Sou do bem no trânsito Motos: do acidente às campanhas de conscientização Motociclistas acidentados conscientizam outros pilotos sobre os riscos e as consequências - por vezes, irreversíveis - de ser imprudente no trânsito

Por: Alice de Souza - Diario de Pernambuco

Publicado em: 13/09/2015 14:00 Atualizado em:

 (Roberto Ramos/DP/D.A Press)
Os pés de Alexandre Nascimento, 37 anos, mal alcançavam os pedais quando o coração dele foi conquistado pelas motocicletas. Das primeiras aceleradas, no começo da adolescência, para a compra da primeira moto, bastaram a maioridade e os primeiros salários. Paixão, adrenalina, liberdade. A profusão de sentimentos só não levava na garupa a prudência. Beber e pilotar era costume de todo fim de semana. Até o dia em que o risco cobrou a conta e tirou dele a autonomia de movimentar as pernas. Onze anos depois, a dor com a qual Alexandre aprendeu é instrumento de conscientização. Ele atua como educador da Operação Lei Seca.

Alexandre estava a menos de três quilômetros de casa, em uma festa de bairro. Na cabeça dele, pilotar era sempre melhor alcoolizado. Naquela noite, cochilou e subiu no meio fio, a 60km/h, antes de cair da motocicleta. O choque contra o chão resultou em fratura exposta na tíbia e lesão medular. Imediatamente, Alexandre deixou de sentir as pernas. No hospital, onde passou 18 dias internado, descobriu que estava paraplégico. A família não tinha dinheiro nem para comprar a cadeira de rodas e precisou adaptar uma cama na casa de dois andares para recebê-lo.

Desde o dia em que ele sofreu o acidente até hoje, o número de motos só cresce em Pernambuco. No último mês, foram 4 mil novos emplacamentos adicionados a uma frota que já cresceu 30 vezes nos últimos 15 anos. A nona reportagem da campanha Sou do bem no trânsito, que será publicada no Diario até o próximo dia 25, evidencia os perigos da epidemia de compras e acidentes de moto. E mostra como, apesar de tudo, é possível transformar o sofrimento em inspiração para evitar novos acidentes.

“No primeiro momento, achei que mais nada justificava viver e cheguei a passar dois anos em casa, isolado do mundo. Depois, percebi que precisava sair desse poço fundo e comecei a correr atrás”, lembra Alexandre, selecionado para ser educador da Lei Seca.

O programa tem duas equipes de quatro educadores, que diariamente dá palestras em universidades, escolas, empresas e atua nas blitze sensibilizando motociclistas e motoristas com a própria história.

O trabalho de Alexandre faz parte dos esforços da Secretaria Estadual de Saúde (SES) em adicionar a palavra cuidado às viagens diárias dos motociclistas. Quem também defende essa bandeira é o corretor de seguros Carlos Valle, 59. Motociclista há mais de 40 anos, ele nunca sofreu um acidente e, sempre que pode, aciona os órgãos de trânsito com sugestões de como melhorar a sinalização para evitar quedas.

“O problema é que os motociclistas normalmente não têm paciência de esperar e sempre acham que estão com razão e sabem de tudo”, pondera ele. No Recife, os interessados têm  a chance de aprender, gratuitamente, a manejar corretamente a moto. O curso é oferecido pela Honda. De janeiro a agosto deste ano, mais de 3 mil pessoas foram formadas no estado.

Acidentes seguem em ritmo preocupante


Um milhão de motos rodam no estado. Por dia, somente neste ano, 157 novos veículos de duas rodas foram emplacados. As facilidades de acesso não significam, porém, que os condutores saem da concessionária preparados para pilotar nas ruas. Enquanto as estatísticas de acidentes e óbitos com carros diminuem, as estatísticas de vítimas das motocicletas continua a crescer. No ano passado, a quantidade de acidentes envolvendo esse tipo de veículo cresceu 12%. Atualmente, o estado é 10º colocado no país em óbitos do gênero.

Imprudência ainda é a palavra de ordem dos motociclistas. Parte deles dirige sem habilitação. Pelo menos 44% não pagam o Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores (Ipva) e o Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (Dpvat). O resultado foi um gasto de R$ 56 milhões aos cofres estaduais no ano passado.

Em contrapartida, as vítimas de acidentes com moto lotam 3 em cada 5 leitos das emergências e UTIs, gerando no ano passado um gasto de R$ 600 milhões somente com internamentos. “Além da vida e do sofrimento, custa caro ao estado. O material de prótese e órtese é comprado em dólar, que está subindo. Vamos chegar em um ponto que não teremos como tratar esses pacientes”, alertou o coordenador do Comitê Estadual de Prevenção aos Acidentes de Moto (Cepam-PE), João Veiga. Para fazer as contas fecharem, a Secretaria da Fazenda começou a notificar os inadimplentes.

Enquanto isso, os órgãos de fiscalização apertaram o cerco às famosas cinquentinhas. Os donos dos ciclomotores têm até o dia 11 de novembro para emplacar o veículo. Até agora, 139 foram emplacados. Em outubro, a Companhia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) fará também uma campanha educativa voltada a esses condutores.  Desde o início do ano, o Detran-PE realiza o Fórum de Educação para o Trânsito, em todos os municípios, com enfoque em motos. Neste mês, os encontros acontecem em Oricuri e Salgueiro.


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