Diario de Pernambuco
Busca

Urbanismo

Mudanças: Há esperança na Avenida Conde da Boa Vista

Publicado em: 04/04/2019 07:44 | Atualizado em: 04/04/2019 12:51

Foto: Mandy Oliver/Esp.DP

Do edifício onde trabalha há quase duas décadas, o zelador Paulo José Ribeiro, 57 anos, acompanhava ontem a desmontagem das paradas de ônibus de Avenida Conde da Boa Vista. Viu telhados serem retirados, colunas cortadas por maçaricos, bancos içados, o piso intertravado desfeito. A faixa de rolamento da avenida, no sentido Centro-subúrbio, se alargava diante do zelador, ainda queixoso do estreitamento feito em alguns lugares da via na última reforma, executada na década passada. O que diz respeito à Conde da Boa Vista deixa Paulo José atento. Dá para entender que a maior parte do tempo de sua vida está relacionada ao endereço. É como uma segunda casa. 

“Vi muitas coisas acontecerem na Conde da Boa Vista”, resume. Acompanhou e participou indiretamente dos processos de discussão e de implantação do projeto de requalificação da avenida, inaugurado pela prefeitura em 2008, e das estações do corredor viário do BRT, em 2014. Para tudo tinha sua opinião, o que é comum a quem vê, nos fins das tardes e começos de noite, os engarrafamentos e ouve pedidos de ajuda sobre localização de paradas de ônibus. “Por aqui passa trabalhador, mas também turista”, disse. Passam por ali, acrescentou em tom de entusiasmo, passeatas, o que o fez ver de perto artistas, sem-terra, prefeitos, governadores, presidentes. 

Há quem diga que o zelador é parte da avenida, tal qual o prédio em que ele trabalha: o Empresarial Pessoa de Melo. Seriam dois patrimônios, à espera de novos ventos, que os comerciantes Carmem Bradaschia, 63, e Adriano Braga, 54, desejam. Adriano porque se depara com a incógnita do futuro. Não sabe para que lugar o projeto de requalificação pretende levar a sua barraca de revistas, fixa no trecho entre a Rua do Hospício e a Rua Gervásio Pires. “Entreguei na mão de Deus. Quem já perdeu duas barracas, a última arrombada, sonha que a história não se repita”, falou ontem depois de ser convocado para uma reunião com a prefeitura em que será ditado o seu futuro.

Adriano é esperançoso. Por trás do balcão, onde coloca à venda água mineral, refrigerante, doce, salgado, observa o andar rápido dos transeuntes, as freadas dos ônibus, a gritaria dos ambulantes. Entre uma e outra pessoa, um freguês. “Vivo daqui. Aprendi desde criança a fazer isso. É meu ganha-pão”, afirmou. Apesar da aparente aflição, ele se revela grato à avenida: “ A Conde da Boa Vista é uma mãe”. E o que esperar de uma mãe senão socorro? Socorro que Carmem Bradaschia aguarda para o restauro do conjunto arquitetônico da avenida. Natural de São Paulo e morando no Recife há cerca de 25 anos, ela se tornou admiradora da avenida. Mais: encontrar nela o sustento. Sobrevive de um negócio que envolve a produção de fotos. 

“Queria ver os prédios livres de tantas pichações, a rua livre do cheiro de urina e um povo que respeitasse mais a avenida, jogando menos lixo”, pontuou. Nada de exagerado é o que ela pensa e que, no seu entender, pode vir junto à requalificação.

Projeto com duração de seis meses pretende deixar via mais trafegável e aprazível 

Carmem adotou a Avenida Conde da Boa Vista nos anos 1990. Atualmente entra e sai da loja, que rendeu bons frutos no passado e enfrenta a crise econômica, sempre de olho no movimento da rua. Quer ver a retirada do gradil que separou, na década passada, as duas faixas de rolamento da via. Quer ver as paradas de ônibus menores e permitindo uma melhor visualização dos prédios. Com a paisagem menos poluída visualmente, a comerciante acredita ser possível valorizar o cenário único do Recife, o do rio e das pontes do Centro. A avaliação de Carmem sobre a Conde da Boa Vista é de quem se identifica com o lugar, de quem se encontra dentro do problema. Realidade em que o ambulante Marcos Gomes da Silva, 43, se encaixa. 

Trabalhando nas calçadas da avenida há 19 anos, Marcos consta na lista dos primeiros 40 ambulantes cadastrados pela prefeitura para ter o lugar garantido na avenida. Quantidade essa que deve ser ampliada para 50, segundo a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano. O nó é que pelas contas do Sindicato do Comércio Informal a avenida possui hoje cerca de 300 camelôs. “Passo mais tempo da minha vida na Conde da Boa Vista do que em casa”, calculou. De segunda a sábado, chega no logradouro às 7h e sai depois da 18h. “Sou uma espécie de morador da avenida”, definiu. E a avenida para ele é “o coração da cidade”. 

Foto: Mandy Oliver/Esp.DP


Para a manicure Maria José de Oliveira, 52, moradora do bairro da Boa Vista, a avenida é sim o centro da sua cidade. Quase tudo que pretende ela resolve. De serviços bancários a compras de roupas e consultas médicas. Faz a maior parte das coisas a pé. O que ela sente falta hoje é de espaço para o pedestre, aspecto a ser revisto pelo projeto de requalificação. “Que façam e que cuidem do que façam. Não adianta só fazer”, defende. Ao falar de sua relação com a avenida, a manicure descreve como uma relação familiar. Familiar nos moldes da história do artista plástico Marcos Lemos, 58, morar da avenida há 44 anos. Marcos fincou pé na Conde da Boa Vista quando os residentes ainda podiam estacionar os carros, em diagonal, no logradouro. “ A vida tinha outros ares”, descreve. Do passado, crê ele, é possível o resgate do que foi essencial para a avenida, o espaço do pedestre, que deve vir junto à arborização.E o novo projeto, segundo ele, pretende trazer de volta os espaços para maior interação entre as pessoas. Seria o foco não apenas no carro, mas em quem dispõe e precisa caminhar.
Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.
MAIS NOTÍCIAS DO CANAL