Opinião

Gilvandro Coelho: Resgate de uma história

Gilvandro Coelho é advogado, procurador do TCE (aposentado) e professor de Direito da Unicap (licenciado)

Publicado em: 06/01/2018 08:29

Em recente artigo que escrevi para este Diario de Pernambuco (Tempo, Memória e Esperança – 16-12 e 23-12 de 2017), recordei fato da maior importância para a historiografia pernambucana: o assassinato do meu colega de Turma dos bacharéis pela Faculdade de Direito do Recife da UFPE do ano de 1945 – Demócrito César de Souza Filho. Como esclareci, Demócrito não chegou a colar grau, pois no ano da formatura, exatamente em 3 de março foi morto pela polícia política estatal na sacada deste Diario de Pernambuco quando aguardava o discurso de Gilberto Freyre para encerrar a passeata que marcou a primeira manifestação pública dos estudantes do Recife em favor da paz mundial vislumbrada com a vitória aliada sobre as forças de Hitler e contra a política ditatorial do presidente Getúlio Vargas. Relembrar Demócrito é sempre motivo de muita emoção para mim. Como já tive a oportunidade de dizer em palestra que fiz sobre ele, Demócrito viveu em tempo de borrasca. De espírito inquieto, vivia procurando os caminhos para a democracia, que os ventos do getulismo toldavam de há muito. Opondo-se à ditadura reinante, foi perseguido e preso algumas vezes, juntamente com colegas e professores. Patriota, lia muito sobre o Brasil. Convocado pelo Exército Nacional, a ele serviu como soldado e como aluno do Centro de preparação de Oficiais da Reserva da 7ª Região Militar CPOR. Testemunhei o seu idealismo e a vontade férrea de fazer algo em prol da sua gente, utilizando as armas da inteligência e o primado dos direitos humanos sobre as leis dos homens, nem sempre justas.  Pois bem, relatei que na noite da formatura não houve discurso de orador, pois o orador da Turma seria ele. Preferimos o silêncio como grito eloquente contra os que o mataram. Mas houve um fato que deixei de mencionar, traído pela memória. Em boa hora fui alertado por Marta de Brito Alves Freire, uma das mais brilhantes alunas que já passaram por mim no curso de Direito, filha de meu amigo e colega de magistério e da advocacia, Antônio de Brito Alves. Ela me enviou uma biografia do seu saudoso pai, escrita pelo jornalista Carlos Cavalcante – Antônio de Brito Alves – O Príncipe dos Advogados. Nela consta à página 33 que na noite da colação de grau da Turma, em 13 de dezembro de 1945, dona Maria Cristina Tasso de Souza, mãe de Demócrito, escreveu uma carta e pediu ao sobrinho Antônio que a lesse, o que foi feito da sacada do Salão Nobre da Faculdade. Nas páginas 34 e 35 está a carta. Bela mensagem, que destaco um dos trechos: “...através desta mensagem de gratidão, nascida da dor e da saudade, agradeço a lembrança que tivestes elegendo o meu querido e inesquecido filho, vosso colega e amigo Demócrito, o orador da Turma de bacharéis de 1945. Desde pequeno era esta hora, uma daquelas que ele mais desejava – colar grau em Direito...”. A história se completa. Agradeço a Marta.
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