais jovem. João percebeu que as atividades circenses o auxiliam na escola formal, principalmente na concentração durante as aulas. Amante do circo, Formiguinha gosta das atividades de equilíbrio, como perna de pau e arame, e de acrobacia. “O que prefiro, de tudo mesmo, é a palhaçaria. Entrar na Trupe foi um privilégio, algo com o que sempre sonhei e que estabeleci como meta, objetivo. Por isso, todos os dias, levo para lá a minha animação. Para o futuro, quero ter um circo só meu”, revela.

Flayzinho tem apenas 5 anos de idade, mas já conquista o público com memória e desenvoltura. Foto: Patrícia Monteiro / Diario de Pernambuco
Diferentemente de João, Flay de Oliveira, 5 anos, herdou do pai o nome e a tradição do fazer circense. Natural de Feira de Santana, na Bahia, o palhaço Flayzinho é um fenômeno em qualquer picadeiro que se apresente. Isso ficou comprovado quando ele e a família participaram, no mês passado, de um intercâmbio da Escola Pernambucana de Circo. E não é para menos: carismático e dotado de uma memória incomum, cita ao final dos espetáculos um poema em que remete à própria condição de palhaço. A mãe de Flayzinho, a artista circense Mirian Martinelly, 29  anos, diz que o filho iniciou a carreira enquanto dava os primeiros passos. “Na hora do espetáculo, ele  ficava na primeira fila. Quando o pai entrava para se apresentar, ele ficava bem atento, nem piscava”, diz. A surpresa para os pais veio em seguida.  “Um dia, estávamos andando de carro e ele começou a recitar o mesmo poema que o pai falava e que hoje é ele quem declama. Nos emocionamos porque nem sabíamos que ele havia decorado aquele texto, tão longo, com apenas três anos de idade”, completa. 
Mirian conta que Flayzinho quis fazer palhaçada igual ao pai. “Passei um esquete bem simples e ele decorou. Diminuí o tamanho por conta da idade dele, mas quando chegou ao picadeiro fez no formato integral, sem cortar nada”, revela. Assim, Flayzinho incrementou, aos poucos, o repertório que hoje tem dez números. Ele dispõe de três figurinos para apresentá-los. Flayzinho é o mais jovem integrante do Circo do Charmozinho - assim mesmo, escrito com z -, comandado pelos seus pais, desde 15 de novembro de 2010. Divide o picadeiro também com a irmã, Rhyllare, 13 anos, contorcionista e acrobata. Em 2017, a família começou a dar aulas de circo para crianças e adolescentes da Bahia, mas, atualmente, enfrenta uma séria dificuldade. “Mantivemos a escola sem nenhuma ajuda de custo até que, depois de um ano, o vento destruiu nossa lona. Agora, estamos na luta para reerguer nosso picadeiro”, conclui a mãe.

Reyzinho tem 11 anos e diz querer ficar para sempre atuando no Circo. Foto: Bruna Costa / Esp.DP
A tradição remete a nada menos do que cinco gerações no Real Circo, atualmente instalado no Centro de Paulista. Reynaldo Brandão, o Reyzinho, de 11 anos, bem como suas irmãs Renally e Raquel são a quinta leva de descendentes de uma família com mais de 20 circos, de variados nomes, espalhados por todo o país. O Real tem sua origem em Fortaleza, em 2002, mas já “itinerou” por vários estado. Prova deste itinerância são os locais de nascimento dos membros da família. Roginaldo Brandão, 47 anos, o pai, é do Ceará; Sandra, a mãe, de Vitória de Santo Antão, em Pernambuco, lugar onde o casal se conheceu. A partir daí, nasceram Raquel, 23, na Bahia;  Renally, 18, na Paraíba e, finalmente, Reyzinho, no Rio Grande do Norte.

Deste núcleo familiar, originalmente de acrobatas, Reyzinho é o primeiro palhaço, seguindo os passos de um tio, o palhaço Geleia. Ele é palhaço desde os quatro anos de idade. “Meu pai era equilibrista. Minha mãe, malabarista. Reyzinho via meu tio e os outros palhaços com o rosto pintado e pedia para ser maquiado, para colocar roupa e sapatinho do figurino. Então, começou a ir ao palco. No início, só andava, depois passou a ter falas, brincadeiras próprias”, relata Renally. O pai, Roginaldo, complementa: “Até me surpreendi porque eu, por exemplo, não tenho o dom da palhaçaria. Se me colocarem no palco, sou incapaz de fazer alguém rir. Já ele, depois de tantos anos, já está tarimbado, criando as próprias palhaçadas, dando sugestões”.

O processo de aprendizado até chegar a este ponto foi gradativo. “No início, fazia pouca coisa. Depois, comecei a entrar, falando. Aos 10, passei a fazer números solo”, relata. Sobre os motivos de ser palhaço, paixão é a palavra-chave. “Nasci no circo e pretendo morrer nele. Sou apaixonado por tudo: da lona à iluminação. As pessoas falam que este é o meu dom e gosto que falem isso porque amo fazer o povo rir”, conta. Faz rir ainda que precise vivenciar situações nem sempre tão agradáveis.  “Às vezes, trocar sempre de cidade, a cada dois ou três meses, é um pouco difícil porque quando a gente vai embora, sente falta dos amigos que fez”, lamenta.

Os pequenos palhaços cultivam as amizades, muitas vezes, na sala de aula. Reyzinho, por exemplo, apesar da itinerância estuda regularmente e está no sexto ano do ensino fundamental. Há uma lei, de novembro de 2012, que garante vagas para os filhos de profissionais que exerçam atividades artísticas itinerantes, como os artistas de circo, em escolas públicas e privadas. Outra lei, de 1978, garantia vaga apenas em escolas públicas. Mas nem sempre foi assim. “No meu tempo não existia esta determinação, então eu estudava em casa, com a minha mãe. Era um tempo mais difícil”, relembra Roginaldo. 

Além da formação tradicional, estudos circenses não faltam a Reyzinho. O pequeno palhaço ensaia, durante duas a três horas por dia, outras modalidades como a tranca (malabarismo com os pés), esperando estrear nos palcos com este número daqui a aproximadamente um ano. “Além disso, quero fazer globo da morte e trapézio. Quando crescer mais um pouco, e tiver uns 14 anos, estarei pronto para me apresentar com estes números”, adianta. 

Lei 

Desde novembro de 2012, existe uma lei que obriga as escolas públicas e particulares a garantirem vagas aos filhos de profissionais que exerçam atividades artísticas itinerantes, como os artistas de circo. O Projeto de Lei 3543/12 foi de autoria do deputado Tiririca (PR-SP) e vale para crianças e adolescentes de 4 a 17 anos de idade. A Lei 6.533/78 já garantia este direito nas escolas públicas. 
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