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Educação Pré-vestibular para transexuais e travestis abre portas à população marginalizada Projeto Educar é Transformar tem como intuito democratizar acesso ao ensino superior para pessoas LGBTTI

Por: Matheus Rangel

Publicado em: 12/08/2017 19:03 Atualizado em: 12/08/2017 19:05

Primeira aula do curso pré-vestibular voltado para pessoas trans. Foto: Marlon Diego/Esp.DP
Primeira aula do curso pré-vestibular voltado para pessoas trans. Foto: Marlon Diego/Esp.DP

Entre agressões de colegas de sala e preconceito dos professores e dirigentes, Shanaya Rayssa, 24, mulher trans e negra, conseguiu concluir o ensino médio em uma escola pública do Recife. Depois de receber o diploma, ela tentou prestar vestibular duas vezes, mas desistiu em ambas por não conseguir conciliar os estudos com o emprego, a prioridade. “Eu precisava sobreviver e não conseguia estudar e trabalhar ao mesmo tempo, então acabava sempre escolhendo o emprego”, lamenta ela. A falta de perspectiva de Shanaya começou a ser revertida neste sábado (12), com a aula inaugural do projeto Educar é Transformar, curso pré-vestibular gratuito, do qual ela agora faz parte, destinado prioritariamente a transexuais, travestis, gays, lésbicas, bissexuais e pessoas de baixa renda da capital pernambucana.
 
A ação é organizada pelo Movimento Rua - Juventude Anti-capitalista do estado, que recebeu inscrições de aproximadamente 60 alunos e quase 100 professores voluntários, organizados para lecionar assuntos-chave do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) dentro dos tópicos linguagens, matemática, ciências humanas e da natureza, além da redação. O curso se estenderá até novembro - com encontros aos sábados, das 13h às 17h, no Demec (R. do Hospício, 762) -, e também se preocupa com o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), que permite que pessoas que deixaram os estudos concluam o ensino médio. "O projeto é fundamental visto que a população de baixa renda, de negros e negras e a população LGBT, sobretudo de trans e travestis, já sofre um processo de marginalização dentro do próprio ambiente escolar. Evasão, inclusive, das pessoas trans e travestis não é necessariamente por livre escolha. Ocorre compulsoriamente devido ao processo de bullying, de preconceito, sofrido na escola, que é só mais um ambiente de opressão", detalha Igor Andrade, um dos idealizadores da iniciativa. Diferentemente do caso de Shanaya, que trocou o desejo de cursar administração por ciências sociais por medo de sofrer preconceito, as escolas brasileiras registram evasão de 82% de travestis e transexuais, de acordo com a Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Os números alarmantes são reflexo dos ambientes hostis proporcionados pela discriminação de alunos e funcionários, situação que leva essas pessoas a buscar outras fontes de renda, como a prostituição. 

Dante Chacon, de 16 anos, foi agredido ao tentar usar banheiro masculino. Foto: Marlon Diego/Esp.DP
Dante Chacon, de 16 anos, foi agredido ao tentar usar banheiro masculino. Foto: Marlon Diego/Esp.DP
Dante Chacon, de 16 anos, entende bem os percalços de conviver com o preconceito dentro do ambiente escolher. O menino, atualmente no segundo ano do ensino médio, pretende estudar história na universidade e é mais um aluno do Educar é Transformar. Levou para dentro da sala de aula o debate sobre diversidade depois de ser agredido. “Entrei na escola não como homem trans, mas como mulher cis. Foi difícil fazer as pessoas entenderem. Era difícil entrar no banheiro masculino, por exemplo. Quando entrei pela primeira vez, eu apanhei. Tinha gritaria e várias outras coisas. Depois disso eu nunca mais entrei num banheiro masculino na escola. Ia no banheiro dos professores para poder evitar a situação”, relembra. O jovem atribui a questão à falta de informação. “São problemas que existem porque as pessoas não conheciam, sequer tinham noção do que era (ser trans) e foi a questão do preconceito”, avalia ele, que fará o ENEM neste ano por experiência. 

Perlla Martins, 33, se submeterá à prova para valer e espera conquistar uma vaga no curso de farmácia. Ela esclarece que, “felizmente”, nunca recorreu à prostituição para sobreviver, mas já vendeu bolsas, sapatos, atuou como cabeleireira e atualmente trabalha no setor administrativo de uma unidade de saúde, experiência que motivou a escolha profissional. “Precisei abandonar meus estudos, não tive mais como. Surgiu essa oportunidade agora e espero resgatar o que ficou para trás”, diz ela. Para pessoas como Shanaya, Dante e Perlla, a informação não é apenas a melhor arma contra o preconceito, como diz o ditado, mas se mostra como a principal saída da marginalidade e do esquecimento histórico. 


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