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Educação Filha ajuda pai a realizar sonho de fazer curso superior Adolescente convence locutor a fazer o Enem após 15 anos longe das salas de aula. Hoje, ele cursa publicidade em faculdade particular

Por: Marcionila Teixeira

Publicado em: 28/09/2015 07:28 Atualizado em: 28/09/2015 09:22

Foto: Rafael Martins/Esp DP/D.A.Press
Foto: Rafael Martins/Esp DP/D.A.Press
Irapuan, 38 anos, nem se deu ao trabalho de fazer a inscrição no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Nunca acreditou mesmo em si próprio. Assim lhe ensinaram desde a infância. Cresceu dividido entre o trabalho infantil e a escola, sem concluir sequer o ensino fundamental. Kelly, na época com 13 anos, ganhou o pai na insistência. Pegou os documentos de Irapuan e partiu em busca de colocá-lo na condição de candidato. Quinze anos longe das salas de aula. O desafio estava posto. E parecia impossível ser vencido. Não aos olhos de Kelly.

Irapuan Ferreira Cavalcanti tem voz bonita, igual a dos profissionais de rádio. Há dez anos tira a renda da família, cerca de R$ 1 mil mensais atualmente, com a tal voz. Trabalha como locutor em uma rede de supermercados e faz extras na mesma função. Sonha formar-se em radialismo. “A sociedade é hipócrita. As pessoas sempre elogiavam meu talento, mas quando eu falava que só tinha feito até a 5ª série, me olhavam diferente”, conta.

No dia do resultado do Enem, Irapuan não quis nem olhar sua nota. Kelly juntou-se à irmã mais velha, Katarina, com 16 anos na ocasião, e descobriram a classificação do pai na internet. Irapuan alcançou 560 pontos na redação e algo em torno de 460 e 500 pontos nas demais matérias. Pelas regras do Enem daquele ano, era 2013, conquistou, inclusive o direito de obter a ficha 19. Para surpresa de Irapuan, a nota foi maior que a de Katarina, hoje com 18 anos. “O que mudou na minha vida desde então? Agora me sinto alguém. Psicologicamente tudo mudou”, explica o locutor, estudante de publicidade há seis meses em uma faculdade do Recife.

Segundo estudo da Unesco, crianças brasileiras que fazem o ensino fundamental e trabalham se saem pior na escola. Irapuan conta ter partido em busca de trabalho ainda aos dez anos porque o padrasto já não o aceitava como filho. “Tudo mudou quando meus irmãos mais novos nasceram. Era o único que não era filho biológico dele. Na hora de dar dinheiro para o picolé, dava para todos, menos para mim. Precisava comprar minhas coisas”, lembra Irapuan.

A rejeição do padrastro povoou as decisões de Irapuan por muito tempo. Mas Kelly faz a diferença na vida do pai. Resgata Irapuan do papel de patinho feio exercido na infância. “Tenho muito orgulho do meu pai. Agora tenho em quem me espelhar para chegar à universidade”, confessa Kelly Cavalcanti, 15.

No caminho sem volta em busca de um diploma de nível superior, Irapuan nem pode pensar em desistir. “A rotina é difícil. Ele sai às 6h de casa e só chega às 22h. Ainda vai estudar. Além disso, tem o preço do curso, que custa caro, R$ 350, mas a gente dá o maior apoio”, garante a mulher do locutor, a manicure Verônica Ferreira, 39 anos.

O radialismo ainda está nos planos de Irapuan. Mas por enquanto a conta não fecha. Para o orçamento apertado da família, universidades com a oferta do curso têm o preço alto e a UFPE tem o acesso mais restrito para a nota alcançada por ele. Kelly, estudante do segundo ano do ensino médio de uma escola pública do Recife, continua a postos. E não faz parte dos planos da adolescente deixar o pai desistir dele mesmo.

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