Parece ficção Policiais militares de Pernambuco têm prisão modelo Limpo, organizado, bem estruturado e sem superlotação, o Creed destoa das demais unidades carcerárias de Pernambuco

Por: Larissa Rodrigues - Diario de Pernambuco

Publicado em: 27/07/2016 12:00 Atualizado em: 27/07/2016 17:02

PMs guarnecem o Centro de Reeducação da Polícia Militar de Pernambuco. Foto: Ricardo Fernandes/DP
PMs guarnecem o Centro de Reeducação da Polícia Militar de Pernambuco. Foto: Ricardo Fernandes/DP

Imagine um presídio sem superlotação, rebeliões, drogas, celulares e armas ilegais. Uma unidade que tem, à disposição dos detentos, biblioteca, academia de ginástica, mesa de tênis, campo de futebol e duas capelas, uma católica e outra evangélica. Num local assim, são mínimas as chances de ocorrerem episódios de violência como os de sábado passado da Penitenciária Juiz Plácido de Souza, em Caruaru, Agreste, que deixou um saldo de seis mortos. Tampouco motins como o da última segunda-feira no Centro de Atendimento Socioeducativo de Abreu e Lima (Case), onde um jovem morreu.

Diante desta descrição, alguns podem achar que esse presídio modelo fica fora do Brasil. Mas a unidade está situada no mesmo município onde ficam o Case e o Cetro de Triagem Professor Everardo Luna (Cotel): Abreu e Lima. Separado do Cotel por uma passarela de cimento onde trabalham guardas, está o Centro de Reeducação da Polícia Militar de Pernambuco (Creed). Ao entrar na estrutura, depois da revista eletrônica e de deixar todos os pertences trancados na sala do coronel administrador, o visitante nem de longe se depara com a tradicional imagem de caos dos presídios brasileiros.

Organização, limpeza e formalidade são as regras. O rigor impera para detentos e funcionários. Todos parecem estar num quartel. As obrigações com a higiene pessoal são rígidas. Os 88 reeducandos são obrigados a fazer a barba diariamente e a cortar os cabelos a cada 15 dias. Os que usam barba têm autorização médica para tal. O tratamento com os funcionários, todos militares, é feito com termos que demonstram disciplina: senhor, senhora.

Um dos presos internos do Creed matou colega em viatura em agosto do ano passado. Foto:João Velozo/Especial/DP
Um dos presos internos do Creed matou colega em viatura em agosto do ano passado. Foto:João Velozo/Especial/DP

Os próprios presos não toleram desordem e comportamentos comuns em outros presídios, segundo a direção, por causa de sua formação militar. O Creed existe desde a década de 1990. É lá que estão os PMs presos no dia 9 de julho com cinco quilos de maconha. Também está no local, há 11 meses, o ex-soldado Flávio Oliveira da Silva, 32. Em 30 de agosto completa um ano que ele assassinou com um tiro na cabeça o cabo Adriano Batista da Silva, 41, dentro de uma viatura da PM, quando os dois começavam juntos mais um dia de trabalho.

Homicídio é o crime que mais leva militares ao cárcere, segundo a direção. Em seguida, tentativa de homicídio e envolvimento com drogas. A unidade, no entanto, não divulgou quantos reeducandos cumprem pena ou aguardam julgamento por assassinato. Outros delitos recorrentes são crimes contra a administração pública, roubo e furto. Atualmente, 40 presos estão condenados e 48 são provisórios. Na PM há 29 anos, o diretor da unidade, o tenente-coronel André Luan Gomes da Rocha, está à frente do Creed desde 13 de abril deste ano. A hipótese dele para a maioria dos crimes cometidos por militares ser homicídio ou tentantiva é a pressão da função. “A carga de estresse é grande. Qualquer coisa pode representar ameaça. O militar também está suscetível à vingança.”

Todos os reeducandos, hoje, são homens. Já houve mulheres, mas os casos são raros. “As mulheres são mais disciplinadas e estão em menor número na corporação. Quando acontece, ficam em celas separadas.” De acordo com o tenente-coronel, desde que foi criado passaram pelo Creed 1.814 homens e apenas três mulheres. Dos 88 reeducandos, 85 são policiais e três bombeiros. A rotina e a dinâmica no presídio militar difere das outras prisões.

“Dificilmente existe indisciplina. A hierarquia da corporação define em quais celas ficarão. Soldado fica com soldado. Sargento com sargento. Oficiais com oficiais. O índice de reincidência é praticamente zero”, detalhou. Há aposentados, reformados, novatos. “Existe, inclusive, um PM em prisão domiciliar por causa da idade, 85 anos. O crime foi homicídio.”

Formação de presos está entre diferenciais


O Creed é responsabilidade da Secretaria de Defesa Social. Os demais presídios ficam sob a tutela da Secretaria Executiva de Ressocialização. O argumento das autoridades para a diferença entre as regras rígidas do centro e a falta delas no restante do sistema carcerário do estado é de que as dimensões da prisão militar e a quantidade de presos do local facilitam a organização, assim como a formação dos reeducandos.

O diretor, tenente-coronel Luan Rocha destacou que todos os detentos têm no mínimo o primeiro grau completo. Secretário de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico também reforçou a tese. “É um presídio militar e as regras são as de um quartel.” De fato, a superlotação é um estorvo no sistema. Pernambuco tem ao todo 11 mil vagas carcerárias, mas há 31 mil presos.

O Complexo Prisional do Curado tem 94 mil metros quadrados. O Cotel, 21 mil. Já o Creed, 4,7 mil. Tanto no Curado quanto no Cotel, a capacidade está superlotada, enquanto que no Creed há dois presos por cela, no máximo. Das 58 celas do centro (cada uma com seis metros quadrados), 28 estão com dois detentos e 30 com um.

Na Penitenciária Juiz Placido de Souza, em Caruaru, a lotação também está acima da capacidade de 385 vagas. Há 1,8 mil detentos no local. A rebelião do sábado, que se repetiu na última segunda-feira, chamou a atenção da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. Junto com o Mecanismo Estadual de Combate à Tortura e o Comitê Estadual de Direitos Humanos, a comissão faz inspeção na unidade na manhã desta quarta-feira (27).

Disciplinados, mesmo após histórias de violência


Um dos mais recentes presidiários do Creed chegou ao local no dia 19 de julho, quando a reportagem do Diario de Pernambuco visitou o Centro. Ele e outro reeducando conversaram com a equipe sob a condição de não terem os nomes revelados nem serem fotografados. Os diálogos ocorreram na companhia do tenente-coronel Luan Rocha. O homem é aposentado, trabalhou 30 anos na PM e é descrito pelos colegas como “disciplinado”. Aparenta ter aproximadamente 60 anos. Contou que foi parar no Creed pela Lei Maria da Penha. Mas nega a agressão à ex-mulher, que o denuciou e com quem passou 33 anos.

“Falei para ela não dar ouvido às amigas, que queriam acabar nosso casamento. Já estou há um ano com outra pessoa e tenho uma filhinha com essa mulher. Nunca agredi ninguém. De repente, a polícia bateu na porta da minha nova casa e me trouxe.” O outro reeducando é um dos três pastores da unidade. Alegou estar no presídio por erro da Justiça, que teria confundido seu nome com o do verdadeiro criminoso. Com nome idêntico a ele, disse ter sido preso injustamente. Está no Creed há sete meses. Era pastor antes da prisão e não se queixa do suposto erro. “Deus tem propósito na vida de cada um. Se estou aqui, ele é quem sabe. Continuo levando sua palavra”, comentou, resignado.

Há 11 meses no Creed, Flávio Oliveira da Silva, 32, que matou o cabo Adriano Batista da Silva, 42, numa viatura durante um plantão, foi expulso da PM, mas permanece no centro porque teve o julgamento adiado três vezes. A defesa de Flávio quer um laudo psiquiátrico do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), em Itamaracá. O advogado Adelson da Silva defende que no dia do crime ele estava em surto. Segundo a Justiça Militar, desde 15 de novembro de 2015 o caso está pronto para ser julgado. Flávio Oliveira foi expulso da PM por meio da portaria do Comando Geral n° 038, de 22 de janeiro de 2016, publicada no Diario Oficial no dia 26 de janeiro deste ano.






MAIS NOTÍCIAS DO CANAL