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O primeiro desafio de Bolsonaro é pacificar o país

Eleito com 55,13% dos votos válidos, Jair Bolsonaro (PSL) tem a missão de neutralizar os efeitos de uma das eleições mais polarizadas da história, buscando unir não só as regiões do país, como também todos os discursos

Publicado em: 29/10/2018 08:15 | Atualizado em: 29/10/2018 08:21

Foto: Dhavid Normando/Futura Press/Estadão Conteúdo
E agora, como pacificar? As ruas foram tomadas pelas cores verde e amarela na noite de ontem e os adversários se recolheram, em luto, depois de uma semana de esperança na virada que não aconteceu. A festa dos vencedores se estendeu às casas após o fim da segunda eleição mais polarizada da história desde a redemocratização, perdendo apenas, em números, para 2014, quando Dilma Rousseff (PT) ganhou de Aécio Neves (PSDB) com 51,64% contra 48,36%. Jair Bolsonaro (PSL) derrotou Fernando Haddad (PT) por quase 11 milhões de votos de diferença, 55,13% a 44,87% dos votos válidos. Mas a pergunta que todos se fazem, em meio à ressaca de hoje, seja de alegria ou tristeza, é de como vai ser o terceiro turno. Como unir uma nação depois de uma campanha na qual as propostas ficaram em segundo plano e deram lugar a debates sobre moral, valores e costumes? A resposta não é simples e depende de como vão se comportar o vencedor e o perdedor. 

A saída passa pelas primeiras medidas anunciadas pelo presidente eleito, pela sua postura e pelo discurso que fará nos primeiros dias. Bolsonaro disse ontem que vai pacificar o país “sob a Constituição e as leis. Vamos construir uma grande nação”. Mas fez críticas à esquerda, dizendo que “não poderíamos mais continuar flertando com o socialismo, com o comunismo, com o populismo e com o extremismo de esquerda”. No entanto, ele usou bastante as palavras “democracia” e “liberdade” em discurso pela internet. 

Justiça e política
Questionado sobre como seria possível unir o Brasil depois de tantas críticas de “omissão” feitas ao Poder Judiciário – que deveria ter atuado como fiel da balança na guerra de ódio - o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil-PE, Ronnie Duarte, ressaltou que os poderes da República precisam “dar exemplos de conduta e austeridade”. Para ele, mais do que nunca, torna-se prioridade o funcionamento devido das instituições, de maneira que elas possam voltar a ter credibilidade junto à população”. Segundo ele, “há necessidade premente de se abrandar o discurso e de se abolir as generalizações maniqueístas que sugerem que todos podemos ser enquadrados nas categorias de ladrões ou fascistas”, disse, referindo-se ao tratamento aflorado em todos os setores da sociedade. “A saída passa pelo funcionamento das instituições de maneira a credibilizá-las junto a uma população que não aguenta mais a profusão de notícias envolvendo a corrupção de agentes públicos, favorecimentos indevidos e privilégios outorgados a detentores de cargo importantes”.

Na seara política, a paz, na visão do governador reeleito Paulo Câmara (PSB), só terá avanço com “um diálogo amplo, sem preconceitos e restrições, com respeito às instituições democráticas e aos entes federativos. Este é o caminho para a pacificação do Brasil”. Paulo Câmara complementou, ao Diario: “Venho dizendo isso desde 2015: o país não vai suportar mais quatro anos de confrontos e instabilidade. Precisamos voltar a gerar empregos, enfrentar com seriedade a questão da segurança pública, encontrar uma solução para o financiamento da saúde, questões que tocam fortemente a vida das pessoas”.

Moderação do discurso pela unificação

Na área da violência, a pacificação só será alcançada pelo controle do uso de armas e pela redução da impunidade, que estimula chavões como “bandido bom é bandido morto”. A avaliação é de Melina Ingrid Risso, doutora e mestre em governo e administração pública pela Fundação Getúlio Vargas. Para ela, o discurso de mais armas e a chamada “excludente de ilicitude”, uma espécie de “licença para matar” proposta por Bolsonaro para a ação policial, não unirá o país. Pelo contrário, prejudica não só a parte mais pobre da população como os próprios policiais militares. Para Melina, se um policial é autorizado a já entrar atirando em determinado local, os chamados bandidos não terão o que perder e já vão para o confronto para matar também. Melina é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ela lembrou que, num cruzamento dos dados do Mapa da Violência mais recente, em mais de mil municípios onde a violência impera, Bolsonaro perdeu nessas áreas, porque as pessoas convivem de perto com o problema. “O número de homicídios bateu recorde no Brasil, com mais de 64 mil mortes no ano passado”. 

Iniciativas
Melina explicou que o governo Temer tomou algumas iniciativas importantes na área, ao criar o Ministério de Segurança e aprovar o SUSPE (Sistema Único de Segurança Público). Mas ela faz a ressalva: “Lei no país a gente tem bastante, mas precisa ser implementada”. De acordo com ela, a tática “bandido bom é bandido morto”, já foi adotada pelo então governador Paulo Maluf, em São Paulo, e só intensificou a violência. “Quando eu vejo as pessoas dizendo que bandido bom é bandido morto, minha sensação é que elas querem acabar com a impunidade. Mas, para acabar com a impunidade, precisa melhorar a capacidade da Polícia Civil esclarecer crimes. Hoje, apenas 20% dos crimes são esclarecidos. Como você vai julgar e punir as pessoas?”

Para ela, quando os policiais dizem que prendem e a Justiça solta, estão sem fazer a avaliação devida. “Eles estão conseguindo provas suficientes? Quando a gente olha os números, o sistema penitenciário Brasileiro é um dos que mais prende no mundo. São mais de 700 mil pessoas, temos a terceira maior população carceraria do mundo. A gente está fazendo alguma coisa errada”, completa.

Discurso de ódio
O professor da Mackenzie e cientista político Maurício Fronzaglia lamenta que, nesta eleição, os candidatos não conseguiram ultrapassar o discurso de ódio. “Esse ódio não se cria em duas semanas, ou em um ano, é uma divisão social e ideológica que foi alimentada pelo PT, mas não só pelo PT”. E qual a solução? “Uma das formas de pacificação, em primeiro lugar, é ter um discurso mais moderado. O presidente eleito governa para todo o Brasil, ele é não é presidente de metade do Brasil. Já nos primeiros passos, precisa dar uma indicação de pacificação”.

Fronzaglia explica que, nesse momento, não vê sinais de que a temperatura vá esfriar. “Espero estar errado, mas não vejo sinais disso. A eleição se encaminhou para uma polarização mais intensa do que já estava acontecendo. Agora, a canalização está num candidato de direita que flerta com ideias de extrema-direita, ideias bem autoritárias”. 
 
 
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