Bonito ou feio?

Opinar sobre alegoria do Galo da Madrugada é parte da tradição do carnaval do Recife

Publicado em: 27/02/2019 20:45 | Atualizado em: 27/02/2019 21:33

Escultura terá 28 metros e cinco toneladas. Crédito: Tarciso Augusto /Esp. DP Foto

Durante os três dias que antecedem o carnaval, não há ninguém que passe indiferente à estrutura que aos poucos se agiganta para tomar forma de majestade em meio à ponte Duarte Coelho. É como um ritual. Não há folia de momo, no Recife, sem o Galo da Madrugada. E não há Galo da Madrugada sem julgamento popular. “O bico virou de tucano, aí tá complicado”, analisa uma apaixonada pela alegoria, enquanto outro rapaz passa gritando: “desde quando Galo tem cabelo?”. “É que este ano ele tá igual àquela música, não passou no vestibular”, brinca outra mulher. Quase todos estão debruçados sob o guarda-corpo, olhares para cima e celulares à mão. A graça para a multidão parada na calçada da ponte não é ver a alegoria em pé, é opinar sobre a aparência do bicho.

Recém-chegada à capital pernambucana, a administradora Mércia Gomes, 43, não esperou sequer descansar da viagem. Mesmo desembarcando de São Paulo há algumas horas, decidiu ir ao centro do Recife para ver de perto o Galo da Madrugada. Esforço frustrado. “Esperava um galo com pena, com bico de galo. Ele tá gordo, tá inchado. Bonito está só o colorido. Deve ser bem um galo pela diversidade”, conclui. “É, acho que isso é um (cabelo) black power”, complementa a amiga Nívea Amorim, 44. “Uma mulher passou aqui dizendo que neste ano não ia ter galo, quem ia desfilar era o tucano”, brincou. “Isso pode ser qualquer ave, mas galo não é, não”, opinou ao grupo a serviços gerais Claudenice Pacheco, 38, enquanto caminhava pela ponte, sem precisar ser questionada sobre o tema.

Das amigas de São Paulo, somente a auxiliar administrativa Paula Passos, 25, gostou da peça. “Achei bonito. Mas também é o primeiro galo que vejo, então não tenho como comparar”, disse, enquanto fazia mais uma foto dos detalhes da crina. Quem tem mais experiência no assunto, como o auxiliar de mecânico Fernando Vistozo, 44, garante que a questão é de gosto e não de informação. “Desde 1991 venho ver o galo. O deste ano é o mais bonito. Parece um pierrot que vai sair dançando no meio do povo”, disse. Fernando faz questão de acompanhar o passo a passo da montagem. Estava na noite da terça-feira (26), quando a peça foi levada para a ponte. Na manhã da quarta-feira (27), em que começou a tomar forma. E à noite, já com o galo colorido  com os adereços.

A montagem da escultura neste ano começou um dia antes e tem prazo de finalização até a manhã da sexta-feira. Funcionários que fazem o serviço, contudo, dizem que pelo avançar do trabalho nesta quinta-feira já haverá Galo da Madrugada gigante saudando o carnaval recifense. É quando a majestade arrancará a primeira lágrima dos olhos da funcionária Silvana Campos, 60. “Eu sou suspeita, o Galo é a minha paixão. Do jeito que ele vier, mancando, gordo, magro, de todo jeito eu acho bonito. O Galo é tradição. Toda vez que eu vejo ele lá em cima, eu choro”, conta.

Emocionante também foi a definição de Miguel Silva, 3 anos. Depois de ver a alegoria sendo montada pela televisão, o garoto convenceu a mãe a sair do Ipsep para o Centro só para ver de perto a peça. “Como sempre viajamos para o interior no carnaval, decidi vir com ele. Achei o deste ano mais bonito em relação ao do ano passado”, comentou a professora Juliana Silva, 36.  “É que o deste ano, apesar da greve dos caminhoneiros, comeu mais ração. O de 2018 estava mal alimentado”, esclareceu a aposentada Eriana Nardelli, 66.

O Galo gigante deste ano é assinado pelo artista plástico, designer e consultor Leopoldo Nóbrega. Uma rede de artesãos, voluntários e técnicos da Bomba do Hemetério e da empresa Arte Plenna trabalharam na confecção da peça, chamada de “Galo Artesão”. Cerca de 50% do material foi de resíduos reutilizados do Polo de Confecções de Pernambuco. Quando estiver pronta, a alegoria terá 28 metros e pesará cinco toneladas.

Pelo rebuliço causado nos primeiros dias de montagem, a peça ainda dará muito o que falar entre apaixonados e decepcionados. Mesmo depois da saída da equipe que trabalha para colocar o bicho em pé, com o cair da noite e as ruas ficando desertas no fim desta quarta-feira (27), a multidão seguia atenta ao Galo. Uma espécie de fascínio causado pelo exponente do “maior bloco do mundo”, que tem sua história dividida entre o Sábado de Zé Pereira e a semana pré-carnaval, e arrasta amantes como Silvana Campos. “Quem quiser que chame de tamanduá ou tucano. Quem ama o feio bonito lhe parece.”

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