DIARIO

Editorial: 61.619: guarde este número

Publicado em: 02/01/2018 07:02

O primeiro dia do ano chega com um desafio que não se pode mais empurrar para debaixo do tapete: como vencer o fosso entre a promessa da Constituição Federal de 1988 — que no seu artigo quinto diz, com toda a clareza, que garante aos brasileiros e aos estrangeiros aqui residentes “a inviolabilidade do direito à vida” — e a realidade que alça o país ao topo no rol sinistro dos que mais registram mortes violentas, em todo o mundo?

Exaustivamente repetido na imprensa desde que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgou os assustadores resultados do 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o número de homicídios cometidos em território nacional, em apenas um ano — 61.619 — envergonha, choca, revolta. O número é inaceitável. Ainda assim, não foi capaz de tirar o poder público da letargia e dos conflitos de interesses  que vêm impossibilitando o Brasil de dar o primeiro passo para se livrar desse vergonhoso ranking mundial de assassinatos.

Sim, falta, evidentemente, o primeiro passo. E a este pode se dar um único nome: vontade política. Afinal, 61.619 não é um número qualquer. São 61.619 mortes violentas, o que significa mortes que poderiam (e deveriam) ter sido evitadas. Proteger a vida não é o dever principal do poder público, ao qual compete cumprir o que está escrito na Constituição?

Como os governantes têm se esquecido desse dever constitucional, o Brasil entra em 2018 carregando o registro oficial dos resultados da omissão: 61.619 homicídios. O número que marca o dever de casa não cumprido supera o das mortes registradas, no mesmo ano, em dois países sob conflito: 27,5 mil, na Síria, e 17 mil, no Iraque, de acordo com pesquisas da organização suíça Small Arms Survey.

O Brasil não está em guerra, mas mata mais: 61.619. O número significa 29,9 mortes violentas por 100 mil habitantes, enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) fixa o mínimo de 10 por 100 mil para não caracterizar a epidemia de violência, que, no Brasil, arranca o sonho de negros e jovens, na maioria esmagadora.

Guarde este número: 61.619. O primeiro dia do ano é para lembrar que ele não deve ser esquecido em nenhum dos 364 dias que se seguirão. No calendário, com ele, guarde o lembrete para os que vão se eleger na missão de conduzir os destinos do país: falta decisão política, mas existem medidas de prevenção de sobra, já propostas por cientistas brasileiros, para se dar o primeiro e definitivo passo.
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