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Maurício Rands: Marqueteiros e Democracia (I)

Maurício Rands é advogado, PhD pela Universidade Oxford, Secretário de Acesso a Direitos da Organização dos Estados Americanos

Publicado em: 08/01/2018 07:34

A propaganda eleitoral destina-se a apresentar as personalidades e os programas de governo aos eleitores. Ao lado de outras ferramentas de comunicação, ela é essencial para acionar o mecanismo da representação política. Mormente em democracias de massa de países continentais como o nosso. Sem ela, pode aumentar o desconhecimento dos representantes pelos representados. Sem ela, pode-se ampliar o fosso entre o que pensam os representantes e o que desejam os eleitores. A propaganda eleitoral, que tem no horário gratuito de rádio e tv o seu momento culminante, justifica-se, portanto, para ajudar as escolhas dos candidatos e programas pelos representados. Diferentemente de países como os EUA, em que os anúncios de tv são pagos, no Brasil concebeu-se um mecanismo para atenuar a desigualdade de poderio econômico dos representantes de diferentes setores da sociedade. Por isso, a distribuição do tempo gratuito é feita com base na força eleitoral dos partidos.

Permite-se que um setor da sociedade, ainda que sem poderio econômico, possa apresentar seus candidatos e programas se tiver representatividade. Isto não significa, todavia, que seja válido qualquer modelo de propaganda gratuita de rádio e tv.
Dependendo do modelo, a gratuidade de espaço nos meios de comunicação é apenas uma faceta do processo. Quando se examina o lado da produção do conteúdo, a gratuidade desaparece. As superproduções nada têm de niveladoras dos diferentes candidatos. Seus custos de dezenas de milhões de reais não podem ser suportados pelos setores político-sociais não abastados. Nessa etapa da produção de conteúdo, reproduz-se a concentração de renda e poder dos diferentes atores da sociedade.

Para refundar nosso sistema político, não custa revisitar os fundamentos da relação entre representantes e representados. Por isso, hoje o país tanto discute uma reforma política. Surgem propostas como fim das coligações, voto distrital misto, semipresidencialismo, parlamentarismo, voto facultativo. Imaginam-se fórmulas para baratear as campanhas e, por consequência, reduzir a corrupção. Já se proibiram outodoors, festas e cartazes. Com pouco efeito nos custos das campanhas que continuaram astronômicos. Sobretudo porque o senso comum de muitos políticos aceita o aforisma de que ‘um bom marketing é meio caminho para a vitória’. Com orçamentos estratosféricos, os marqueteiros produzem filmetes que são peças de ficção. Os personagens reais são embalados como um produto do supermercado. A finalidade original de facilitar o conhecimento das candidaturas é subvertida. Produz-se o (des) conhecimento, o falseamento da realidade. Candidatos que têm ojeriza a pobre, são vendidos como se dele gostasse. Péssimos gestores são transmudados em grandes gerentes da coisa publica. Autoritários tornam-se democratas. Corruptos viram moralizadores da vida pública. Subverte-se ao extremo a finalidade originária da propaganda eleitoral. Ao invés de informar, desinforma-se. Ao invés de aproximar os candidatos dos eleitores, aumenta-se o fosso que erode a democracia.

É surpreendente, pois, que pouco se fale sobre esse que é o maior custo das campanhas: a produção dos programas eleitorais. Os candidatos devotam uma energia imensa para obter os recursos para pagar os marqueteiros. Que têm margem de lucro impensável em qualquer outra atividade econômica. Aliás, na mesma. Duvida-se que tenham as mesmas margens de lucros em campanhas publicitárias feitas para produtos de um supermercado. Com tanto lucro e poder, enveredam pela corrupção antes e depois das eleições. E assim vão reproduzindo a disfuncionalidade do sistema político. E abarrotando suas contas bancárias. Aqui e alhures.
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