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ENTREVISTA - MARIA AMAZONAS Um alerta sobre a obesidade Endocrinologista afirma que o crescimento do diabetes está diretamente ligado ao da obesidade no mundo inteiro

Por: Alice de Souza - Diario de Pernambuco

Publicado em: 02/07/2017 13:42 Atualizado em: 02/07/2017 15:07

 (Foto: Cortesia)
As estatísticas da Organização Mundial da Saúde (OMS) denunciam o crescimento acelerado da obesidade no mundo. Em menos de 10 anos, o planeta terá mais de 2,3 bilhões de adultos com sobrepeso. Mais de 700 milhões de pessoas serão obesas. A situação é de alerta porque não atinge só os mais velhos, é cada vez mais comum na infância. As consequências do quadro serão diagnósticos mais precoces de diabetes, doenças cardiovasculares e até de casos extremos, como perda de visão e amputações. A obesidade está muito mais ligada aos hábitos alimentares e de prática de exercícios do que a possíveis disfunções hormonais, por isso é necessário rever o padrão alimentar da população. O alerta é da atual tesoureira da regional pernambucana da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM-PE), Maria Amazonas, que participou do EndoRecife, um dos principais congressos médicos regionais do país. Em sua 20ª edição, o evento teve início na última quinta-feira (29) e terminou no sábado (1), no hotel Sheraton Reserva do Paiva, no Cabo de Santo Agostinho.

A obesidade foi um dos temas abordados nas mais de 60 palestras que compuzeram o evento, asism como osteoporose, câncer de tireoide, transtornos endocrinológicos na gestação e síndrome metabólica. Em entrevista ao Diario, Maria Amazonas, especializada em endocrinologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), além de coordenadora do Serviço de Endocrinologia do Real Hospital Português, debate o uso indiscriminado de hormônios e as consequências do avanço da obesidade e do diabetes além da fronteiras etárias.

Há entre a população uma ideia de que alterações de peso estão relacionadas a distúrbios hormonais. Até que ponto ela é verdadeira e quais os riscos de acreditar nisso?
A obesidade pode ter relação com alguns distúrbios hormonais, mas o erro alimentar sempre vem associado, e a modificação da alimentação quase sempre é a solução.  Alguns casos de obesidade podem ser vinculados a distúrbios hormonais, por exemplo, a síndrome dos ovários policísticos e a síndrome de Cushing. Na síndrome de ovários policísticos não se sabe quem veio primeiro, se a obesidade ou ela. O que se observa é que na hora em que a paciente emagrece volta a menstruar novamente. Provavelmente, a obesidade é muito mais causa do que consequência. Ela pode sim ser causa de vários distúrbios hormonais porque o tecido adiposo produz hormônios e, por esse tecido estar aumentado, vai haver um aumento de hormônios que têm ação de colaborar com o ganho de peso. Isso é chamado de ação anabólica, causada em boa parte pelos esteróides sexuais.

É correto utilizar hormônios para emagrecimento?
O hormônio da tireoide foi usado no passado para emagrecimento, porém se observou que esse uso em pacientes que não tinham deficiência da produção hormonal pela tireoide, se associava a risco elevado de arritmia cardíaca, mortalidade cardiovascular, sem falar na perda de massa óssea e muscular. O seu uso indevido pode até mesmo provocar distúrbio comportamental. O que tem sido feito é o uso de hormônios como a testosterona e GH(também conhecido como hormônio de crescimento) no intuito de modificar a composição corporal para fins estéticos, ou seja, aumentar a massa magra e reduzir a massa gordurosa, o que não significa redução de peso na balança. Um medicamento que só foi aprovado no Brasil para tratamento da obesidade há pouco mais de um ano, e que já é utilizado há alguns anos nos EUA e Europa, é a liraglutida, hormônio conhecido como GLP-1, que tem se mostrado eficaz em ajudar boa parte dos pacientes a perderem peso, mas a dieta é essencial, sem ela a balança não muda!

Quais as consequências e riscos do uso indiscriminado desses hormônios?
A testosterona se associa ao maior risco de doenças cardiovasculares e câncer. Na mulher, ao quadro da androgenização, relacionado ao surgimento de pelos em regiões que só os homens teriam, como barba, peito, bumbum, costa, além do aumento do clitóris e alteração da voz, sem falar na alopecia e acne(espinhas). Já o uso do GH, hormônio do crescimento, em paciente que não tem indicação, está associado ao crescimento mais rápido de tumores pré-existentes que muitas vezes ainda não se tinha nem diagnosticado, por exemplo.

A solicitação abusiva de dosagens hormonais, como exemplo T3 e T3 reverso, cortisol,  é crescente. Qual a real necessidade de realização desses exames e quando devem ser feitas as solicitações?
O hormônio T3 na prática clínica diária para diagnóstico de hipertireoidismo ou hipotireoidismo não faz muita diferença. Ele é uma informação a mais, importante no quadro de hipertireoidismo, ou seja, quando o paciente já tem a doença e está em tratamento. Para você acompanhar a resposta ao tratamento, a dosagem do T3 se faz necessária. Quanto ao T3 reverso, não há nenhuma justificativa para que no dia a dia ele seja dosado. O T3 reverso é um exame que se usa praticamente em pacientes em unidades de terapia intensiva. No caso do cortisol, esse jamais deve fazer parte do arsenal dos chamados exames de rotina. Até mesmo porque o cortisol é alterado em raríssimas circunstâncias médicas, sem falar na influência que sofre de diversos medicamentos de uso frequente por boa parte dos pacientes do sexo feminino que é o contraceptivo oral ou injetável.

É possível atestar que o uso da testosterona pode prevenir o envelhecimento?
O uso de testosterona não previne o envelhecimento, ele simplesmente melhora a massa e a força muscular, o que resulta em boa parte dos pacientes em melhora estética, porém também se associa a aumento de mortalidade. Você melhora a casca, mas pode encontrar piora do interior. É como uma maçã vermelha e apetitosa, e quando você morde ela está apodrecida. Não existe prevenção ao envelhecimento, ele é a evolução natural do ser humano. Podemos envelhecer melhor, porém não prevenir. Precisamos ter cuidado ao usar determinados termos na medicina, afinal o papel do médico é de promover saúde, o que nem sempre é provocado por condutas para melhoria estética. Pelo contrário, pode até provocar doenças em curto, médio e longo prazos. Os dados de pesquisa não mostram segurança para o uso de hormônios anabolizantes para aumento de massa muscular, podendo provocar inclusive infertilidade irreversível entre os homens. As poucas publicações que existem em relação ao uso de testosterona para uma melhora de massa muscular foram associadas ao aumento de risco cardiovascular e mortalidade. Os casos com indicação plausível são poucos, como pacientes graves de UTI em estado de desnutrição avançado, ou ainda em pacientes em processo de reabilitação após trauma grave que exigiu períodos longos de repouso.

Sabemos que os casos de diabetes crescem em todo o mundo. Em adultos, o total de doentes hoje é quatro vezes maior do que na década de 1980. O que pode ser feito para frear esse crescimento tanto do ponto de vista pessoal quanto de políticas públicas em saúde?
O crescimento do diabetes está diretamente ligado ao da obesidade no mundo inteiro. O Brasil hoje ocupa o 4° lugar quanto ao número percentual de diabéticos mundial. Ele só perde para China, Índia e Estados Unidos. Tudo aquilo que previne a obesidade previne o diabetes. Temos que trabalhar por uma mudança de estilo de vida da população, que cada dia tem ficado mais sedentária e comido mais e pior. Estão ingerindo uma alimentação de baixo valor nutricional e alto teor calórico, que são os carboidratos de fácil absorção, que se traduz em açúcar e trigo; e as gorduras de origem animal, que se traduz em óleo. No nível público existe algumas ações que poderiam ser trabalhadas, a começar pelas escolas, que tanto pública quanto privada oferecem uma alimentação de péssima qualidade na infância às crianças. Houve algum avanço, como no caso das praças públicas oferecendo a academia da cidade, o que incentiva a prática da atividade física. Mas, em contrapartida, na questão alimentar é ainda muito complicado.

Qual o impacto da prática de exercícios físicos para o tratamento e controle do diabetes?
A atividade física é fundamental no tratamento do paciente com diabetes. Ela junto com a dieta tem papel essencial. Independentemente da atividade, se for uma corrida ou musculação, a atividade física traz vários benefícios para os pacientes diabéticos. Entre os principais, estão a redução do risco cardiovascular e da glicose. Há ainda evidências fortes de que o exercício físico tem o poder não só de tratar, como de também prevenir o diabetes.

Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), do ano passado, mostrou que a má nutrição está contribuindo para o aumento da obesidade no mundo, sobretudo em crianças menores de 5 anos. Quais fatores são determinantes para esse quadro?
Esse aumento da obesidade na infância se deve a crianças que já crescem em um ambiente propício à obesidade, com uma alimentação de má qualidade, altamente calórica, associada ao sedentarismo. Também existem dados de que hábitos alimentares da mãe durante a gestação, o quanto de peso é adquirido durante a gravidez, o peso do bebê, enfim, tudo parece influenciar o peso e a composição corporal da criança. Sem falar na flora intestinal, que a cada dia ganha mais espaço como causa de obesidade e diabetes. As escolas hoje já não cobram mais a obrigatoriedade da atividade física de no mínimo duas vezes por semana. Isso tudo somado a jogos eletrônicos, celular, computador, controle remoto, falta de segurança nas ruas para as crianças poderem jogar bola, andar de bicicleta, são fatores que acabam enclausurando cada dia mais essas crianças.

Qual a melhor forma de combater a obesidade infantil?
A obesidade infantil deve ser combatida  desde o momento em que  um casal decide ter filhos, deve- se começar pelos pais, pela gestante, dando continuidade após o nascimento com aleitamento materno sempre que possível, e alimentação saudável. Mas ainda há muito o que conhecermos no campo da obesidade. O importante é vermos com muita seriedade a doença que vem tomando conta do mundo, com as suas consequências, e lidarmos com seriedade, sempre buscando formas seguras de tratamento, e principalmente buscando mudança em estilo de vida.

Estamos na era das dietas. Cada dia surge um novo método ou uma nova susbtância prometendo emagrecimento. Quais os riscos associados de embarcar sem pesquisar nessas novidades?
As dietas são muitas, cada uma com suas peculiaridade, mas o mais importante é ser orientado e acompanhado por profissional competente. A perda de peso requer ingestão de menos calorias do que gastamos, apenas dessa forma vamos reduzir o nosso estoque de energia, ou seja, reduzir gordura. Mas medidas desesperadas podem trazer grandes riscos. Como exemplo temos as dietas de muito baixa calorias, que precisam ser associadas a repouso relativo e avaliação médica frequente. Muitos pacientes não vão ao médico ou nutricionista e continuam frequentando regularmente a academia, muitas vezes passam mal e precisam de cuidados emergenciais. Produtos que prometem emagrecer, em geral propagados pela internet, às vezes em redes sociais, não devem ser consumidos sem orientação de um profissional de saúde especializado em obesidade.

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