Recomeço

Chianca de volta ao seu mundo

O pesquisador foi detido em 2016 ao desembarcar em Moscou com 6,5 litros de ayahuasca - bebida alucinógena, feita a partir de uma mistura de ervas amazônicas. Ele retornou ao Brasil no último dia 6

Publicado em: 14/12/2018 10:21

Foto: Nando Chiapetta/DP (Foto: Nando Chiapetta/DP
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Foto: Nando Chiapetta/DP (Foto: Nando Chiapetta/DP )
Da casa onde voltou a viver há uma semana, o terapeuta de frequências de luz Eduardo Chianca, 68 anos, ouve as folhas balançando nas árvores e o canto de pássaros e cigarras. Ainda está se readaptando ao silêncio quase absoluto na chácara de Aldeia, em Camaragibe. O estranhamento vem porque na Rússia, onde passou os últimos dois anos preso, as noites eram marcadas por um barulho incompreensível. Quando escurecia, os russos condenados e detidos nas mesmas prisões por onde o brasileiro passou – foram sete ao todo – conversavam e gritavam sem parar. Chianca sequer entendia o que estavam dizendo, pois fez questão de não aprender o idioma. Logo nas primeiras noites, o paraibano entendeu que no cárcere, presidiários não costumam dormir no escuro. Eles só fechavam os olhos quando o sol nasce. Mesmo assim, decidiu manter o hábito de descansar à noite. Foi o que possibilitou que ele escrevesse três livros durante os 826 dias em que esteve enclausurado. Durante o dia, enquanto os colegas de cela dormiam, registrou à mão os pensamentos que surgiram no período de isolamento em cerca de 2 mil páginas.  

A grande síntese aquariana é um dos manuscritos produzidos na prisão. Os outros foram inicialmente intitulados como Revelações herméticas e Decodificação do livro apocalipse. O material será digitalizado para ser editado e impresso. Os textos foram escritos com caneta azul em papéis pautados. No início de cada um dos livros, o autor usou uma página para indicar os nomes dos capítulos, a data que escreveu e a quantidade de laudas já produzidas. “Não tive interesse em aprender o russo. Pelo contrário. Fiz questão de não saber o idioma para não receber a energia daquelas palavras (segundo Chianca, a estratégia era para não receber a energia de xingamentos e ameaças, por exemplo). Enquanto eles ficavam acordados à noite, eu tentava dormir, mesmo com o barulho. Por outro lado, durante o dia, todos dormiam e eu conseguia escrever”, revela.

Chianca foi detido em 29 de agosto de 2016 ao desembarcar em Moscou com 6,5 litros de ayahuasca - bebida alucinógena, feita a partir de uma mistura de ervas amazônicas. A capital da Rússia nem era destino de viagem do paraibano. A ideia era apenas passar dois dias na cidade para esperar um voo que sairia de lá até Kiev, na Ucrânia, onde teria os primeiros compromissos profissionais. De lá, iria para Holanda, Suíça, Espanha e Portugal. Seriam dois meses de viagem para ministrar palestras, dar entrevistas, treinar terapeutas e conduzir sessões de “frequências de luz”, uma terapia holística, quântica, energética e multidimensional, cujo principal objetivo “é ajudar as pessoas a harmonizarem os campos energéticos e a se religarem ao eu superior.”

Ao contrário do que foi divulgado na época da prisão, Chianca não usaria em sessões terapêuticas a bebida  que causou a detenção. “A ayahuasca era para uso pessoal apenas. Ela ajuda na concentração para quem medita. Como seria uma viagem muito intensa, com vários compromissos, ia usar para esse fim. É uma bebida permitida, de cunho religioso”, afirma. O pesquisador acredita que foi delatado por uma funcionária da companhia aérea pela qual viajou até a Europa. “Eu abri a bolsa para pegar um casaco e ela viu a garrafa. Perguntou se era algo legal e eu disse que sim, expliquei do que se tratava. Quando cheguei a Moscou, já abriram a bolsa e me prenderam”, conta. 

Apesar disso, ele se vê como o único responsável pelo que aconteceu. “Entendo que eu precisava passar por isso. Era a primeira vez que levava a bebida para uma viagem, e eu fazia viagens como aquela duas vezes por ano. Ainda abri a bolsa para pegar o casaco, o que provocou a prisão. É como se aquilo tivesse que acontecer. Fazendo o saldo final, foi uma experiência positiva. Estou aqui, bem-humorado, sem traumas e querendo ajudar os outros”, diz. Em vez de rancor, tristeza e mágoa, Chianca conta que tentou tirar da experiência evolução, aprendizado e sabedoria. Uma das conclusões foi que há cinco regras na prisão. As lições foram: não confie, não tenha medo, não faça perguntas, não fale e não escute. “Não dá para confiar em ninguém. Ao mesmo tempo, não pode ter medo, pois você vira alvo se demonstrar fraqueza. Eles querem prejudicar uns aos outros. Recebi ameaças de morte. Disseram que eu não sairia vivo de lá e que eu não seria deportado. Mas eu me bloqueei ao não falar (o idioma) e não escutar (por não entender a língua)”, pontua.

Da prisão, ficaram três amigos. “Minha comunicação era basicamente com aqueles que sabiam falar inglês. Foram cinco no total. Desses, fiquei amigo de três. Das mais de mil pessoas com quem convivi nesse período, foram os únicos que torceram para que eu saísse dali.” A torcida, mesmo minoritária, funcionou. No último dia 7, Chianca desembarcou no Aeroporto Internacional do Recife, onde reencontrou os familiares. “Eles não me visitaram durante o período em que estive na Rússia. Não porque não queriam, mas porque não deixei. Era a minha prova.” A juíza titular da 36ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco (JFPE), Carolina Malta, sentenciou o engenheiro eletrônico a cumprir o restante de forma restritiva. Até 30 de agosto de 2019, ele deve cumprir algumas condições, como comparecimento mensal à Justiça Federal, além de solicitar autorização para viagens nacionais e internacionais e comunicar mudança de endereço. Outra exigência é que ele esteja na residência até as 22h diariamente. A diferença é que agora, em vez do caos, ele dorme com o silêncio.

De executivo a uma visão mais holística da vida

Natural de Serraria, cidade do Brejo paraibano, Eduardo Chianca construiu uma carreira invejável como executivo na área da tecnologia e como empresário em João Pessoa. Viveu na cidade onde nasceu até os 17 anos até se mudar para Campina Grande, onde cursou engenharia eletrônica. Logo após a conclusão do curso, em 1973, já estava dando aula como professor universitário. O destaque na carreira docente o levou para Coronel Fabriciano, em Minas Gerais, onde lecionou. Um ano depois, estava se mudando para Campinas. Foi contratado pela International Business Machines (IBM), uma das maiores empresas do mundo. Passou períodos na Itália, nos Estados Unidos, no Japão e na Bélgica.

Em 1989, no auge da carreira, percebeu que já não tinha mais motivação para o mundo corporativo. Voltou para a Paraíba e virou empresário. Teve postos de combustível, lojas e restaurantes. Os filhos  - Sérgio, hoje com 41 anos; Marcos, 40, e Fernanda, 35 – já estavam criados, quando, em 2006, o engenheiro eletrônico decidiu mudar completamente de vida. “Minha busca espiritual começou quando vi uma foto de crianças africanas famintas e com olhos esbugalhados. Eu acreditava em um Deus justo e bondoso. Como elas estavam passando por aquilo? Li muito. Comecei com biografias e li mais de cinquenta, desde as que contavam histórias de pessoas boas e admiráveis até das que não contribuíram positivamente com a humanidade. Certo dia, quando entrei no restaurante, cheio de pessoas, com contas para resolver, tive ânsia de vômito e pensei ‘o que estou fazendo aqui’?”, recorda.

Há oito anos, Chianca se mudou para Pernambuco. Vive em Aldeia com a esposa, Patrícia Junqueira. Foi onde fundaram o Instituto Plêiades, num trecho abundante de Mata Atlântica, que representa cerca de 80% dos 2,5 hectares de terra. O espaço funciona como centro de divulgação dos trabalhos relacionados à técnica de Frequências de Luz (FL), criada por ele. Os tempos de executivo da área de tecnologia aparecem quando ele diz que intuições são como downloads, a expansão da consciência é, segundo ele, como se o indivíduo acessasse uma “internet cósmica”. “O cérebro humano é como uma máquina, como um computador”, diz. 

Plano agora é levar ajuda a dependentes químicos

Além de lançar os livros que escreveu na prisão, Eduardo Chianca voltou ao Brasil com outros planos. O Instituto Plêiades está em expansão e deve ganhar mais quartos na área de hospedagem. Ele pretende ainda realizar um trabalho de conscientização dos jovens em relação às drogas. A convivência com os presos na Rússia motivou a decisão. Cerca de 80% dos detentos com quem conviveu eram usuários de drogas.

“Observei que uma das razões para tanto narcótico na Rússia é que o jovem, que já está em um nível social mais alto, que não tem que se preocupar com passar fome e com educação, ele começa a se questionar sobre o que está fazendo no planeta. O narcótico entra como uma coisa que atrai, como algo psicodélico, fora do normal, transcendente. Na verdade não é transcendente. É algo do mal porque a pessoa usa duas, três vezes, vira dependente e a vida dele se transforma em escravo da droga. A pessoa muda e perde o bom senso, a sanidade”, afirma. 

Chianca conviveu na prisão com um detento russo que falava inglês e era usuário de heroína. Ele havia perdido o emprego e a família por causa da droga. “Perguntei para ele, que pegou 15 anos de detenção, sobre o que ele queria fazer quando saísse da prisão. Ele fez um gesto de aplicação da droga na veia. Isto é, 15 anos de prisão não foi suficiente para ele. Aliás, ficar na prisão seria melhor para essa pessoa. Ele não se libertou e a maioria dos dependentes é assim. Colocam a culpa no sistema, na polícia, no caso de lá em Putin (Vladimir Putin, atual presidente da Rússia), que é rígido em relação às drogas. Enfim, a pessoa coloca a culpa em tudo, mas não se reconhece como culpado pela própria culpa em vez de fazer um exame de consciência. Quando você entra nesse estágio de autocrítica, entende que pode mudar a própria vida”, relata. “Senti esse chamado para ajudar os dependentes de drogas e conscientizá-los”, completa.
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