entrevista

Ciro: 'Fui enganado' por Paulo Câmara em 2018

Publicado em: 28/05/2019 08:40 | Atualizado em: 28/05/2019 08:57

Foto: Leandro De Santana/Esp.DP
O ex-ministro Ciro Gomes (PDT), candidato à Presidência nas eleições de 2018, afirmou ontem que foi enganado pelo governador Paulo Câmara nas articulações do pleito do ano passado. Segundo o pedetista, o gestor pernambucano teria prometido a ele o apoio na disputa pelo Palácio do Planalto, quando, segundo Ciro, o PSB teria feito a aliança com o PT em troca da neutralidade na disputa presidencial. Ciro defendeu ainda a unidade do PDT em Pernambuco para que, em 2020, sejam apresentadas candidaturas em Caruaru e no Recife, caso quadros da sigla queiram disputar as eleições municipais. 

Em visita ontem ao Diario de Pernambuco, Ciro criticou o governo Bolsonaro pelos cortes na educação e ainda disse que a gestão federal precisa investir em três pilares para alavancar a economia e reduzir a desigualdade do Nordeste: infraestrutura, capacitação profissional e acesso a terra.

Entrevista  Ciro Gomes // ex-presidenciável

Muitos governos fizeram cortes na educação. Por que o que foi feito agora chamou mais atenção da opinião pública e gerou mais repulsa da população?
Durante os últimos anos, nos governos Lula e Dilma, o Brasil expandiu o ensino superior de forma consistente, portanto expandiu o gasto consolidado com educação. Os cortes aconteceram no que estava a mais. Exemplo: gastávamos 50, passamos para 100, mas de vez em quando se economizava 10 e ficava 90, que é maior que 50. Mas houve protestos e greve por conta disso, sim. Mas nesse momento gravíssimo, o Brasil já vive num limite de queda desde o governo Dilma, de maneira que as universidades e os institutos federais já estão com seus custeios e investimentos chegando no osso. Quando você corta na carne, ainda tem um pedaço de carne para suportar, ou seja, já está se cortando perto do osso agora. O governo tirou quase R$ 1,8 bilhão da verba de emergência para colocar atenuando esses cortes. Se não formos para a rua dia 30, eles não vão atender. Se não fizer o conserto, parte das universidades vão começar a parar em setembro. Isso é parte de um fenômeno muito mais grave: meteram na Constituição o monstrengo da PEC do congelamento de gastos, a do fim do mundo. Se você aumenta qualquer despesa, tem que se descontar das outras. Bolsonaro deu um aumento importante pra os militares, Temer deu um aumento importante para os juízes e os políticos. A soma dos bilhões está sendo tirada das Forças Armadas, as nossas fronteiras estão sem proteção, projetos importantes estão sendo retirados das forças armadas. Em setembro, se o Congresso Nacional não mudar o crédito, vão atrasar o Bolsa Família. Isso foi votado com o voto a favor do Bolsonaro. 

O Nordeste é uma região muito desigual. O que deve ser feito pelo governo para dar um pontapé na busca da reversão desse problema?
Do ponto de vista do governo, você tem uma inversão de obviedades. Primeiro, uma inversão de infraestrutura: transnordestina parada, o retroporto de Suape, de Pecém, de Itaqui. Segundo, um sólido e definitivo investimento em gente: se você olhar a quantidade de mestres e doutores por 100 mil habitantes no Nordeste em comparação aos outros centros da economia brasileira, estamos muito abaixo. Melhorou e voltou a piorar. Depois, você tem uma questão de financiamento do empreendedorismo com a diversificação do perfil produtivo, ou seja, o Brasil precisa tirar o atraso da industrialização retardatária do Nordeste. E o Brasil está se desindustrializando. E agora os canalhas estão querendo entregar, por exemplo, a Refinaria Abreu e Lima para os estrangeiros. Infraestrutura, grandes inversões em gente e a industrialização são os caminhos do ponto de vista do governo para melhorar a região. Do outro lado, tem outras coisas: como se faz a reforma agrária no semiárido? Até a esquerda tem equívocos grosseiros. Antigamente, um quilo de feijão em Petrolina ou Cabrobó se formava pelo custo de produção mais os 10% do leite das crianças. Portanto, era certo produzir feijão com qualquer tipo de produtividade, tecnologia ou eficiência. Ou seja, os preços se formavam localmente. Hoje, por conta de câmbio, tributação, e logística, um quilo de feijão do Paquistão ou de Irecê (BA) custa mais barato que produzir meia légua fora em Cabrobó. Aí, destruíram-se as tradições produtivas do interior do Nordeste, enquanto a esquerda ficou na concepção da velha reforma agrária, que é um pedacinho de terra para cada pessoa. Temos que inovar o acesso à terra em outras bases institucionais. Isso tudo está na mão para fazer. O problema é que o Brasil, especialmente o Nordeste, vota descuidadamente: qual era o único candidato a presidente do Nordeste que conhece esse negócio aqui indo e voltando nas eleições? Em quem o Nordeste votou por maioria, menos o Ceará? No Haddad, que vai demorar uns 50 anos para conhecer o Nordeste. Isso que nós decidimos. 

O PDT de Pernambuco apresenta divisões entre dois grupos. Como o senhor avalia a atual situação do partido?
Eu faço de conta que não vejo uma emulação entre os companheiros Wolney e Zé Queiroz e a emergência de Túlio (Gadelha), deputado federal. Vou fazer de conta que não estou vendo porque para nós é importante a unidade. Se em Caruaru, o Zé Queiroz quer ser candidato, nós iremos com ele.

O PDT no Recife tem cargos no governo. O senhor acha coerente ter candidatura de oposição dessa forma?
Acho completamente incoerente. Portanto, o erro está em participar do governo. Se temos uma candidatura, e essa é a orientação da direção nacional, não faz sentido a gente ficar participando do governo e depois lançar uma candidatura contra.

O senhor fez uma crítica a Paulo Câmara na manobra que articulou a saída da candidatura de Marília Arraes na eleição…
Ele me enganou. Eu confessei, com uma certa vergonha, que ele me enganou. 

Qual foi o engano?
Ele me chamou, desnecessariamente, em Brasília, com o testemunho do governador do Ceará, Camilo Santana, para me dizer que ia me apoiar junto com o PSB, mas, naquele dia, eu já sabia, por meio do Márcio França (então governador de São Paulo), que é meu amigo, que eles tinham se entendido em sacrificar Marília Arraes aqui em Pernambuco e Márcio Lacerda em Minas Gerais em troca do PSB ficar neutro na eleição presidencial. 

Isso é uma prática da velha política? 
Não gosto de botar adjetivos. Fui enganado. Não engano ninguém. Alguém que em 38 anos de vida pública dizer “o Ciro me enganou” está difícil de aparecer.

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