Dia da Consciência Negra

Preconceito racial se reflete na saúde

Injustiça social torna negros mais vulneráveis a enfermidades físicas e mentais. Dia da Consciência Negra será marcado por uma série de eventos no estado

Publicado em: 20/11/2018 09:22

A estudante Érika precisou ir três vezes ao posto até conseguir realizar pré-natal. Foto: Marina Curcio/ESP. DP
Oito em cada dez pessoas que utilizam o Sistema Único de Saúde (SUS) se autodeclaram negras. Mais da metade das mortes maternas vitima mulheres negras. Cerca de 55% dos casos de Aids atingem negros. Quase 60% dos casos de sífilis também. A disparidade entre as estatísticas tem várias explicações, mas carrega na base um único problema de origem: o racismo. O preconceito racial ainda é uma barreira tanto no acesso como na garantia plena dos cuidados de saúde da população negra. Ele causa desde consequências físicas a mentais. Neste Dia da Consciência Negra, uma série de eventos será realizada no Grande Recife para abordar a temática.

O racismo é considerado um determinante social da saúde, isto é, compõe a lista de fatores sociais, econômicos, culturais étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que têm influência na ocorrência de problemas de saúde da população. “É uma questão histórica, desde quando o negro foi sequestrado do seu lugar de origem. Na vinda da África para cá, se a gente pensa a saúde, vai ver que a incidência de doenças e agravos como hipertensão e diabetes advêm da travessia oceânica, quando os negros precisavam salgar a carne e no uso excessivo do açúcar para fornecer garapas”, explica a coordenadora da Política de Saúde da População Negra do Recife, Rose Santos. O diabetes e a hipertensão são duas das doenças mais comuns na população negra brasileira.

Outro aspecto ainda menos discutido é o adoecimento psicossomático decorrente do preconceito e das violências agregadas a ele. As mulheres negras são as principais vítimas de violência doméstica, enquanto os jovens negros, de homicídio. “As experiências estigmatizantes não causam sofrimento agudo em todo negro, mas ocorre em uma parcela deles. O sofrimento ocorre em diversos espaços. Na escola, no trabalho, nos meios de comunicação. A sociedade é racista e coloca o negro em situações de humilhação social, que pode rebater na autoestima”, afirma o psicólogo clínico e professor da Faculdade Frassinetti do Recife (Fafire) Eduardo Fonseca. 

Conviver de perto com o medo é viver uma situação de estresse constante para parte da população negra. “As violências reverberam em doenças”, acrescenta Rose Santos. Militante e organizadora de movimentos sociais, a MC e poeta Adelaide, 20 anos, sente isso literalmente na pele. “Estar na rua é um ato político para um negro. A sociedade não aceita que a gente lute pelos nossos direitos. Então, é muito doloroso ver os dedos apontados, as pessoas querendo boicotar. Sem contar ver várias pessoas junto da gente sofrendo, jovens chegando para o movimento que realizamos toda semana e sofrendo repressão policial no caminho”, conta. 

Em função disso, Adelaide tem com crises de ansiedade e esbarra em outro problema: o acesso aos serviços. “Não temos acesso à ajuda psicológica. A última vez que precisei, só consegui porque uma pessoa branca me ajudou, fez todo o processo comigo, me levou na universidade particular em que ela estudava. É um cuidado negado”, diz. Reconhecer o impacto do racismo na saúde da pessoa negra é um dos passos mais importantes para a promoção da equidade no SUS, na ótica da coordenadora de Atenção à Saúde da População Negra da Secretaria Estadual de Saúde (SES), Miranete Trajano de Arruda. “Com isso, podemos contemplar essas pessoas de forma mais objetiva através de ações direcionadas no sistema”, explica. 

Pernambuco tem uma Política de Saúde Integral da População Negra desde 2009, que tem como marca o enfrentamento ao racismo interpessoal e institucional. A implementação das ações relacionadas a essa política será um dos temas do 7º Encontro Estadual sobre Saúde da População Negra, que acontecerá das 8h às 14h de hoje, na sede da SES, no bairro do Bongi. 
 
Dificuldade 
A estudante Érika Vasconcelos, 17 anos, precisou ir três vezes ao posto de saúde perto de casa até conseguir realizar o primeiro atendimento de pré-natal. Da primeira vez, chegou a esperar mais de duas horas até descobrir que a médica faltaria. Aos sete meses de gravidez, tinha apenas quatro consultas realizadas. Deixou o Recife e foi para São Paulo, onde teria ajuda da família para conseguir realizar o pré-natal. Considerando que são a maioria das pessoas que precisam do SUS, pessoas como Érika são as que mais devem sofrer com a redução da quantidade de médicos no país estimada pela saída dos médicos cubanos do Brasil.

As mulheres negras têm duas vezes mais chances de morrer por causas relacionadas à gravidez, ao parto e ao pós-parto do que as brancas. Depois de ir três vezes ao posto, Érika passou mal em casa e foi socorrida em uma ambulância. “Senti muita dor e tive um sangramento. No hospital, descobri que estava com uma gravidez de alto risco”, lembra. O acesso aos serviços é hoje um desafio das políticas públicas. “O programa Mais Médicos tem um significado para a população negra grande. Haverá um prejuízo. Inclusive porque Cuba é um país negro, então são profissionais que têm um olhar para a população negra”, explica Rose Santos. 

Ela pondera que estratégias estão sendo pensadas para minimizar esse déficit. “É preciso refletir que não só os médicos atendem a população. Todo o corpo de saúde precisa estar sensibilizado. Essa é uma luta de todos os profissionais”, afirma Rose Santos. Os acompanhamentos de pré-natal e no pós-parto são, inclusive, de extrema importância para a população negra, já que por meio do teste do pezinho é possível identificar a doença falciforme, distúrbios hereditários que causam escassez de glóbulos vermelhos. “Hoje temos uma cobertura de 80% do teste. Nosso desafio é ampliar para 100% no estado e realizar o pré-natal de forma mais adequada, para garantir maior proteção aos recém-nascidos”, diz Miranete Arruda. 
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