Opinião

Frederico França: Desarmamento

Frederico França é presidente da Ordem dos Policiais do Brasil (OPB) e do Sindicato dos Policiais Rodoviários Federais no Estado de Pernambuco (SINPRF - PE)

Publicado em: 07/02/2018 07:12

Se o desarmamento fosse solução contra as mortes por arma de fogo, a proibição do uso de veículos seria contra as mortes no trânsito. 

O Estatuto do Desarmamento não tem sido eficaz como caminho para diminuição das mortes por arma de fogo no Brasil, pois os homicídios, em regra, não são resultado da posse ou porte legal, mas sobretudo do emprego de armas por criminosos que não detém autorização estatal para possuir ou portar armas e as utilizam para prática de outros crimes. As mortes por arma de fogo dificilmente decorrem da atuação do cidadão que, de forma legal, possui ou porta uma arma de fogo, ou ainda da ação da ordinária dos policiais, cuja atuação se dá, em regra, no estrito cumprimento do dever legal e no exercício da legítima defesa própria ou de terceiros. 

 Hoje vamos conversar sobre outra importante, digo “importante” em função da quantidade, causa de mortes violentas no Brasil: o trânsito. Os policiais rodoviários federais, categoria da qual faço parte, convive cotidianamente com esses dois tipos de homicídio, mas para nós, a quantidade de homicídios ocorridos no trânsito é a maioria das ocorrências. Quando uma vida é encerrada precocemente, seja por meio de uma arma de fogo ou embaixo dos pneus de um veículo, a perda é a mesma. 

 É verdade que a quase totalidade da sociedade brasileira, mesmo a parcela que não tem acesso às mínimas condições econômicas, dificilmente teve alguém mais próximo que foi morto por uso de arma de fogo, seja vítima de homicídio, roubo ou “bala perdida”, no entanto quase todo mundo conhece alguém que foi vitimado em uma ocorrência de trânsito, não apenas pessoas que morreram, mas também que se tornaram inválidas, feriram-se grave ou levemente. 

 As estatísticas apontam que, no ano passado foram mais de 400.000 (quatrocentas mil) pessoas vitimadas pela violência no trânsito, sendo quase 50.000 (cinquenta mil) mortes, das quais mais de 6.000 (seis mil) apenas nas Rodovias e Estradas sob a circunscrição da Polícia Rodoviária Federal, no entanto, apesar da violência no trânsito vitimar tantas pessoas no País, não se vê ninguém defendendo a proibição do uso de veículos. Estranho isso, pois se as armas de fogo foram proibidas para diminuir as mortes provocadas por ela, por que os carros também não seriam proibidos? Mas o que mata? Seriam as armas de fogo? Os carros? Ou seria o mau uso em ambos os casos? 
 Se o desarmamento fosse solução contra as mortes por arma de fogo, a proibição do uso de veículos seria contra as mortes no trânsito. O fato é que uma arma de fogo sozinha não mata ninguém, tampouco um carro. Quem mata são as pessoas e não o instrumento que elas utilizam. Com arma de fogo, quem mata é o criminoso. Com o carro, o infrator, o despreparado ou mal preparado e, no trânsito, muitas das vezes, a pessoa é vítima de si mesmo e também atinge pessoas de sua própria família. 
 Quando o policial faz uso de arma de fogo que o Estado lhe disponibiliza, em regra, age no estrito cumprimento do dever legal ou em legítima defesa própria ou de terceiros, sendo certo que o policial responde pelo mau uso e mesmo por eventuais excessos. Já o cidadão de bem, quando faz uso de sua arma de fogo, pode agir no exercício regular de direito ou ainda em legítima defesa, respondendo também pelo mau uso ou excessos. Enquanto isso, o criminoso usa da arma de fogo para o cometimento de crimes, os mais diversos. Não é por conta do Estatuto do Desarmamento que o criminoso deixa de cometer crimes com uso de arma de fogo, mas a Lei inviabiliza o direito do cidadão de portar ou até mesmo de possuir uma, impedindo-o de exercer sua legítima defesa. 

 Diferente do que ocorre com as vítimas de armas de fogo, que são alvo da vontade de matar dos que fazem os disparos, apesar das que são atingidas por “balas perdidas”, as vítimas no trânsito são atingidas de forma aleatória, não pela vontade dos que conduzem os veículos, mas em consequência de condutas incompatíveis com a direção, sejam elas classificadas ou não como crime, infrações ou posturas imprudentes e negligentes. Não raramente as ocorrências de trânsito decorrem de circunstâncias relacionadas também com o mau estado de conservação das vias, do veículo e do excesso de horas ao volante a que são submetidos os profissionais das empresas de transporte de cargas e de passageiros. 

 Podemos ver com clareza que o problema das mortes violentas no trânsito não está nos veículos e que proibir o limitar o uso correto dos veículos não seria a solução para o problema da violência no trânsito. De igual modo, as mortes por arma de fogo não decorrem do fato da população está ou não desarmada e que, dificultar a posse ou porte de armas para o cidadão de bem não é a solução para o problema dessas mortes. 

 Precisamos de leis que garantam o direito do cidadão de bem poder possuir e portar armas de fogo, bem como que exijam dele a necessária capacitação. Também não podemos deixar de ter uma efetiva fiscalização que vise a inibir posturas potencialmente geradoras de vítima, bem como a efetividade das penalidades incidentes não somente sobre os que praticarem infrações de trânsito, mas sobretudo sobre aqueles envolvidos em crimes de trânsito que possam resultar em morte de vítimas inocentes.
 
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