Dor Pacientes em situação crônica da chikungunya sem acesso a atendimento Na Região Metropolitana do Recife, a estimativa é de cerca de 250 mil pessoas em situação crônica da doença, que provoca dores nas articulações

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 10/07/2017 07:16 Atualizado em: 10/07/2017 07:38

Pacientes em situação crônica da chikungunya sem acesso a atendimento. Foto:  Ricardo Fernandes/DP
Pacientes em situação crônica da chikungunya sem acesso a atendimento. Foto: Ricardo Fernandes/DP

Sete em cada dez pacientes com chikungunya chegam aos serviços de atendimento com quadro crônico da doença, ou seja, com mais de três meses de sintomas. É o que aponta um dos achados do estudo multicêntrico intitulado Coorte ChikBrasil, coordenado pelo Hospital das Clínicas da UFPE, unidade vinculada à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). A pesquisa, iniciada em abril de 2016, analisou as informações de 732 pacientes de Pernambuco, Sergipe, da Paraíba e do Ceará. Os resultados norteiam as recomendações de diagnóstico e tratamento da chikungunya da Sociedade Brasileira de Reumatologia, a serem lançadas no próximo mês.

Os pesquisadores fizeram um levantamento demográfico e perceberam que, no Brasil, a chikungunya se manifesta da mesma forma que em epidemias estudadas em outros países. Cerca de 83% dos atendidos são mulheres e 67% chegam ao serviço de reumatologia já na fase crônica. Uma das problemáticas identificadas é a dificuldade de acesso ao atendimento reumatológico. O Hospital das Clínicas (HC-UFPE), por exemplo, recebe ainda hoje uma média de 10 a 12 pacientes novos por mês, muitos deles com mais de um ano de dor e que ainda não tinham conseguido agendar consultas.

Segundo Cláudia Marques, reumatologista do Hospital das Clínicas, no Brasil - assim como em outro lugar do mundo - não há especialistas suficientes para atender a demanda da epidemia pela febre. “É uma taxa de ataque muito alta, cerca de 50% da população fica doente e, desses, metade cronifica. O ideal era que houvesse treinamento na atenção básica, mas isso não acontece”, lastima. Em 2016, foram registrados no país 271 mil casos prováveis de chikungunya, mas os médicos alegam subnotificação. Uma real estimativa chega a quantificar 250 mil pessoas com potencial de cronificar só na Região Metropolitana do Recife.

Além da dificuldade na qualificação profissional, o registro emperra também no sistema. A plataforma oferecida pelo Ministério da Saúde está sem funcionar, impedindo o preenchimento digital e célere dos dados. A inacessibilidade aos serviços também dá vazão à automedicação. Cerca de 70% das pessoas que chegam para atendimento pela primeira vez já fizeram uso anterior de corticoide sem prescrição médica. “Se eles viessem para o serviço, também fariam uso da medicação, mas com acompanhamento”, alerta Cláudia Marques.

A artesã Emanuela Galvão, 39 anos, apresentou a fase inicial da chikungunya há quase um ano e meio. Nesse período, as dores amenizaram, mas não foram embora. Emanuela nunca procurou o médico. “Era tanta gente nos postos. Minha mãe ficou doente na mesma época, então acabei tomando o remédio dela, mas depois deixei de tomar”, relata. O risco é transformar em crônico o uso do corticoide. “No mínimo, a pessoa ficará com o rosto inchado, mas pode ganhar gordura abdominal, a pressão pode subir”, detalha a reumatologista.

Perguntas em aberto sobre a chikungunya:

Parte do resultado dos estudos ChickBrasil foi apresentada neste mês, em Madri, na Espanha, durante o Congresso Anual Europeu de Reumatologia, o Eular. Além da questão da cronicidade, a pesquisa identificou um alto índice de concordância entre os exames clínicos e a sorologia para identificar a chikungunya em locais onde há uma epidemia instalada. Dos 143 casos analisados, apenas um incorreu em incompatibilidade. Com o dado, é possível dar segurança para que os médicos deixem de pedir hemogramas para todos os pacientes que dão entrada nas unidades com sintomas compatíveis com a doença.

Um dos casos analisados no estudo é o da funcionária pública federal Magda Galvão, 64 anos. Ela passou mais de quatro meses com os pés inchados, sem conseguir calçar sequer um chinelo, depois de ser infectada. Desde fevereiro do ano passado, sofre com as dores da doença. “Deixei de caminhar, de bordar. Todo dia é um incômodo diferente”, conta ela, que iniciou tratamento acompanhado pelos reumatologistas e diz que está 90% melhor. Outro resultado aponta que pacientes com doença reumatológica prévia não necessariamente terão uma quadro mais severo de chikungunya. Pelo contrário, em alguns casos a doença se manifesta inclusive de forma mais leve.

Em um mês, o estudo Coorte ChikBrasil também pretende ter respostas para outras perguntas ainda em aberto sobre a chikungunya. Dentre elas, o percentual de pacientes que fecharam critério para doenças reumatológicas após o quadro da febre; quais são as respostas para as medicações; quantas pessoas conseguiram a alta; quais comorbidades favorecem quadros crônicos; e se sexo e idade são condicionantes para a gravidade do quadro.

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