Pelo fim da tortura Transexual pernambucana é selecionada para compor o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura

Por: Thais Arruda - Diario de Pernambuco

Publicado em: 31/05/2015 08:43 Atualizado em:

Nascida numa família de três irmãs e um irmão, Maria Clara de Sena soube desde cedo que era diferente dos outros. As brincadeiras das irmãs, sempre tão próximas dela, pareciam mais atrativas que as do irmão. Aos seis anos de idade, a certeza da diferença começou a se fortalecer, o que despertou a atenção dos pais. Brigas e agressões eram constantes, mas nenhum daqueles dias da infância a fez desistir de assumir um fator que já era claro: a transexualidade. Dançarina da quadrilha junina Tradição e moradora do bairro da Boa Vista, Maria Clara é a primeira transexual do mundo a compor um Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura, órgão mantido pela Organização das Nações Unidas (ONU) nos países em que a tortura começou a ser erradicada.

Aprovada em uma seleção simplificada, Maria Clara, 36 anos, começou a atuar no mecanismo há três meses. Hoje, seu trabalho consiste em visitar ambientes como hospitais psiquiátricos, unidades prisionais, casas de reabilitação, e outros locais que ameacem a liberdade do indivíduo. O novo trabalho trouxe o começo do reconhecimento de gênero e a prática numa área que é intrinsecamente ligada a sua história. Nas unidades prisionais, Maria Clara tem implantado sistemas de proteção às transexuais e demais membros do grupo LGBT, como no Cotel, onde transexuais e travestis tinham o cabelo cortado no primeiro dia de reclusão.

“A situação mais difícil de lidar que intervimos acontecia dentro do Presídio de Igarassu. Lá, as noites eram sempre aterrorizantes para as trans. Estupradas, espancadas e sendo obrigadas a abanar os demais detentos, elas não tinham ajuda de ninguém”, comentou.

Aos 20 anos, Clara mudou-se para João Pessoa atraída por uma proposta de emprego, indicação de uma amiga. No entanto, ao chegar à capital paraibana, tudo deu errado. Mesmo sem dinheiro para se manter, decidiu que não voltaria para o Recife. Nas esquinas de João Pessoa, a prostituição bateu à sua porta várias vezes. Na quarta, ela aceitou. Foi a primeira vez que entrou no carro de um desconhecido. “Hoje me sinto feliz com o que faço. No meu trabalho atual, encontrei a possibilidade de tirar várias pessoas da repressão”, comentou.

A secretária-executiva de Direitos Humanos, Laura Gomes, explicou como o mecanismo interage com políticas de combate à repressão e tortura no estado. “O de Pernambuco foi o segundo a ser instituído no país, logo depois do Rio de Janeiro, em 2007. Com relatórios, visitas e ações, o grupo que se reúne uma vez por mês busca intervir em ambientes fechados, mudando realidades’’.

Estudando serviço social, Maria Clara busca um reconhecimento maior da sociedade. No próximo mês, enviará um vídeo que produziu mostrando o olhar de uma travesti diante da violência para o Encontro Mundial de Mecanismos, em Genebra. “As pessoas me acham diferente. É como se eu não correspondesse aos anseios delas. Mas tudo que faço tem o papel de mudar isso.”

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