Babel das prisões Gringos, presos e distantes de casa Conheça as histórias de alguns detentos de outros países que amargam dias de solidão, saudades e incertezas atrás das grades nos presídios pernambucanos

Por: Wagner Oliveira - Diario de Pernambuco

Publicado em: 04/01/2015 10:55 Atualizado em: 06/01/2015 11:16

Maioria dos presos estrangeiros das unidades penais de Pernambuco foi detida sob acusação de tráfico de drogas. Foto: Teresa Maia/DP/D.A.Press (Teresa Maia/DP/D.A.Press)
Maioria dos presos estrangeiros das unidades penais de Pernambuco foi detida sob acusação de tráfico de drogas. Foto: Teresa Maia/DP/D.A.Press
Imagine viver num ambiente fechado com centenas de pessoas desconhecidas e que não falam sua língua. Acrescente a isso a falta de recursos e de contato com a família, além do difícil acesso à assistência jurídica. A saudade é ainda maior a cada final de ano, quando as comemorações não acontecem com os parentes. Essa é a realidade dos estrangeiros detidos em Pernambuco.

Atualmente, cerca de 20 pessoas de outros países cumprem pena no estado. Os “gringos”, como são chamados no Sistema Penitenciário, vivem na esperança de retornar aos seus lugares de origem. O Diario visitou três unidades prisionais onde há estrangeiros e conversou sobre o cotidiano deles.

A maior parte dos “gringos” está presa por tráfico internacional de entorpecentes. Em geral são detidos pela Polícia Federal (PF) quando desembarcam no Recife com drogas, rumo à Europa, destino final da encomenda. Depois de presos, são deixados de lado pelos aliciadores e, muitas vezes, pelos familiares.

O argentino Pablo Ramon Correa, 50 anos, está preso desde 2008. Condenado em dois processos por tráfico de drogas, pegou 16 anos de prisão em um e 12 anos no outro. “Daqui a dois anos vou estar no regime semiaberto, mas estou doente e longe da família”, conta ele, que sofre de hepatite. Há poucos dias, Pablo foi transferido para prisão domiciliar, em local determinado pela Justiça.

Pablo Ramon Correa, Carlos Nicolas Lombardo e Melvin Arcenio Veldbloem. Fotos: Teresa Maia/DP/D.A Press
Pablo Ramon Correa, Carlos Nicolas Lombardo e Melvin Arcenio Veldbloem. Fotos: Teresa Maia/DP/D.A Press
Histórias como a de Pablo se multiplicam por trás dos muros dos presídios. Na Argentina, ele era dono de uma locadora de carros, tinha esposa, filha e uma vida confortável. “Quando os negócios não estavam bem, aceitei a proposta de vir para o Brasil ser olheiro de mulas que eram mandadas para Europa com drogas. Iria ganhar US$ 10 mil, mas rodei (foi preso). Na prisão, os estrangeiros vivem como sequestrados. Falta estrutura no sistema prisional brasileiro”, aponta o argentino, que até o mês passado cumpria pena na Penitenciária Barreto Campelo, em Itamaracá.

Na Barreto Campelo estão ainda o também argentino Carlos Nicolas Lombardo, 36, e o holandês Melvin Arcenio Veldbloem, 37, ambos presos por tráfico de drogas. Para Carlos, o mais difícil de enfrentar na prisão é a distância da família. Condenado a 16 anos de reclusão, ele foi preso pela PF com mais de 330 kg de cocaína dentro de uma embarcação.

“Morava em Buenos Aires e era dono de uma oficina mecânica, mas minha família estava com problemas financeiros e entrei nessa. Hoje tenho saudade dos meus dois filhos que ficaram na Argentina”, lamenta. O argentino está trabalhando numa fábrica dentro da penitenciária e recebe R$ 407 por mês.



No estômago


Depois de ingerir 94 cápsulas de cocaína, Melvin Arcenio, que trabalhava como cozinheiro na Holanda, partiu para o Brasil com a droga no estômago. Preso em novembro de 2011, foi condenado a quatro anos e dez meses de prisão por tráfico internacional.

“Passei nove horas para ingerir todas as cápsulas. Fiz isso tomando água e sabia que uma delas ou mais poderia explodir dentro de mim e causar minha morte. Mas resolvi arriscar. Iria ganhar 6 mil euros. Agora vivo com saudade dos meus dois filhos e conto apenas com a ajuda do consulado. Não vejo a hora de voltar para casa” revela Melvin.

Defesa após 20 anos de cadeia

Michel Gerhard Klein nega acusação de canibalismo
Michel Gerhard Klein nega acusação de canibalismo
No mês passado, o alemão Michel Gerhard Klein, 52 anos, completou 20 anos preso. Condenado a 76 anos de prisão por três homicídios e uma tentativa, Michel foi apontado ainda como suspeito de guardar carne humana em um freezer. O alemão nega os assassinatos e diz que não se alimentava de carne de pessoas, como foi amplamente divulgado pela polícia na década de 1990.

Durante a fase de investigação, Michel ficou conhecido como “canibal”. Em entrevista pela primeira vez desde que foi preso, o alemão disse ser inocente. Hoje, ele cumpre pena na Penitenciária Agro-industrial São João (PAI-SJ), em Itamaracá. “Eu nunca matei ninguém, nem comia carne humana. Essa história foi plantada para me prejudicar.”

Michel revelou ainda que, dos seus bens, restou apenas uma mansão à beira-mar em João Pessoa, na Paraíba. “Hoje, a casa que eu tenho em João Pessoa está alugada e o dinheiro vai para a Alemanha para ajudar na criação dos meus dois filhos”, detalha.

Também na PAI-SJ estão cumprindo pena os estrangeiros Raimond Van Meeteren, 44, natural da Holanda, e o venezuelano Wilmer Oscar Fernandez, 21. Preso em março de 2012 com 4,3 kg de cocaína, Raimond era pintor de casas na Holanda quando aceitou viajar para transportar o entorpecente e acabou preso.

“Me comunico com minha família através de cartas. Sinto muita saudade de todos, principalmente, do meu filho”, diz. Entre os estrangeiros entrevistados, Wilmer Oscar é o único que pretende ficar no Brasil quando deixar a prisão. “Estou trabalhando na unidade e quando sair quero voltar a estudar e arrumar um emprego na área de telecomunicações ou petróleo”, afirma o venezuelano.

 



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