Igarassu
Festival em Cuieiras celebra identidade afrodescendente
Evento acontece neste sábado e domingo e conta com atrações culturais e oficinas
Por: Marcionila Teixeira
Publicado em: 06/04/2018 22:46 | Atualizado em: 07/04/2018 08:39
Cuieiras é um povoado isolado. A maioria da população vive da pesca no Rio Timbó. O transporte público se resume a dois ônibus. Um para os estudantes. Outro para os moradores. Ambos com horários contados. No sábado, só há ônibus até o final da manhã. Além disso, o lugar conta apenas com uma escola municipal, um posto de saúde, duas igrejas (uma católica e outra evangélica) e duas ruas: a de Cima e a de Baixo. "Passei oito anos da minha vida andando a pé para ir à escola. Quase uma hora para ir e uma para voltar. O ônibus somente chegou há dois anos", conta Jucélio Calixto de Oliveira, 39. Para ele, que assistiu a expressão cultural dos mais antigos, os jovens do povoado não querem saber dessa tradição. "Preferem o brega rasgado", diz.
Na casa de Judite Maria da Paixão, 87, o calor sob a telha Brasilit é de ferver. Ela é uma das moradoras mais antigas do lugar e hoje está de cama depois de perder uma das pernas. Trabalhou carregando pedras para fazer cal desde os 10 anos para ajudar no sustento da família. Diz temer a violência dos tempos atuais. "Os novos não querem lazer. É violência demais. Não é como no meu tempo de criança", lembra.
Cansada do trabalho pesado iniciado quando ainda era muito criança, Maria de Lurdes de Farias, 78, também está de cama. Há dez anos. Tem fortes dores nas pernas e uma hérnia. Conta com a ajuda do marido, com quem vive há vinte anos, para continuar viva. Mora na única casa de taipa sem reboco de Cuieiras. Um tipo de construção herdado de seus antepassados africanos. "Trabalhei demais. Lavei roupa de ganho, cozinhava, tomava conta de criança. Hoje não aguento andar", lamenta.
Cuieiras, conta Firo, teve uma intensa produção de cal por conta de uma jazida de pedreira calcária. A exploração se deu primeiro pela mão de obra escrava e depois pela semi-escrava. O lugar chegou a ter duas empresas de produção de cal. A indústria durou até a década de 1930. O negócio atraia gente até da Região Metropolitana do Recife, mas com seu fim e a chegada da fábrica Poty, em Paulista, foi registrado o primeiro êxodo de Cuieiras. O segundo êxodo, conta Firo, aconteceu com o fechamento da Poty, no começo da década de 1980. "Muita gente partiu para uma fábrica nova na Paraíba. O terceiro êxodo se dá no início dos anos 2000, com a violência urbana. Muitas casas foram abandonadas por conta de assaltos", historia.
Firo relata que até a década de 1950, a presença de expressões afro-descendentes era marcante. A cada final de semana, diz, havia até seis sambadas no povoado, além de cortejo de maracatu e mamulengo. A chegada de um templo protestante ocasionou um certo esvaziamento da prática. Além disso, os êxodos também aumentaram a ausência das expressões culturais. "Na década de 1990, já não se via mais sambadas. A única cultura que resiste há mais de cem anos é a Catirinas de Cuieiras."
De acordo com o historiador, a população afrodescendente do lugar sofreu perseguição grande por parte da polícia. Uma delas, conta, foi marcante e aconteceu em abril de 1890. "A polícia chegou ao povoado, arrastou famílias para a rua, batendo nelas. Havia perseguição por conta da prática cultural, mas os registros da época não falam o motivo da violência. Por isso, escolhemos abril para trabalhar como mês de resistência e afirmação do povoado", justificou.
Como chegar:
O caminho é pela BR-101 Norte. Logo após Cruz de Rebouças. virar à direita na PE-14 (Estrada de Nova Cruz). Em seguida, após dois quilômetros, virar à direita, na Estrada de Cuieiras. Nela será percorrido cerca de quatro quilômetros em estrada de terra até chegar ao povoado. A partir do início da Estrada de Nova Cruz, não há transporte público
PROGRAMAÇÃO E OFICINAS
Programação Cultural
Sábado, 07 de Abril
9h-12h e 14h - 16h - Oficinas
14h - 16h: Mostra de Filmes
Local: Escola Ana Caldas.
16h30 - 17h30: Teatro de Boneco
Atração: Mestre Antero
17h30 - Apresentação musical
Atração: Coco Caieira
18h - Teatro de rua
Atração: Catirina entre dois Amores, da Trupe Circuluz Cia. de Artes
18h45 - Apresentação musical
Atração: Martinho Mestre Cirandeiro
19h30 - Cortejo pelo arruado do povoado e apresentação no palco
Atração: Maracatu Estrela Brilhante de Igarassu
21h - Apresentação musical
Atração: Batuque
21h45 - Apresentação musical
Atração: Coco Juremado e Dona Lia do Coco
22h30 - Performance poética
Atração: Cupim Boi Cabeça
22h45 - Apresentação musical
Atração: Família Bezerra
9h - 23h30: Poesia incidental
Local: Em todos os locais de realização da manifestação
18h30 - 00h - Projeção de fotografias (Povoado de Cuieiras)
Local: Casa Cuieiras
Domingo, 08 de Abril
09h30 às 11h30: Mostra de Filmes
9h-12h e 14h -16h - Oficinas
17h - Cortejo de encerramento
Atrações
- Cupim Boi Cabeça
- Catirinas (Brincantes mascarados do Carnaval de Cuieiras)
Programação das oficinas
Oficina 1: Dança Popular
Na ocasião serão trabalhados os passos básicos de danças populares de Pernambuco, com destaque para o Coco e o Maracatu de Baque Virado.
Público alvo: moradores de Cuieiras maiores de 10 anos (prioridade: alunos da Escola Ana Caldas).
Horários: sábado, dia 7 (9h - 12h e 14h - 16h).
Local: Escola Ana Caldas. Facilitadora: Yasmim Rocha
Oficina 2: Leituras e Memórias
Nesta oficina os participantes serão instigados a assumirem ora o lugar de poetas ou cantadores, ora a se apresentarem como fontes de histórias ou como produtores de literatura oral e escrita. Dessa forma, abrir espaço para a fluência de narrativas, valorizando a expressão dos narradores, poetas, cantadores, memorialistas da comunidade.
Público alvo: moradores de Cuieiras com idade a partir de 16 anos.
Horários: domingo, dia 8 (14h30 - 16h30)
Local: Escola Ana Caldas. Facilitadora: Carminha Bandeira, com apoio de Rogério Bezerra
Oficina 3: Contação de Histórias
Na oportunidade serão trabalhados o exercício da contemplação, o imaginário e o interesse pela literatura, além de buscar contribuir para a afirmação étnica afrodescendente.
Público alvo: crianças, moradoras de Cuieiras, com idade inferior a 8 anos (prioridade: alunos da Escola Ana Caldas).
Horários: sábado, dia 7 (14h - 16h)
Local: Escola Ana Caldas. Facilitadoras: Adriana Melo e Cenilda Siqueira
Oficina 4: A Caixa Mágica
Neste encontro será trabalhada a técnica da construção da “Caixa Mágica”, técnica de captação de imagens.
Público alvo: moradores de Cuieiras com idade de 7 a 12 anos (prioridade: alunos da Escola Ana Caldas).
Horário: domingo, dia 8 (10h30 - 11h30).
Local: Escola Ana Caldas. Facilitador: Daniel Pereira
Oficina 5: Projeto Cafuné
Durante o encontro serão trabalhadas práticas pedagógicas de educação infantil que possam vir a contribuir para o fortalecimento do processo de afirmação da identidade e da autonomia dos grupos afrodescendentes, além de contribuir para a elevação da autoestima desse grupo, bem como fortalecer o respeito à diversidade étnica no ambiente escolar.
Público alvo: professores da educação infantil (prioridade: professoras da Escola Ana Caldas e da educação infantil da rede municipal de ensino de Igarassu).
Horários: sábado, dia 7 (9h - 12h).
Local: Escola Ana Caldas. Facilitadoras: Adriana Melo e Cenilda Siqueira
Oficina 6: Mostra de Filmes (Cineclube Literando)
Nestes encontros serão realizadas sessões de exibição de filmes, visando potencializar o exercício da reflexão sobre o audiovisual e abrir espaços para o aprofundamento da reflexão sobre o conceito de leitura fílmica, estimulando a formação do público-plateia. Visa, ainda, contribuir para a sensibilização do olhar e estimular a reflexão e o interesse pela linguagem do cinema.
Público alvo: moradores de Cuieiras com idade entre 8 e 16 anos (prioridade: alunos da Escola Ana Caldas).
Horários: sábado, dia 7 (14h - 16h) e domingo, dia 8 (9h30 - 11h30).
Local: Escola Ana Caldas. Facilitadores: Rogério Bezerra e Daniel Pereira
Oficina 7: Catirinas
Nesta oficina será gerado um ambiente de livre confecção de máscaras de Catirina, a partir de materiais diversos, comumente utilizado em Cuieiras para esse fim, como papelão, borracha, tecido, tinta, dentre outros. Dessa forma, espera-se contribuir para a preservação e o fomento do brincante Catirina, ocorrência mais que secular no Carnaval de Cuieiras.
Público alvo: crianças e jovens com idade entre 8 e 14 anos (prioridade: alunos da Escola Ana Caldas).
Horários: domingo, dia 8 (14h - 16h30).
Local: Escola Ana Caldas. Facilitador: Rodrigo Cruz
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