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Moradores dizem que não vão deixar casas em área perto de duto de Tapacurá, em São Lourenço da Mata

Comunidade pede reunião com a prefeitura da cidade, Compesa e Ministério Público

Publicado em: 19/03/2019 08:00 | Atualizado em: 19/03/2019 09:05

Crédito: Tarciso Augusto/Esp. DP Foto

O aposentado José Maciel, 76, trabalhou por mais de 20 anos para conseguir construir a casa onde mora, na Rua das Papoulas, no bairro de Penedo, São Lourenço da Mata. Aos poucos, foi transformando a estrutura de taipa em paredes, piso e teto de alvenaria. Há 25 anos, mora no mesmo local. Ao redor da casa, os descendentes foram construindo suas moradias. Hoje, são seis filhos e 20 netos morando no terreno, localizado a poucos metros do duto de Tapacurá.

Como José, moradores das duas ruas situadas na faixa de domínio da adutora de Tapacurá foram orientados pela Prefeitura de São Lourenço da Mata a deixar os imóveis. Ouvidos pelo Diario, eles disseram nesta segunda-feira (18) desconhecer a recomendação e cobraram uma reunião com a gestão municipal, com a Compesa e com o Ministério Público de Pernambuco (MPPE). "Construímos não só uma casa, mas uma história aqui. São centenas de famílias que não foram comunicadas oficialmente sobre a questão. Precisamos que os órgãos nos procurem e nos orientem", disse José. 

A dona de casa Albenice Oliveira, 57, também cobrou a presença do poder público na rua. Cadeirante, ela teme precisar sair da casa onde mora de aluguel há sete anos às pressas. "Não tenho como correr em uma situação de emergência. Ficamos sabendo dessa orientação de desocupação pelas redes sociais. Não é assim que funciona. Os órgãos precisam conversar pessoalmente com os moradores. A gente pode sair, mas precisamos entender o contexto e saber das garantias", afirmou.

Na manhã desta segunda, moradores se reuniram com representantes da ONG Juventude Criativa, de São Lourenço da Mata. O diretor de relações institucionais da organização não-governamental, Anderson Coutinho, disse que encaminhou ofícios ao MPPE, Compesa e Prefeitura de São Lourenço da Mata para agendar uma reunião com os moradores. "Colocamo a nossa sede à disposição para os encontros. Vamos disponibilizar 100 cadeiras e telão. Os moradores precisam ser tratados com respeito e um assunto como esse não se resolve pelo WhatsApp, mas olhando no olho. O risco existe, e os moradores sabem, mas precisam saber também quais sãos as salvaguarda do município e do estado. Queremos fazer essa pactuação com intermediação do Ministério Público", pontuou.

Igrejas, pontos comerciais e casas estão no trecho em questão. O Hospital Municipal Petronila Campos também fica na área. No entanto, de acordo com o procurador-geral do município, Nicolas Coelho, a unidade de saúde não será afetada pela desocupação. "A adutora passa muito abaixo da estrutura, não sendo necessária a desativação do hospital. A parte mais próxima fica no estacionamento, mas, a princípio, o hospital continuará funcionando normalmente", afirmou.

Risco


A Prefeitura de São Lourenço da Mata informou que o trecho do duto é de potencial risco, considerando que há possibilidade de vazamento da tubulação. O local cerca de 300 habitações que abrigam cerca de 500 pessoas, segundo dados da Compesa. Quando divulgou a orientação de desocupação dos imóveis, a administração municipal ressaltou não haver motivo para pânico. "Nos próximos três meses, todos os moradores serão notificados individualmente, de acordo com a determinação judicial", respondeu a prefeitura.

O Canal de Tapacurá passa por dentro da cidade, e a adutora tem uma estrada, que é área de domínio, há cerca de 50 anos. Duas décadas atrás, com o crescimento da cidade, a região começou a ser ocupada. Segundo Coelho, o povoamento não preocupou inicialmente a Compesa e as gestões municipais anteriores. "Neste momento, não há identificação de indícios de vazamento, mas há áreas que a Compesa não consegue vistoriar ou promover reparos por causa das casas e por ser uma adutora antiga, formada por um canal de concreto, enquanto as mais modernas são de aço. Pode até haver explosões", explicou.

A companhia entrou com ação pedindo reintegração do terreno en 2013. No fim do ano passado, o processo se acelerou e o município foi chamado a colaborar. “É uma medida preventiva, como a que está sendo tomada no edifício Holiday, em Boa Viagem, por exemplo, para que não haja tragédias como a de Brumadinho, em Minas Gerais", enfatizou Coelho. Apesar de a área estar na esfera estadual, a administração municipal se comprometeu a dar suporte na notificação e levantamento dos moradores. Durante o período de desocupação, haverá uma equipe de prontidão para maiores esclarecimentos, de acordo com decisão judicial. "Vamos começar ainda esta semana a enviar equipes ao local para, de porta em porta, conversar com as famílias e identificar cada situação", garantiu.

O procurador-geral alegou que o município não tem como arcar com auxílio-moradia da população afetada. "Estamos estudando a possibilidade de chamar o estado para nos ajudar neste processo", afirmou. O processo tramita na 2ª Vara Cível de São Lourenço. Em audiência judicial de 27 de fevereiro, a Compesa se comprometeu a implantar uma nova adutora passando ao largo do trecho atual. Prontificou-se também a desativar a tubulação que se encontra sob as casas com ocupação irregular. A obra terá custo de R$ 42 milhões e prazo de execução de 12 meses. Depois do processo licitatório, que já está em curso, os ocupantes dos imóveis poderão regressar para a área, já que a adutora atual deixará de existir.

Processo

Por nota, a Compesa informou que abriu o processo em 2013 "para evitar prejuízos às pessoas" e que, em audiência judicial no dia 27 de fevereiro deste ano, "por iniciativa própria, se comprometeu em implantar uma nova adutora neste trecho que apresenta risco potencial de vazamento". Segundo a companhia, também na audiência, ficou determinado o pagamento de auxílio-moradia de acordo com o laudo social a ser realizado pelo município. Procurado pelo Diario, o MPPE ainda não respondeu sobre o assunto.

Boatos 

Por décadas, a barragem de Tapacurá tem sido fonte de tensão para os pernambucanos, sobretudo em função de boatos que já proliferavam muito antes das atuais fake news. Em 1975, dias depois de uma das maiores enchentes de que se tem notícia no estado, o rumor de que o reservatório havia se rompido e que suas águas inundariam o Recife provocou pânico e correria nas ruas da capital. O então governador de Pernambuco, Moura Cavalcanti, chegou a ordenar que a polícia prendesse em flagrante aqueles que propagassem as informações inverídicas. 

Notícia semelhante se espalhou rapidamente no chuvoso inverno de 2011, levando grande parte da população da cidade a sair do trabalho mais cedo e provocar um colapso no trânsito na volta para casa. Com as vias paradas, alguns passageiros do transporte público chegaram a abandonar os coletivos e caminhar por mais de dez quilômetros até chegar em suas residências.

Segundo maior sistema hídrico da Região Metropolitana do Recife, Tapacurá é responsável por 25% do abastecimento das cidades que formam a RMR. Em 2018, uma obra de manutenção na barragem interrompeu o fornecimento de água em mais de 50 localidades da capital e outros municípios, afetando cerca de 800 mil moradores. 
  


 
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