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Violência de gênero Vítima de estupro na UFPE pede medidas de segurança Mulheres estudantes se organizam para prevenir os casos de violência sexual na Universidade. Para especialista, existe uma "cultura do estupro" que permite o crime

Por: Laís Araújo - Diario de Pernambuco

Publicado em: 24/09/2015 09:24 Atualizado em: 24/09/2015 12:21

Foto: Blenda Souto Maior/DP/D.A Press/Arquivo
Foto: Blenda Souto Maior/DP/D.A Press/Arquivo

"Eu, depois do ocorrido, comecei a perceber o quanto é necessário que nós mulheres lutemos pelos nossos direitos de andarmos na rua com a roupa que quisermos, na hora que acharmos conveniente, acompanhadas ou não”, afirma a ex-estudante de biomedicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que trancou o curso após sofrer um estupro no campus no dia 29 de agosto. Ela, que não será identificada, foi para sua cidade natal ficar junto à família e precisou desistir de estudar no Recife - cidade que havia escolhido para fugir do “caos e estresse” e pela qualidade de ensino no curso que escolheu. Não planeja voltar. Agora, espera que a Universidade e o Estado adotem medidas para evitar novos casos de violência contra às mulheres.

A universitária foi vítima de um assalto seguido de violência sexual após descer de um ônibus na BR-101. Voltava para seu apartamento, localizado no Engenho do Meio, bairro escolhido por muitos estudantes de outras cidades pela proximidade com a instituição. Foi estrangulada e estuprada num terreno ermo, pertencente à UFPE, onde a antena da Rádio Universitária AM está instalada. Após o caso, buscou atendimento hospitalar e registrou em fotografias as escoriações e o derrame ocular que sofreu. “Procurei a Assistência Estudantil (Proaes), e uma assistente social me atendeu para ver no que poderia ajudar. A diretora do centro em que eu estudava também me ligou e disse que estava à disposição para ajudar no que fosse preciso. O caso ficou de ser passado para o reitor. Agora, estou em contato com o assessor dele para conseguir um documento". Com a repercussão de seu caso em redes socias, alunas se mobilizaram para formar grupos de combate à violência. A Universidade também emitiu nota sobre o caso. “Mas com alguns erros. Disseram que a Superintendência de Segurança Institucional (SSI) já estava atrás do caso, mas ninguém me procurou para perguntar nada.”

O comunicado emitido pela Reitoria ressalta o apoio prestado pelos órgãos e funcionários da instituição e lamenta profundamente a "agressão". Ainda explica a existência de 193 vigilantes terceirizados e 300 servidores federais dedicados à segurança da Universidade, com 12 carros e 13 motos à disposição dos três campi: Recife, Vitória do Santo Antão e Caruaru. “Espero, e muito, que a faculdade e o Estado tomem algumas medidas para que os alunos tenham condições de estudar e ir para casa tranquilamente. Percebi que antes de eu colocar o caso na internet e falar que é algo real, que acontece, sim, dentro e fora das faculdades, a galera não falava nada. É maravilhoso ver que as coisas estão sendo expostas, pois sempre rolaram boatos de estupros na Federal, mas a galera tratava como lenda esse fato horrível". Nesta terça-feira, dia 22, cerca de 120 estudantes se reuniram no Centro de Artes e Comunicação (CAC) para organizar os próximos passos no combate a este tipo de violência - para a vítima do estupro, um acontecimento empolgante. “É muito bom ver as pessoas lutando pelos seus direitos, principalmente nós mulheres que estamos sempre vulneráveis a situações como essas."

Organização estudantil
Na reunião, as estudantes debateram reivindicações e formas de autodefesa. Entre as presentes, a estudante de letras Mariana Stéfani, 22, amiga da vítima. Ela acredita que faltam medidas básicas da Instituição para tornar o campus menos hostil às mulheres. “Iluminação. A gente precisa imediatamente de reforço nisso. Se na área próxima ao Restaurante Universitário, com fluxo grande pessoas, já acontecem situações de perigo, imagine nas partes mais vazias. Minha amiga foi estuprada num local escuro e vazio e tem muitos assim por aqui”, lembra, ressaltando que já desistiu de uma atividade noturna na Federal por se sentir insegura. Mariana reforça ainda uma das pautas da reunião: as estudantes contestam que o corpo da segurança seja composto quase que plenamente por homens. “Queremos a inclusão da mulher nessa força de trabalho. Nos sentimentos mais seguras com abordagens feita por mulheres."

Reunião reuniu dezenas de estudantes da Universidade. Foto: Beatriz Andrade/Cortesia
Reunião reuniu dezenas de estudantes da Universidade. Foto: Beatriz Andrade/Cortesia
Um projeto que visa tornar público casos de assédio e violência sexual na Universidade também foi divulgado na reunião. O organizadores, uma aluna de artes visuais e três amigos favoráveis à causa, pretendem recolher depoimentos e fotografar mulheres que possuam denúncias do tipo. Maria Eduarda Leão, uma das criadoras do projeto - ainda sem um nome permanente - conta que estudantes já procuraram o grupo, e explica a necessidade do ato. “Queremos que ele dê voz as meninas, que elas possam ter um meio para divulgar suas histórias, além alertar outras sobre lugares dentro e nos arredores do campus que sejam mais perigoso. Muitas vezes não acreditam nelas ou falam que elas estão fazendo tempestade em copo d'água. E não só tentativas de estupro, mas assédio que elas sofrem por outros alunos, funcionários, professores…”.

Para Liana Lewis, professora do Departamento de Sociologia da UFPE, a violência sexual contra a estudante reflete uma situação cultural mais ampla, que ela classifica como cultura do estupro. “Nessa cultura o controle sobre o corpo da mulher, de maneira extremamente violenta, é amplamente naturalizado. O estupro é um de seus mecanismos, que coloca para mulheres que, além de seus corpos estarem a disposição dos homens, eles devem permanecer sob o julgo do espaço privado. Vale ressaltar que Pernambuco é um dos estados do Brasil que possui dos maiores índices de violência contra a mulher.”  A cultura onde a violência sexual contra mulheres é comum é a mesma que permite o número alto de homicídios contra as mesmas. Segundo o Mapa da Violência de 2012, realizado pelo Instituto Sangari, o Brasil é o sétimo país que mais mata mulheres no mundo e 68% destes crimes acontecem na casa da vítima.

E mais: segundo pesquisa do Ipea, 26% da população acredita que mulheres com roupas curtas merecem ser estupradas.

A violência contra mulheres em centros de ensino

As Universidades não são áreas isentas de crimes contra as mulheres. Na UFPE, em 2010, uma adolescente de 15 anos foi estuprada dentro do campus. A ação só foi interrompida com a chegada dos seguranças da Universidade, que conseguiram deter quatro dos seis suspeitos. Já a Universidade de São Paulo (USP) teve uma recente onda de denúncias a estupros realizados pelos próprios funcionários e estudantes. Em 2014, diversos casos foram relatados: o Portal UOL apurou que uma estudante foi estuprada por um funcionário terceirizado numa festa chamada "Carecas no Bosque" e núcleos estudantis da faculdade a desencorajaram a fazer denúncias. Já o site Brasil Post deu voz à denúncia de uma estudante de veterinária estuprada dentro do alojamento universitário, que levou o caso a frente e conseguiu em sindicância orientação para expulsão do estuprador.

Estudantes fizeram também intervenções na Universidade.  Foto: Grupo Estupros na UFPE/Reprodução
Estudantes fizeram também intervenções na Universidade. Foto: Grupo Estupros na UFPE/Reprodução
“Os sucessivos atos de violência sexual ocorridos em vários campus universitários demonstram que a sociedade não está dando o devido valor a essa questão, e que a maioria das instituições concebe a violência sexista de forma naturalizada, como algo de 'foro íntimo'. A violência deve ser publicizada, visibilizada. O movimento feminista cunhou a frase ‘o pessoal é político’, para que possamos sair às ruas e denunciar", analisa Teresa Kleba Lisboa, pós-doutora em Estudos de Gênero e membro do Instituto de Estudos de Gênero da Universidade de Santa Catarina (IEF-UFSC). "A maioria das Instituições de Ensino Superior silenciam, ignoram a violência sexual praticada dentro de seus espaços, afim de preservarem sua imagem."

Ela explica que é preciso compreender que os casos de estupro não são fatos isolados e que para vencer a questão é necessário um enfrentamento coletivo - com políticas públicas, como Delegacias Especializadas de Atendimento a Mulheres e Centros de Referência em Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência. “Mas, sobretudo, são necessárias ações conjuntas, entre gestores públicos, comunidade acadêmica e sociedade, na construção de um debate que venha ao encontro da revisão dos valores machistas, permitindo que os próprios jovens impeçam o desenvolvimento da violência contra as mulheres." Para a especialista, no entanto, o país não caminha com tranquilidade para a direção da prevenção. “Como podemos investir na prevenção se as discussões sobre as temáticas gênero e sexualidade estão sendo proibidas nas Escolas? Como preparar as crianças para não cometer violência contra as mulheres se é proibido falar sobre o assunto? É lamentável que os temas sobre equidade de gênero e respeito às diferenças estão sendo distorcidos e escondidos nos armários da ignorância.”



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