Abandono Memória que arranha o céu da cidade Fundado há 50 anos, o AIP perdeu a maior parte dos proprietários e o glamoor de outrora, mas conta com o afeto de amigos fiéis

Publicado em: 31/01/2015 10:00 Atualizado em: 31/01/2015 15:13

Pedro é o único funcionário que restou no AIP. Como um guardião, se mantem fiel ao edifício (Alcione Ferreira)
Pedro é o único funcionário que restou no AIP. Como um guardião, se mantem fiel ao edifício

Do 14ª andar do Edifício Associação da Imprensa de Pernambuco (AIP), na avenida Dantas Barreto, bairro de Santo Antônio, o céu e o mar ainda apontam no horizonte. Desde 1961, quando o prédio foi inaugurado, a paisagem mudou. Além das torres das igrejas, elementos novos passaram a integrar o cenário, a exemplo de arranha-céus e ruas que foram erguidas às custas de outras. As transformações contrastam com o estado de decadência do edifício, com 70% dos andares desativados, mas que ainda conserva algum brilho na memória de antigos e fiéis “inquilinos”.

Mesmo sem o elevador que comandou por mais de 30 anos, o ex-ascensorista e agora porteiro, Pedro Jerônimo Ferreira, 71 anos, passeia pelo vazio dos 14 pavimentos do AIP. Desde 1964, atua naquele que, em suas lembranças, recebia ilustres da alta sociedade do estado. Pedro, que fala três idiomas e mora no Ibura, já transportou convidados como o escritor e dramaturgo Ariano Suassuna e Marcos Freire. O senhor de fala fugidia não foi embora com os proprietários, que esvaziaram o Centro do Recife na década de 80. “Isso aqui era muito diferente. Era tudo organizado, até estacionamento tinha e a vista era toda para o mar”, descreve.

Os anos de glória do AIP ficaram apenas na memória de quem vivenciou a época. Dois atrativos, especialmente, foram responsáveis pela fama do lugar: o cinema e o restaurante panorâmico. Ambos eram locais concorridos pela elite pernambucana entre as décadas de 1950 e 1960. O cinema exibiu filmes de arte e chegou a ser um dos mais luxuosos da cidade e era frenquentado por pessoas vestidas em trajes de gala. Já o restaurante, apresentava números musicais de nomes como Reginaldo Rossi e Reinaldo Belo. Hoje, os locais reúnem apenas destroços.

Dos 14 andares do AIP, apenas os quatro primeiros estão em atividade. Há cinco anos, a energia do edifício foi cortada, o que impossibilitou o funcionamento dos elevadores. Uma gambiarra mantém as lâmpadas dos corredores acesas. Sem água, os banheiros foram desativados, obrigando os locatários a usar os sanitários do comércio vizinho.

Aluízio diz que fidelizou a clientela no local e não pretende fechar a barbearia que funciona no térreo do AIP (Alcione Ferreira)
Aluízio diz que fidelizou a clientela no local e não pretende fechar a barbearia que funciona no térreo do AIP

Apesar do cenário de abandono, o barbeiro Aluízio Caetano, 71, é outro que resistiu e não fechou as portas da sua barbearia, localizada no térreo, o que facilita o acesso dos clientes. “Apesar da situação do prédio, minha clientela permanece fiel”, garante. Suas tesouras já atenderam clientes como Marco Maciel e Joezil Barros, que presidiu a AIP entre 1981 e 1987.

Aluízio, que é índio natural da tribo Fulniô e escreveu o primeiro dicionário na língua de seu povo, lamenta a decadência do prédio e de seu entorno. “Quando cheguei, não existia a avenida Dantas Barreto e a área era bem frequentada. Na época, o Centro do Recife era muito valorizado. Não era essa bagunça de hoje”, queixa-se, referindo-se ao comércio informal que toma conta das calçadas em frente ao edifício.

Dos 11 funcionários que trabalharam no prédio, apenas Pedro continua batendo cartão. “Eu entrei aqui sem nada. O AIP me deu tudo o que eu tenho: um carrinho, casa própria e minha aposentadoria. Não sou ingrato. Não vou largar ele assim”, resume. É Pedro quem vigia a recepção do prédio e cuida da limpeza. Durante as tardes, o senhor de calça brim e camisa bem passada pode ser visto aninhado na escadaria do hall de entrada, alheio ao tempo e ao comércio que ferve lá fora. Mais que porteiro ou zelador, Pedro é guardião.

Elevadores estão sem funcionar há mais de 10 anos. Energia e água também foram cortadas por falta de pagamento. (Alcione Ferreira)
Elevadores estão sem funcionar há mais de 10 anos. Energia e água também foram cortadas por falta de pagamento.

Proprietários querem valorização do imóvel

As salas do 1º ao 8ª andar do AIP estão sob a responsabilidade de três representantes. Lurdes Sampaio, 60, faz parte do grupo e mora no 2º andar há 24 anos. Na frente do prédio, ela mantém um fiteiro que funciona 24h, assim como o edifício. Apesar da falta de segurança, nunca houveram saques. Vez ou outra, casais e moradores de rua são flagrados tentando se abrigar lá dentro.
Pedro conta que já presenciou pelo menos quatro suicidios no local.

Lurdes os outros proprietários ainda não desistiram do edifício e desejam a sua recuperação. “O prédio só pode voltar a funcionar quando estiver em condições. Precisamos recuperar os elevadores, a parte hidráulica e elétrica para devolver a vida útil ao AIP”, acredita.

Mesmo com a situação de abandono, vez ou outra, aparece gente querendo alugar sala. Há dois anos e meio, a cineasta Cecília Araújo estreou a Ouriço Produções no prédio. “Eu frequento o AIP desde criança. Meu avô me trazia para almoçar no restaurante”, recorda. Ramiro Brandão, de 92 anos, é o proprietário mais antigo em atividade no prédio e mantém seu escritório de representação de sapatos no 3º andar. “Meu sonho é ver o meu avô subir de elevador e que o cinema volte a funcionar”, torce Cecília, que tem como vizinhos outras duas produtoras.

No hall onde funcionou o cinema, está a cabine danificada que era usada para comercializar bilhetes dos fimes de arte que foram exibidos no local (Alcione Ferreira)
No hall onde funcionou o cinema, está a cabine danificada que era usada para comercializar bilhetes dos fimes de arte que foram exibidos no local

Andares da Associação da Imprensa devem abrigar memorial

Em 2010, os pavimentos que pertenciam à Associação foram desapropriadas pelo governo do estado para abrigarem um memorial de preservação do “acervo histórico e artístico da imprensa pernambucana”. Quase quatro anos depois, o vazio ainda preenche os corredores do prédio.

A demora pode prejudicar o acervo de oito mil livros da biblioteca, recuperada em 2012 com verba estadual de R$ 80 mil, e que continua abrigada no 11º andar do prédio. “Aguardamos uma posição do estado para dar continuidade ao processo de requalifiação do edifício”, pontuou o presidente da AIP, Múcio Aguiar. Segundo ele, em 2013, o Ministério do Turismo aprovou uma verba de R$ 250 mil para um obra de recuperação da rede elétrica do imóvel e do cinema, a ser executada pela Secretaria de Turismo.

Por meio de nota, a pasta informou que desde o dia 27 de novembro, foi enviado à Secretaria da Fazenda um ofício solicitando as declarações necessárias para dar andamento ao processo de execução da requalificação. Após o trâmite, os documentos serão encaminhados à Caixa Econômica Federal para que seja elaborado contrato de repasse do recurso. Apesar das condições precárias do prédio, Múcio diz que ele passou por vistoria em 2011 e não tem risco de desabar.

Imagem feita em 1993, que já mostra as mudanças no entorno do prédio (Romero Accioly/Arquivo)
Imagem feita em 1993, que já mostra as mudanças no entorno do prédio

Linha do tempo


> 1931 - Fundação da Associção da Imprensa de Pernambuco. O primeiro presidente-fundador foi o jornalista Salvador Nigro;

> 1940 - Início das campanhas para arrecar recursos para a compra da sede da Associação, que inicialmente funcionou numa casa que ficava no mesmo terreno onde foi erguido o prédio

> 1950 - Desapropriação do terreno pelo então governador Barbosa Lima Sobrinho. Na mesma época, a Assembleia Legislativa aprovou um projeto onde determinava que 40% do prédio fosse comercializado para ajudar nas despesas da obra

> 1961 - Inauguração do edifício

> 1962 - Miguel Arraes proferiu o seu primeiro discurso em seu primeiro mandato como governador no auditório da Associção

> 1964 (Golpe Militar) - O AIP exibiu filmes considerados subversivos pelo regime militar o que levou, entre outras coisas, a 10 prisões do jornalista Carlos Garcia, que presidiu a associação de 1965 a1967

> 1980 - Início da decadência do centro do Recife e consequente esvaziamento do AIP

> 2010 - Desapropriação dos andares que pertenciam à Associação pelo governador Eduardo Campos

> 2013 - Aprovação de verba junto ao Ministério de Turismo para a recuperação da eletricidade e instalação do Complexo Turístico Cultural da Imprensa Pernambucana

 



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