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Entrevista/José Antônio Fonseca de Mello Uma vida dedicada a defender os pobres Defensor público já participou de 2.040 juris desde 1998, quando ingressou na Defensoria Pública de Pernambuco

Publicado em: 21/12/2015 07:25 Atualizado em: 21/12/2015 10:36

José Fonseca também foi superintendente do sistema prisional do estado entre os anos de 2002 e 2004. Foto: Rodrigo Silva/Esp DP
José Fonseca também foi superintendente do sistema prisional do estado entre os anos de 2002 e 2004. Foto: Rodrigo Silva/Esp DP
Desde menino, José Antônio Fonseca de Mello já dizia em casa que iria trabalhar para defender os mais necessitados. Inspirado no trabalho do pai, que foi promotor de Justiça e juiz federal, José Antônio traçou como meta atuar no tribunal do júri. Após se formar em direito pela Univesidade Católica de Pernambuco no ano de 1983, iniciou sua carreira como defensor público do estado de Pernambuco. Com vasta experiência na área, José Antônio traz hoje em seu currículo passagens por quase 100 comarcas do estado e atingiu a meta de realização de 2.040 júris populares até o final de novembro. “O primeiro júri do qual participei foi no ano de 1978, ainda como estagiário, na Comarca de Jaboatão dos Guararapes. Uma colega minha soube do júri e avisou que eu poderia ajudar na defesa. De lá para cá, não parei mais”, ressalta o defensor. Apesar de já ter tempo suficiente de trabalho para dar entrada na aposentadoria, José Antônio disse que não pretende fazer isso tão cedo. Em entrevista ao Diario, o defensor contou os bastidores de alguns júris dos quais participou e falou sobre o amor ao seu trabalho.

Quando foi que o senhor decidiu que iria trabalhar na área júridica e como escolheu o tribunal do júri?
Meu pai foi juiz federal. Ele foi o juiz que presidiu o julgamento do homicídio do procurador Pedro Jorge e eu acompanhei a vida jurídica dele. Eu sentia a necessidade de trabalhar na área jurídica e na área dos mais necessitados. E desde pequeno eu sempre dizia para minha mãe que seria advogado e que defenderia as pessoas mais pobres. Nunca tive a menor dúvida do que eu queria trabalhar. E por incrível que pareça, já sabia que queria atuar na área do tribunal do júri. Por ter talvez essa herança da função judicante de meu pai eu queria trabalhar e fazer tribunal do júri. Tanto é que ainda no segundo período do curso de direito eu já participei do meu primeiro julgamento, que foi em Jaboatão dos Guararapes. Eu tenho um filho que hoje está impedido de advogar porque trabalha no Tribunal de Justiça, e ele tinha essa mesma vontade que eu. E quando ele também era estudante eu o levei para participar de um tribunal do júri comigo na Comarca de Primavera.

O senhor chegava a acompanhar os julgamentos que eram presididos pelo seu pai?
Na verdade eu acompanhei um só. Porque na Justiça Federal é muito incomum a realização de julgamentos, especialmente naquela época quando só ocorria julgamento quando a vítima era um índio ou um funcionário da justiça federal. Acho até estranho que esteja ocorrendo a federalização desse processo do promotor de Justiça de Itaíba (Thiago Faria Soares), porque ele não estava na função de promotor quando foi morto e mesmo que ele tivesse na função de promotor, não era nada federal. De certa forma eu considero aquilo um desrespeito à Justiça estadual e à polícia estadual no sentido de tirar a competência daquilo. Mas, voltando ao assunto, meu pai só participou de um júri. Aquele júri de major Ferreira, do homicídio do procurador Pedro Jorge, talvez tenha sido um dos primeiros a ocorrer no país. Dos júris que eu tenha acompanhado do meu pai, só foi aquele.

A partir de quando o senhor passou a fazer parte da Defensoria Pública?
Todas as funções jurídicas, todas elas, juiz, promotor, defensor, o início foi de nomeação. A própria Justiça Federal criada em 1968 também foi assim. A Constituição de 1988 fez todo assessor jurídico de órgão federal se transformarem em procurador federal, ninguém fala isso. Porque às vezes há uma crítica de que os primeiros defensores públicos de Pernambuco teriam passado à função de defensor público sem concurso. Só que a lei quando foi criada tinha algumas exigências. Você tinha que ter 15 anos de estado e dez de função, efetiva comprovação de dez anos de função no exercício da advocacia para os hiposuficientes. Só quem teve esses requisitos é que passou à condição de defensor público. Não havia concurso público para nenhuma dessas funções. E em 1998, a assessoria jurídica passou a ser chamada de Defensoria Pública, devido a um atraso na nossa lei, e a partir daí é que passou a ter o ingresso apenas por concurso público.

O seu primeiro júri foi ainda enquanto estagiário. Como foi essa participação? O senhor foi convidado a participar ou decidiu ir por conta própria?
Já na faculdade eu vivia dizendo a todo mundo que queria fazer júri. Uma colega minha de turma, Jaqueline Farias, filha de um delegado chamado Geraldo Farias, uma pessoa incrível, soube que na comarca de Jaboatão dos Guararapes iria haver um júri e que eu poderia participar junto da defesa com o doutor Valdir Abrantes, que prestava assistência jurídica na comarca de Jaboatão. Para meu espanto, quando cheguei lá, porque na época tinha um detalhe interessante, só existia uma mulher juíza em Pernambuco, doutora Magui Lins Azevedo. E ela só passou no concurso por causa do nome, pois pensaram que era um homem. Até não muito recente, as mulheres não podiam nem fazer inscrição para concurso de juiz em Pernambuco. Depois disso, doutora Magui também passou a ser a primeira desembargadora mulher de Pernambuco. E foi ela quem presidiu esse júri. Era um júri interessante, porque o acusado Elias Pirralha, dois dias antes do júri foi citado no Diario de Pernambuco, numa matéria de página inteira que falava de crimes de grande repercussão. Um deles era o crime de Elias Pirralha. O processo pelo qual estava sendo julgado era pelo homicídio de um rapaz chamado Gilmar. Num sábado de carnaval, Elias junto com seu irmão, mataram Gilson. Quando foi na terça-feira ainda de carnaval, Gilmar, que era irmão de Gilson, passou na frente da casa de Elias. Ele pensando que o cara tinha ido tomar alguma satisfação, acabou o matando também. Participei da defesa com doutor Valdir, mas Elias acabou condenado a oito anos de prisão.

Depois disso o senhor se formou e começou sua carreira na cidade de Glória do Goitá e depois foi para Vitória de Santo Antão. Como foi esse tempo?
Eu fui nomeado assessor jurídico da assistência judiciária do estado e nomeado para a comarca de Glória do Goitá, que dependia na época do núcleo de Vitória de Santo Antão. Fiquei lá até 1986, por conta de questões políticas fui transferido para Vitória de Santo Antão. Essas questões que hoje, graças a Deus, são bem menores, mas fui obrigado a sair da comarca onde eu era lotado. E ai optei por ir para Vitória de Santo Antão porque eu burlei quem estava me perseguindo, pois eu estando em Vitória eu poderia passar pelo menos uma vez por semana em Glória do Goitá. Por que Glória do Goitá? Meu pai nasceu em Glória do Goitá, eu tenho família lá. Tem uma tia minha que mora em Glória, meu pai tinha propriedade em Glória do Goitá e eu tinha ligações com Glória, ou melhor, eu tenho ligações com a aquela cidade. Por isso eu optei por ir para lá.

E sobre a sua vontade de sempre fazer tribunal do júri? Era como defensor, juiz, promotor?
Até o ano de 1998, o assessor jurídico não era impedido de advogar. Então eu fiz alguns júris como advogado particular, participei até de júris no estado de São Paulo, mas no momento da opção eu optando pela defensoria pública eu tava optando também por abandonar a advocacia particular. E aí, mais uma vez, falou mais alto em mim, embora eu tivesse um escritório muito bem estruturado na Rua do Progresso, numa casa imensa que era de minha mãe, uma estrutura perfeita para continuar advogando eu optei pela defensoria pública porque além da possibilidade de participar com mais frequência da defesa dos mais necessitados eu estaria fazendo aquilo que eu gosto, que é o tribunal do júri. Daí fechei o escritório e fiquei na defensoria. Ser juiz, promotor ou defensor sem vocação não adianta. Muita gente que faz o curso de direito hoje em dia faz por causa da garantia financeira e pensando em concurso público. E eu sempre digo nas palestras que eu faço para pessoas que irão fazer vestibular que não adianta passar 30 anos sem juiz sem ter vocação, pois essa pessoa não vai distribuir justiça. Também digo o mesmo para quem pretende ser promotor de justiça ou defensor público.

O senhor tem no currículo a participação em mais de dois mil júris. O que isso representa?
De uma certa forma traz uma preocupação esse número. Porque eu digo isso, de 1983 a 2000, em 17 anos, eu havia feito 500 júris. Se você pegar agora do ano 2000 para cá, em 15 anos, eu realizei mais de 1.500 júris, então isso preocupa. Como eu costumo dizer no próprio plenário, todo mundo pensa que defensor tem que chegar lá e fazer a defesa sem consciência ou sem medir as consequências do que está fazendo. Umas das maiores preocupações que eu tenho na minha vida é quando eu estou fazendo um júri pela tese de nagativa de autoria, porque se eu consegui a absolvição o verdadeiro autor está solto. E isso me preocupa. Nos últimos anos, as defesas são muito mais buscando uma pena justa, um benefício correto, do que absolvições. A maioria das defesas hoje são para que o réu tenha direito à ampla defesa e contraditório e que ele tenha uma condenação correta. Eu digo sempre ao estagiário que está comigo que apesar desses mais dois mil júris, tenho a mesma preocupação em cada um deles, pois é como se fosse o meu primeiro júri. Isso me renova a cada dia. Renovam-me a reação da pessoa que está sendo julgada. Outro dia, eu fiz um júri em Petrolina onde o réu saiu condenado a 20 anos de cadeia. Terminado o júri ele apertou minha mãe com os olhos marejados e agradeceu. Eu perguntei se ele queria que eu apelasse da condenação e ele respondeu que eu fizesse o que eu achasse melhor, pois apesar de ter sido condenado ele falou que sabia que havia sido defendido. No dia seguinte, fui fazer um júri em Ouricuri. E o cara que estava preso há mais de dois anos foi absolvido. Quando acabou o júri ele mal falou comigo. Então, minha satisfação foi maior com o resultado do primeiro júri, mesmo o réu tendo sido condenado. E o maior salário que eu recebo, que eu tenho na vida, é a gratidão do próprio acusado e de familiares de vítimas, independentemente de resultado, de agradecer porque se sentiram defendidos.

De todos esses casos julgados, qual o senhor pode dizer que foi o mais marcante?
Eu teria alguns que me marcaram. Tem um de uma senhora, há muitos anos atrás, quando ainda não se falava na tese de inexigibilidade de conduta diversa, que são casos quando a pessoa se encontra numa situação tal que a única saída é aquela, e essa senhora pediu para que uma enfermeira praticasse um aborto nela. Essa senhora foi julgada por três vezes e absolvida em todas elas por sete a zero. A enfermeira também foi julgada, mas não sei o resultado porque não participei desse júri. Existem outros casos, um deles foi numa cidade do Sertão do estado onde fui atuar há três anos. Recebi uma ligação do defensor público dizendo que eu nem fosse no outro júri porque o réu já estava condenado. Eu fui porque não iria deixar que fosse colocado na ata que o júri havia sido adiado por falta de defensor. No dia do júri eu cheguei na comarca, a vítima era um professor da rede estadual e a cidade estava toda enfeitada de faixas de protestos por essa morte. As pessoas estavam vestidas com camisas com a fotografia da vítima, o juiz me chamou antes do julgamento para uma conversa com ele a promotora. O magistrado tentou me convecer de não fazer o júri porque tinha certeza de que o réu seria condenado e a promotora fez o mesmo pedido. Por incrível que pareça, os 25 jurados sorteados eram todos professores. Os 15 suplentes também eram todos professores. E o réu foi absolvido. Eu provei que ele era inocente.

Como é o contato com os acusados que o senhor vai defender? O senhor lê o processo antes do júri?
Noventa por cento dos processos eu não os conheço. Eu os conheço apenas no momento do julgamento. Existe uma técnica para fazer júri. O que é que eu faço quando eu pego um processo que eu vou fazer o júri. Eu vejo todos os argumentos que a acusação tem. Eu não olho o processo com a visão de defesa. Eu olho o processo com a visão de acusação, para não ser surpreendido no dia. Porque na hora que eu sei tudo que a acusação pode fazer eu me preparo e às vezes não exponho o que sei, porque se a acusação esquecer daquele ponto eu também não falo. E na maioria das vezes eu conheço o acusado apenas no dia do júri, mas isso não traz prejuízo nenhum para o réu. Existem processos que têm inúmeros volumes, mas poucos deles são de fato importantes para o julgamento.

Saiba mais


Formado em direito pela Unicap no ano de 1983

Ingressou na carreira da assistência judiciária do estado em 1983

Optou pela Defensoria Pública em 1998

Participou, ainda como estagiário, em 1978, do primeiro júri popular

Começou a carreira em Glória do Goitá, depois Vitória de Santo Antão até chegar ao Recife em 1990

Realizou júris em quase 100 comarcas do estado

2.040 júris realizados ao longo da carreira

Participou da instrução do processo dos kombeiros de Serrambi

Foi superintendente adjunto do sistema prisional do estado de 2002 a 2004

Coordenou dois mutirões de execução penal em Pernambuco

Participou da criação da Central de Penas Alternativas do estado

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