Opinião

Zeca Brandão: A urbanidade contextualizada

Zeca Brandão é Arquiteto e urbanista, PhD pela Architectural Association School of London e professor associado da UFPE.

Publicado em: 16/01/2018 07:31

No início dos anos 60, a jornalista americana Jane Jacobs publicou o livro The Death and Life of Great American Cities. Esse livro - que só foi traduzido para o português em 2000, com o título de Morte e Vida das Grandes Cidades - representou, segundo a própria autora, “um ataque aos fundamentos do planejamento moderno”, bem como uma “tentativa de introduzir novos princípios de urbanismo”, que visavam essencialmente à promoção de ambientes urbanos com maior vitalidade. A obra inaugurou uma nova visão crítica da vida urbana e apresentou uma perspectiva original para o planejamento, tornando-se uma espécie de “marco zero bibliográfico” do urbanismo contemporâneo.

Diversos estudos acadêmicos, fundamentados em princípios extraídos desse livro, foram realizados desde então e um corpo de conhecimento consistente vem sendo consolidado nesse campo disciplinar, estruturando um dos mais importantes conceitos do urbanismo atual: o conceito de urbanidade.

Definir com precisão o que seria urbanidade não é uma tarefa simples, visto que esse termo tem sido utilizado de forma indiscriminada e com significados bastante genéricos.  No entanto, apesar da dificuldade em defini-lo, parece ser fácil identificá-lo quando vivenciamos a condição de urbanidade. Por uma razão que muitas vezes não sabemos exatamente o porquê, nos sentimos mais acolhidos em determinados espaços urbanos do que em outros.

A princípio, o nível de urbanidade de uma cidade estaria relacionado com o grau de civilidade de sua população diante do convívio urbano. Ou seja, a ideia de urbanidade estaria mais associada ao comportamento humano do que à materialidade do espaço urbano. Pesquisas indicam, todavia, que existem condições físicas geradoras de urbanidade que, quando bem aplicadas, poderiam produzir espaços mais hospitaleiros. Na verdade, haveria uma relação de causa/efeito de mão dupla entre a qualidade do espaço urbano e o nível de civilidade dos seus usuários.

As cidades brasileiras – entre elas Recife - finalmente começaram a refletir sobre a qualidade de seus espaços urbanos. Assim como ocorreu nos países desenvolvidos há quase seis décadas, a população tem demonstrado insatisfação com os novos empreendimentos imobiliários e exigido um maior nível de urbanidade para as nossas cidades. Entretanto, da mesma forma que os habitantes das cidades desenvolvidas estabeleceram os seus próprios conceitos de urbanidade, nós teremos que encontrar os nossos. Importá-los de forma descontextualizada - como parece estar ocorrendo em algumas cidades - será um grande equívoco. Além de produzir espaços pasteurizados por culturas alheias e sem sustentabilidade socioeconômica, essa postura pode travar o desenvolvimento urbano das cidades.

No caso do Recife, precisamos identificar as “bolhas de urbanidade” que ainda persistem, capturar as suas essências e reproduzi-las pela cidade, respeitando, evidentemente, as especificidades de cada local. E aqui fica como sugestão a utilização dos Centros Secundários como parâmetro para o entendimento da nossa urbanidade. Bairros como Encruzilhada, Casa Amarela, Afogados e Água Fria, caracterizados pelos seus mercados públicos, pátios de feira e edifícios de uso misto sobre galerias que protegem os pedestres das intempéries do nosso clima, possuem uma urbanidade autêntica. Penso que se conseguirmos apreender o cerne dessa urbanidade popular e como ela é materializada espacialmente, talvez possamos encontrar um modelo urbano mais apropriado para nossa cidade e, assim, oferecer uma melhor qualidade de vida aos seus habitantes. 
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