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Maurício Andrade Entrevista: 'O transporte fluvial pode trazer benefícios urbanísticos interessantes' O doutor em engenharia civil e professor de Economia dos Transportes e Gestão das Infraestruturas da UFPE conversou com o Diario sobre o potencial do Rio Capibaribe para a mobilidade urbana do Recife

Por: Anamaria Nascimento

Publicado em: 22/01/2017 10:15 Atualizado em: 23/03/2017 20:41

O transporte fluvial é uma alternativa viável para a mobilidade urbana do Recife?
A questão da viabilidade econômica, técnica e ambiental deve preceder a decisão de realizar qualquer investimento em transportes. Deve-se estudar previamente as demandas do serviço dentro da rede de transportes, os custos operacionais, de obras e de manutenção das infraestruturas necessárias, as alternativas tecnológicas disponíveis, a capacidade de pagamento da população usuária face aos custos. É também indispensável avaliar as possibilidade dos modelos disponíveis de financiamento público ou privado e público-privado do serviço além de sua robustez frente aos riscos das variações cíclicas da economia local e nacional e as responsabilidades institucionais no provimento do serviço. Esses pressupostos na sua integridade não parecem terem sido atendidos no caso do transporte fluvial no Recife e essa é uma das razões para seu insucesso presente. Acho que as principais incertezas desse projeto repousam mais em aspectos de modelo de gestão e de financiamento do que em aspectos de engenharia de obras ou de tecnologias - que também não são triviais e não foram ainda superados.

Então, o que é necessário?
É preciso buscar equilíbrio entre receitas e custos ou minimamente o estado deve conhecer o nível de subsídio necessário, por haver risco de os projetos serem abandonados por crises fiscais ou orçamentárias, que infelizmente ocorrem ciclicamente, sendo a situação atual nacional e de Pernambuco um bom exemplo disso. Diante do impasse atual, com obras paradas, sem um horizonte próximo de superação do problema do financiamento público das obras, sem um modelo de gestão consistente, que gere interesse no setor privado em assumir o serviço como uma concessão de serviço público ou uma PPP, fica mais do que evidente que o projeto de transporte fluvial no Recife precipitou o início das obras, sem as condições adequadas, realizando investimentos de difícil retorno numa perspectiva de curto e médio prazos. Em resumo, era uma ideia interessante e empolgante para muitos, mas com um nível de aprofundamento insignificante em detalhes essenciais para demonstrar a sua viabilidade econômica e de modelo de gestão operacional. Os únicos números publicamente conhecidos referem-se ao valor do investimento de cerca de R$ 300 milhões (preços de 2012) para uma oferta diária de viagens com condições de atender de 10 mil a 12 mil usuários/dia. 

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Quais seriam os impactos de ter o transporte fluvial como opção na capital pernambucana?

Abstraindo-se das questões econômicas e de gestão, se formos analisar os impactos, pelo enfoque da capacidade de melhorar a eficiência sistêmica da rede de transportes do Recife ou do Grande Recife, pela redução dos tempos médios de viagem, pode-se dizer que pela pequena capacidade de oferta acrescentada à rede (cerca de 10 mil usuários em uma rede que movimenta diariamente 2 milhões), que os ganhos seriam de pequena expressão, à exceção, talvez, para usuários residentes muito próximos das estações projetadas. Por essa razão, a capacidade de reduzir congestionamentos pela transferência de usuários do transporte individual seria limitada. No entanto, adotando-se um enfoque mais amplo, apesar de o transporte fluvial não representar um sistema de transporte de grande capacidade, pode-se extrair benefícios urbanísticos interessantes. Sua integração com o projeto do Parque do Rio Capibaribe poderia propiciar uma nova forma de mobilidade urbana, integrando modos ativos de deslocamento ao transporte fluvial e, através de uma política de integração entre o uso do solo e os sistemas de transportes, dinamizar atividades urbanas reduzindo as necessidades de grandes deslocamentos e, dessa forma, favorecendo uma mobilidade sustentável. Nesse aspecto, o projeto seria de grande importância por realçar a revitalização e valorização do ativo urbano e ambiental representado pelo Rio Capibaribe. A percepção desses atributos talvez seja a razão para a grande aceitação do projeto pela população recifense.

Como seria o transporte fluvial ideal para o Recife?
Um transporte fluvial ideal viável deveria se compatibilizar de forma efetiva à rede de transportes existente e à política tarifária praticada, sem acrescentar déficits orçamentários ao sistema como um todo e sem exigir dos orçamentos públicos, níveis de subsídios incompatíveis com a oferta possibilitada por esse modo.  Boas ideias desconectadas da viabilidade econômica tendem a gerar retrocessos e paralisações, como acontece com o sistema de transportes por teleféricos no Morro do Alemão no Rio de Janeiro, paralisado por demanda insuficiente e problemas de sustentabilidade da empresa operadora. Isso denota um projeto superficialmente estudado, como é comum no Brasil em épocas de grande euforia econômica. Estudos prévios e eficientes de viabilidade previnem problemas futuros ao antecipar planos para minimizar riscos de insucessos.

Qual parcela da população mais seria beneficiada por esse tipo de transporte?
Um dos benefícios mais desejados por todos decorrentes de melhorias em transportes urbanos pode ser medido pela redução do tempo médio de viagem, que logicamente está associado, além da velocidade do modo utilizado, com a distância percorrida. Pela diferença das velocidades médias operacionais dos ônibus nos horários de pico de 10 km/h e a prevista de 18 km/h para as barcas, poderia haver um ganho de até 20 minutos em uma viagem de 11km entre a BR-101 na Iputinga e o Centro do Recife, por exemplo. No caso da comparação com o transporte individual, essas diferenças seriam provavelmente menores. Esse fato, portanto, apesar de menores custos, poderia não ser atrativo o suficiente para modificar a escolha do usuário do veículo particular. Além disso, haveria ainda a incerteza de encontrar uma oferta compatível no seu horário e as possíveis perdas de tempo com esperas, embarques e desembarques.

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