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Quarto montessoriano Onde a criança é a dona do pedaço Pensamento da mulher que revolucionou a educação ocidental, Maria Montessori, vai muito além da sala de aula, alcançando a criança no seu primeiro e contínuo espaço de formação

Publicado em: 06/07/2015 10:35 Atualizado em: 06/07/2015 16:51

Liberdade e segurança são requisitos básicos nesta ambientação: Tapetes ao invés de andadores, brinquedos à mão no lugar das prateleiras, espelho para a auto-observação. Foto: Flickr/Reprodução
Liberdade e segurança são requisitos básicos nesta ambientação: Tapetes ao invés de andadores, brinquedos à mão no lugar das prateleiras, espelho para a auto-observação. Foto: Flickr/Reprodução

"Nunca ajude uma criança em uma tarefa que ela sente que pode realizar sozinha. A verdadeira educação é aquela que vai ao encontro da criança para realizar a sua libertação. A criança ama tocar os objetos para depois poder reconhecê-los. A curiosidade é um impulso para aprender. A primeira ideia que uma criança precisa ter é a da diferença entre o bem e o mal, e a principal função do educador é cuidar para que ela não confunda o bem com a passividade e o mal com a atividade". Os pensamentos da educadora, médica e feminista italiana Maria Montessori, transformados em um método revolucionário de aprendizagem, romperam as paredes da escola e ocuparam os lares, primeiro e contínuo espaço de formação.

Também focados na importância da autonomia, da atividade e do estímulo para o desenvolvimento físico e mental das crianças, os quartos montessorianos vêm sendo cada vez mais adotados por famílias que acreditam, como a educadora, que liberdade e disciplina dependem uma da outra. Nessa filosofia, a interferência deve ser mínima e o espaço, base para a auto-educação, uma vez que se acredita na capacidade inata da criança para aprender, por desejar absorver o mundo à sua volta.

Ana Montessori morreu em 1952, mas seu pensamento continua provocando mudanças de estilo na arquitetura e decoração de ambientes. Berços gradeados dão lugar a colchões no chão ou camas baixas. Em vez de andadores, tapetes e barras nas paredes, que ganham também um espelho. Brinquedos à altura da criança e não mais em prateleiras altas. Objetos ao alcance das mãos e da visão. Um espaço onde a criança é protagonista da sua própria interação com o ambiente que a cerca, num clima de acolhimento, aconchego, mas também com independência.

Como defendeu a educadora, a criança não pode ser tratada como adulto e, consequentemente, precisa viver em um espaço adaptado, livre, sem obstáculos. Para apurar esse olhar, os pais devem, literalmente, colocar-se no lugar do filho(a), entender suas necessidades e dificuldades. "É muito bom que os pais, antes mesmo de entrarem nessa fase de desenho, de discussão do projeto, deitem-se no chão, engatinhem para tentar ver o quarto da altura, da perspectiva da criança. Isso muda o mundo. Eles passam a ter a noção do que podem ver, do que podem alcançar. Desta maneira, podem contribuir muito mais", ensina a arquiteta Ana Luisa Rolim, do Coletivo-RT, apontando a primeira dica que dá aos clientes que optam por essa proposta de ambientação.

Passada essa etapa, Ana Luisa sugere, além de consultas por imagens, a visita a um ambiente real e uma pesquisa sobre os gostos e necessidades da criança. "À medida que eles vão crescendo, a personalidade vai aparecendo mais, os desejos são mais evidentes e isso deve ser levado em conta. A partir dos 4 , 5 anos, fica mais fácil discutir sobre ideias, cores e escolher seus próprios trabalhos artísticos e fotos para serem postos à mostra". Para a arquiteta, o quarto montessoriano funciona até a adolescência, dependendo do desenvolvimento individual. "A adequação das demandas, da identificação vai acontecendo, mas o conceito permanece", pontua.
Especialista orienta que prateleiras e mobiliário em geral sejam estáveis para que as crianças tenham autonomia no seu uso. Foto: Flickr/ Reprodução
Especialista orienta que prateleiras e mobiliário em geral sejam estáveis para que as crianças tenham autonomia no seu uso. Foto: Flickr/ Reprodução

A perspectiva é a dos pequenos
A profissional destaca os quatro pontos importantes no projeto: estética, ordem/independência, conforto e segurança que podem ser utilizados em ambientes para qualquer faixa etária. Na maioria delas, a distância aparece como ponto fundamental, principalmente quando o objetivo é dar mais independência ao pequeno. A altura é um dos itens mais relevantes, mas tudo em um meio termo para que o rápido crescimento não cause tantas alterações. "Devem ser instalados displays e mostruários para brinquedos , itens de cuidado pessoal, considerando a liberdade e o movimento da criança. É importante observar o perfil da criança e a sua liberdade de movimento dentro daquele ambiente. Tudo precisa ser alcançado. Interruptores mais baixos lhe darão a autonomia para ligar e desligar a luz. Prateleiras para livros e brinquedos, gavetas, cestos para roupas e brinquedos, tudo à mão, para que a criança possa ter noção do que vai usar".



Ana Luisa alerta que o espaço não deve parecer muito cheio para não confundir ou intimidar a criança, que deve ver onde tudo é guardado para desenvolver a cognição e sentir-se à vontade para trocar os objetos de lugar pela maneira como os itens estão organizados. "A instalação de cabideiros para toalha, mochila, jaqueta é uma ótima ideia para que ela mesma pegue e ponha de volta", sugere. Como o ambiente deve ser livre, com a porta do quarto geralmente aberta ou com maçanetas ao alcance, nos apartamentos, a segurança é um ponto mais fácil por normalmente ter uma única saída para o ambiente externo do imóvel, mas não se deve esquecer a necessidade da instalação de telas nas janelas.

A especialista ressalta que é preciso observar com cuidado se os brinquedos, materiais e mobiliários são apropriados, se não têm partes que soltam fácil para serem deixados ao alcance e para que a criança realmente possa ser deixada sozinha para dormir e brincar. "Se for pra vigiar o tempo todo, deixa de ser montessoriano. No caso dos berços, é necessário um anteparo", orienta. A arquiteta acrescenta que as prateleiras precisam ser estáveis, uma vez que os donos do pedaço podem querer pôr um peso extra ou mesmo subir na estrutura. É bom verificar se toda a mobília e a ambientação estão fixas e a fiação elétrica também não pode estar exposta.

No quesito conforto, principalmente no Nordeste, onde as temperaturas são mais altas, deve-se escolher revestimentos, forrações, roupas de cama, cortinas de fibras naturais, materiais como algodão, porque não esquentam, tornando menos necessária a climatização e também porque têm textura e aumentam o potencial para o desenvolvimento da habilidade tátil. "A luz natural é importantíssima, mas deve ser controlada para não atrapalhar os cochilos diurnos mais comuns a crianças mais novas devendo dá-las a possibilidade de, elas mesmas, abrirem e fecharem cortinas", acrescenta.

Do ponto de vista dos custos, a arquiteta explica que a família é quem vai definir os parâmetros de preço, uma vez que os itens têm muita variação de valores. "Existem cadeiras clássicas como a formiga, ícones, feitas em dimensão para criança. Mas também há modelos mais em conta. Depende do que você quer.

Meu quarto, minha vida
Olívia, de quatro meses de vida, é a feliz proprietária de um quarto montessoriano. O espaço, no térreo da casa onde mora no bairro de Santana, zona norte do Recife, está sendo preparado pelos pais sem pressa ou ajuda profissional para que ela, além de brincar durante o dia, como já faz, passe também a dormir, a partir do 1º ano. O cômodo, inicialmente pensado para ter as cores rosa e azul, ganhou tapete, uma bicama baixinha reaproveitada das irmãs mais velhas e o alegre colorido dos brinquedos que ganhou de presente e pelos quais já se apaixonou, todos dispostos para que essa "relação" fique cada vez mais próxima.
Olga Ferraz, mãe de Olívia, de quatro meses, leu sobre o quarto Montessori durante a gravidez e resolveu adotá-lo: "Sempre quis que ela crescesse com independência" . Foto: Acervo pessoal
Olga Ferraz, mãe de Olívia, de quatro meses, leu sobre o quarto Montessori durante a gravidez e resolveu adotá-lo: "Sempre quis que ela crescesse com independência" . Foto: Acervo pessoal

"Durante a gravidez, li muito sobre tudo e numa dessas noites de buscas na internet esbarrei nesse tipo de quarto. Sempre quis que ela crescesse independente e comecei a ler sobre o método que, na verdade, propõe uma adaptação a toda a casa. As irmãs de Olívia, Nina de 10 anos e Helena de oito, ficavam dependentes para tomar um copo com água e começamos a adaptar também a cozinha, com copos, pratos mais baixos, facas menos cortantes ...", acrescenta a produtora Olga Ferraz, de 22 anos, falando sobre as enteadas.

A produtora, que fez a experiência de deitar-se na cama para se por na altura da bebê, segue garimpando objetos e montando o espaço. "O espelho baixo eu não coloquei ainda pela dificuldade de encontrar nas lojas físicas o modelo ideal, em acrílico, para ela não se machucar. Só consegui achar o de vidro normal e acho que o jeito vai ser encomendar", diz. O espelho, aliás, é um item super importante no quarto montessoriamo, porque por meio dele o bebê é levado a se conhecer como indivíduo, observando seus primeiros movimentos.

Olga também pensa em instalar barras como as usadas nas salas de balé para que Olívia ensaie os primeiros passinhos sem a necessidade de um adulto do lado e decidiu trocar a mudança do interruptores por uma solução mais rápida e barata: instalar um abajur baixinho. "Minha mãe e meu pai acham completamente maluco, mas sei que é possível e muito legal. Meu marido (o jornalista e o professor de cinema da UFPE Rodrigo Carreiro, de 42 anos) concordou, então fomos em frente", conta, feliz.



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