Tensão social Construção de Upinha do Poço da Panela divide opinião de moradores Movimentos Mangue Capibaribe e Recapibaribe questionam regularidade da obra da Prefeitura do Recife, enquanto comunidade carente comemora chegada do serviço à área

Por: Guilherme Carréra

Publicado em: 13/04/2015 10:40 Atualizado em: 13/04/2015 11:50

Construção da polêmica Upinha no Poço da Panela teve início no mês passado. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press
Construção da polêmica Upinha no Poço da Panela teve início no mês passado. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press

Uma polêmica vem colocando o pacato bairro do Poço da Panela, localizado em uma área nobre da Zona Norte do Recife, em conflito. A celeuma teve início no dia 4 de março, quando o prefeito Geraldo Julio (PSB) autorizou a construção de uma Upinha, unidade municipal de saúde voltada a atenção básica e pequenas urgências, em evento realizado no próprio bairro. Dias depois, um grupo de moradores e frequentadores se mobilizou para questionar a localização da obra, às margens do Capibaribe, em uma rua sem asfalto, nem ponto de ônibus. Intitulado Mangue Capibaribe, o movimento deixa claro que não é contra a execução do projeto, mas onde ele se situa. "Uma Upinha é fundamental, mas não deveria ser erguida à beira-rio. A Prefeitura está desrespeitando um acordo que ela mesma firmou", aponta Marcela Carneiro Leão, arquiteta, residente na Rua Engenheiro Jair Furtado Meireles, endereço do impasse. Moradores de comunidades próximas à via, no entanto, torcem o nariz ao argumento ambientalista. "Pra os pobres, vai ser ótimo. Pra os ricos é que vai ser ruim", avalia Cícero Ferreira.

O acordo a que Marcela se refere teria sido feito em 2003, quando o terreno que engloba a rua em questão, entre tantas outras do entorno, foi loteado pela família proprietária. Pela Lei do uso e ocupação do solo da Cidade do Recife, os moradores afirmam que pelo menos 40% dessas terras deveriam ficar sob responsabilidade municipal, visando a preservação. Marcela e outros residentes argumentam que o trato não estaria sendo cumprido. Além disso, questionam se o limite mínimo de 20 metros entre a margem fluvial e o referido terreno estaria sendo respeitado, uma vez que a Upinha está próxima ao leito. "É um dever do município respeitar a área verde. Erguer uma construção naquela localidade significa apoiar que outras construções possam ser erguidas também", coloca Socorro Cantanhede, fundadora e coordenadora do Recapibaribe. "É um aval à especulação imobiliária".

 (Moradores da Rua Jair Furtado questionam construção da Upinha, que fica às margens do Rio Capibaribe. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press)

A assessoria do Gabinete de Projetos Especiais da Prefeitura do Recife, por sua vez, nega que haja qualquer irregularidade em relação à obra. "A área de construção da Upinha Poço da Panela/Santana não está dentro de uma Área de Preservação Permanente (APP). Estando, assim, inserida no perímetro permitido pela legislação vigente", afirma, em nota oficial. O Mangue Capibaribe questiona ainda o porquê de a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) não ter vistoriado o projeto, mas a Prefeitura diz que a função não compete ao órgão. "Não se trata de um empreendimento de impacto que requeira trâmite diferenciado, segundo o que prevê a legislação. Faz parte do procedimento a liberação da área por parte da Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano, que, por meio de parecer técnico, atestou que o terreno não está numa APP". O movimento, no entanto, diz que um mapa mostra que a área seria não-edificante, enquanto outro documento atestaria que um estudo de impacto ambiental ainda nem foi solicitado.

Mudança no perfil do bairro?

Uma das preocupações dos integrantes é a mudança de perfil que a rua pode vir a sofrer. “Não tem como fazer Upinha sem ter uma rua asfaltada. Conseguiram uma desculpa pra demolir as últimas árvores e construir mais uma via pra carros”, reclama Waldemar Neto, morador da Rua Oliveira Góes, esquina com a Rua Jair Furtado. Questionada sobre a pavimentação, a Secretaria de Infraestrutura e Serviços Urbanos limita-se a dizer que "não há previsão de asfaltar a rua onde está sendo construída a Upinha". Waldemar insiste, ainda, que a obra poderia acontecer em outros terrenos no Poço da Panela, no que a Prefeitura se justifica: "Recife está entre as menores capitais do país em termos de área de extensão. Esta variante nos dá uma condição diferenciada em relação a outras cidades no que diz respeito à oferta de terrenos para construções. Buscamos alinhar essas ofertas disponíveis à necessidade da comunidade frente a uma demanda antiga do bairro".

A demanda por uma unidade de saúde ganhou voz no início dos anos 2000, quando o então prefeito João Paulo (PT) deu largada ao Orçamento Participativo, explica Alexsandro Alves, morador da Comunidade Poço da Panela. "Faz tempo que a gente luta por esse serviço. Finalmente, a Upinha chegou", comemora. Alexsandro não só discorda do pleito da realocação da obra, como questiona os movimentos sociais. "Quando construíram os prédios na beira do rio, ninguém foi contra. Por que agora estão contra a Upinha?". Esposa de Alexsandro, Dayse Araújo acredita, inclusive, que a própria construtora dos prédios citados pelo marido está temendo a desvalorização no mercado imobiliário. "Não acho que seja interessante pra eles ter um serviço de saúde pública ao lado do condomínio". A Exata Engenharia, responsável pelos empreendimentos Sítio das Mangueiras e Varandas do Capibaribe, construídos ao lado da obra da Upinha, afirma que "não entrará neste mérito". Em nota, diz ainda que a obra "obedeceu rigorosamente à legislação ambiental", estando "perfeitamente regularizada".

A comunidade Poço da Panela é a favor da construção da unidade de saúde no bairro e denuncia preconceito de classe. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press
A comunidade Poço da Panela é a favor da construção da unidade de saúde no bairro e denuncia preconceito de classe. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press

"Pra os pobres, vai ser ótimo. Pra os ricos é que vai ser ruim". Citada no primeiro parágrafo desta reportagem, a frase de Cícero Ferreira, residente na mesma comunidade que Alexsandro e Dayse, ressalta uma latente tensão social. "Querem manter a Praça das Cigarras em vez de apoiar a Upinha, mas o que mais tem por aqui é praça vazia. A gente não precisa de mais praça, a gente precisa de saúde". Argumentos como esses fizeram, inclusive, com que membros do Mangue Capibaribe preferissem não se identificar a essa altura do impasse. Completamente contrários a uma postura higienista, não querem que o pleito ambiental seja confundido com preconceito de classe. À parte a disputa pelo terreno, outros moradores da comunidade próxima à Rua Jair Furtado não veem como adiar por mais tempo a implantação do serviço. "Hoje mesmo fui ao posto de saúde e não consegui fazer meus exames", conta Cecília Cordeiro, dona de casa.

O posto de saúde, no caso, é a Unidade de Saúde da Família (USF) do Poço da Panela, em funcionamento em uma casa alugada que não supre a demanda. "Temos dois consultórios, uma sala de vacinação e outra de esterilização. Não temos uma estrutura nem perto da ideal pra atender", relata Ana Carolina Soares, enfermeira. "Não sei se a área de construção da Upinha é a melhor ou a pior, mas sei que uma Upinha é urgente".

A ideia da Prefeitura é unificar as equipes da USF do Poço da Panela e as do bairro de Santana no novo serviço. Com orçamento de R$ 831,2 mil, a previsão é de que fique pronto em março de 2016. Pelo menos, até o momento. Integrantes do Mangue Capibaribe já entraram com representação do Ministério Público de Pernambuco para verificar a regularidade da obra. Enquanto isso, a Carvalho Pontes Engenharia, responsável pela construção da Upinha, quer distância da polêmica. "Estamos apenas cumprindo uma ordem de serviço da Prefeitura do Recife".

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