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Dia Mundial da Luta Contra Aids

Educação sexual é arma essencial contra a Aids

Um adolescente é infectado pelo HIV a cada dois minutos. Combate precisa passar pela sala de aula

Publicado em: 30/11/2018 09:39

Andreia*, que contraiu vírus após sofrer estupro, defende mais informações. Foto: Gabriel Melo/Esp.DP
A cada dois minutos, um adolescente é infectado pelo HIV no mundo. Até 2030, a estimativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) é de que 76 adolescentes morrerão todos os dias por doenças relacionadas à Aids caso não sejam revistos e ampliados os investimentos em prevenção. Trinta anos depois do início da luta contra o HIV e a Aids, o Brasil, mesmo já tendo sido considerado referência mundial na temática e ter reduzido nos últimos quatro anos em 16% a taxa de mortalidade pela doença, não está livre do desafio de conter a epidemia na população mais jovem. Neste Dia Mundial da Luta Contra Aids, comemorado amanhã, especialistas reforçam a necessidade de políticas de educação sexual.

De acordo com o relatório Crianças, HIV e Aids: O mundo em 2030, divulgado ontem pela Unicef, cerca de 360 mil adolescentes morrerão por doenças relacionadas à doença nos próximos 12 anos. Embora o documento aponte que o número de novos contágios de HIV entre pessoas de zero a 19 anos apresente queda de um terço em relação às estimativas atuais até o horizonte traçado, ele será menor entre adolescentes do que entre as crianças. E é considerado insuficiente para o órgão. No Brasil, 43% dos casos de HIV notificados entre 2007 e 2018 são da população entre 15 e 29 anos. 

O país tem números a celebrar, de acordo com o último boletim epidemiológico divulgado nesta semana pelo Ministério da Saúde. Por outro lado, coloca na berlinda as ações de prevenção focadas na educação sexual depois das declarações do futuro ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Para o futuro ministro, “sexualidade é uma questão para tratar dentro de casa” e o caminho correto para as campanhas de prevenção seria “instrumentalizar as famílias”. Especialistas alertam, entretanto, que não há uma cultura de falar abertamente sobre sexualidade entre as famílias no país, o que compromete tanto a prevenção, quanto o diagnóstico e a adesão ao tratamento do HIV e Aids.

“Um jovem iniciado na sexualidade, que acabou de se descobrir HIV positivo, não vai chegar na família para falar. Normalmente, quando desperta a sexualidade, a gente aprende na escola ou com amigos. Isso não é bom, porque, dentro da perspectiva do desejo, da evolução do nosso corpo, a gente não pensa na questão da prevenção às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)”, explica o coordenador do Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+), Wladimir Reis. Por isso, a educação sexual, defende Wladimir, precisa ter o objetivo não só de esclarecimento, mas de acolhimento. Nessa esfera, entram em cena dois agentes: as organizações não governamentais e a escola.

“Estudos mostram que a sexualidade faz parte do nosso desenvolvimento desde o nascimento, não é algo que aos 18 anos surgirá da noite para o dia. Nossa concepção de sexualidade vai além de práticas penetrativas, envolve desejos, comportamentos, atitudes, discursos, os quais se não forem permitidos ou possibilitados serem trabalhados de maneira completa podem nos tornar mais vulneráveis às problemáticas do mundo”, explica psicóloga clínica e doutoranda da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Tacinara Queiroz. Durante o mestrado, Tacinara realizou pesquisa que reforça uma vivência social da sexualidade iniciada por volta dos sete anos. 

Na visão da coordenadora de programas e projetos da Gestos, Jô Meneses, as próprias crianças e adolescentes encontram na escola um espaço mais aberto para falar sobre a temática. “Por mais que os serviços de saúde e os profissionais estejam lá para atender, é na escola que você leva o jovem a compreender a vivência da sexualidade com responsabilidade, por meio de uma diversidade de informações, meios, abordagens e metodologias criativas”, afirma.  

Wladimir Reis acrescenta que a educação sexual deve ser pensada na forma de abordagem e linguagem de acordo com a população-chave trabalhada, para além também da questão escolar. “Não adianta um jovem conversar com um idoso sobre sexo. Quando se faz uma educação de par, o processo é facilitado. Isso é, uma menina jovem falar com outras meninas jovens, em linguagem acessível, para gerar resolutividade”, diz. É preciso lembrar ainda que, ao contrário do passado, as camadas mais pobres são as mais vulneráveis à doença. “Há uma dificuldade de negociar as relações sexuais. As relações de poder que existem na casa dificultam, por exemplo, que uma mulher pense na perspectiva de prevenção”, conclui Wladimir. 

Andreia*, 27 anos, defende a importância do diálogo como forma de prevenção. Convivendo com o HIV desde 2010, depois de ter sido estuprada, ela diz que o empoderamento pode mudar a perspectiva de vida e tratamento. “A gente ainda discute sexo como uma questão vergonhosa. O acesso à informação muda tudo, muda a forma de se relacionar, de saber aceitar as diferenças, de visualizar a sociedade”, diz ela, que hoje trabalha e milita para disseminar informação. No GTP , são realizadas testagens de HIV, das 12h às 17h. A Gestos também oferece serviço de testagem e acompanhamento psicológico e de saúde para jovens e adolescentes. 

*Nome fictício

TAGS: educacao sexual | hiv |
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