Olinda A história dos moradores também é patrimônio imaterial para a cidade

Por: Rosália Vasconcelos

Publicado em: 17/12/2017 12:44 Atualizado em: 17/12/2017 14:26

 (Ricardo Fernandes/DP/DA Press)

As ladeiras do sítio histórico de Olinda, carregam em si uma infinidade de histórias, daquelas que vão além da graça do Carnaval. Elas trazem consigo a memória de pessoas que se dedicaram - e continuam a se dedicar - à manutenção daquilo que Olinda tem de mais precioso: a cultura e a vivacidade. A narrativa de muitos moradores do sítio histórico se misturam tantas vezes com a história dos próprios bairros e suas ruas. Se para a Unesco patrimônio é tudo aquilo que nos pertence, o envolvimento desses personagens com Olinda já se tornou patrimônio imaterial da cidade. Para preservar essas relações e como elas engradeceram ainda mais a Cidade Alta, as memórias foram condensadas no livro “Olinda - Patrimônio Cotidiano. Memória Coletiva de Seus Moradores”, lançado no fim do último mês de outubro.


“Um dos pontos que diferencia Olinda de outras cidades Patrimônio da Humanidade é a presença ativa do morador. Mais ainda, porque além de habitar os espaços, os imóveis, eles são atuantes, eles alimentam e instigam as manifestações culturais. Outra característica interessante é que eles são organizados enquanto sociedade civil e lutam pela
preservação do status quo da Cidade Alta”, avalia a presidente da Fundarpe, Márcia Souto.

A trajetória de muitos moradores, inclusive, se confunde com a criação de blocos e troças carnavalescas. Para o técnico do Iphan Frederico Almeida, além da historicidade que as pessoas acrescentam ao lugar, a população também é parceira na preservação do patrimônio. “O escritório técnico do Iphan é quase um local de denúncias. As pessoas sentem amor pela cidade. Elas se apropriaram de todos os títulos, sentem orgulho e lutam para mantê-los”, diz Almeida.

Um dos personagens vivos mais icônicos é o ator e bailarino Jonatas Batista da Silva, 52 anos, mais conhecido nas ladeiras por Joninhas. Abandonado pela família adotiva aos oito anos de idade, veio do bairro de Peixinhos e conseguiu um emprego como ajudante de entalhador de um artista da cidade. Aos 10 anos, passou a trabalhar como garçom de um dos bares do sítio histórico e aos 12, estava na Prefeitura de Olinda, na época do tombamento do sítio histórico e da criação do Centro de Preservação do Sítio Histórico de Olinda, dirigido por Antenor Vieira
de Melo.

“Eu costumo dizer que minha relação com Olinda é de mãe e filho. Fui acolhido pelos moradores e foram os olindenses que me apelidaram de Joninhas. A cada noite, dormia na casa de algum amigo, frequentava seus quintais. E cada casa dessa carrega um pouco da minha história, das minhas angústias. Eu participei ativamente da história da oficina
Guayanazes, convivendo com figuras como João Câmara, Zé Carlos Viana e outros”, declara Joninhas.

Em consonância à poética dos casarios, outra figura que condensa a memória imaterial da Cidade Alta é o estilista Eduardo Pontual, mais conhecido como Dudu. Vestido quase sempre de com roupas coloridas e adornos não convencionais, é impossível frequentar o sítio histórico sem percebê-lo. No livro “Olinda - Patrimônio Cotidiano”, Duda resume o espírito plural do morador das ladeiras: “Vou fazer de tudo para que nunca deixe de correr em mim o sangue do olindense… do olindense carnavalesco da Pitombeira dos Quatro Cantos; do Clube Vassourinhas onde eu desfilo vestindo a camisa de diretor. Do católico que ama a Igreja do Rosário e que é amigo de Dom Marcelo, sem deixar de ser frequentador de terreiros dos cultos afro-brasileiros”.

Assim como aconteceu com Joninhas, para o artista plástico Milton Cosmus, 60 anos, a vivência em Olinda foi o que o orientou a seguir pelos caminhos da arte. “Eu comecei a frequentar o sítio histórico com 10 anos de idade e costumo dizer que aqui foi o meu portal. Morando aqui, tomei meu primeiro banho de chuveiro, frequentei vernissages, exposições. Aprendi a ser mamulengueiro e a tocar percussão, fazendo shows com Erasto Vasconcelos. Também participei de filmes, entre eles um rodado em um dos imóveis onde morei, o Teatro Mamulengo”, conta Cosmus.
 
Compatibilizando interesses diversos 

Nem tudo é beleza e inspiração quando se mora em uma cidade tombada e intitulada Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade. A dificuldade burocrática e financeira em preservar o casario, por dentro e por fora, o vandalismo, o turismo, a vida noturna, o trânsito, tudo precisa de disciplinamento e compatibilização. É preciso garantir que os moradores, enquanto guardiões do patrimônio e da pujança da cidade, permaneçam habitando o sítio histórico, sem abdicar dos outros usufrutos, porque Olinda pertence a todos.

Para o artista plástico Luciano Pinheiro, morador do Alto da Sé, a Cidade Alta tem sofrido os impactos com a circulação de veículos nas ruas estreitas e ladeirosas, da multiplicação de estabelecimentos de comércio e serviços, da sobrecarga da infraestrutura local e dos problemas de coleta de lixo e saneamento. “Pouco a pouco, os moradores estão saindo, mas somos nós que retroalimentamos o que a cidade tem de mais singular. Não são os empresários, nem a especulação. Temos um patrimônio humano, um artista em cada canto dessa cidade. E essas pessoas precisam ser respeitadas em seu espaço”, defende. Apesar disso, segundo a prefeitura de Olinda, 87% da ocupação do sítio histórico ainda é de moradores, e 13% são comércios e serviços.

Para Márcia Souto, presidente da Fundarpe, todas as pessoas que frequentam Olinda querem chegar ao mesmo denominador: que seja preservada a sua beleza, o seu casario e as suas manifestações culturais. “O que estamos discutindo aqui então é como conciliar interesses diferentes, respeitando o espaço que cada um tem na cidade.
Fazemos isso com disciplinamentos e estudos aprofundados”, coloca Márcia.


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