Diario Editorial: Complacência que mata

Publicado em: 12/12/2017 07:02 Atualizado em: 12/12/2017 07:23

Na última década, o Brasil passou por muitas transformações, a partir da redução das desigualdades sociais e econômicas, com menos miséria e fome. A legislação também avançou no reconhecimento dos direitos das mulheres, com destaque para a Lei Maria da Penha e, mais recentemente, com tipificação do crime de feminicídio. Os sistemas de cotas raciais e socioeconômicas alargaram o acesso ao ensino superior para pretos e pardos e ao serviço público.

Mas nenhum avanço, ou a melhoria da qualidade de vida das camadas com menor renda, resultou na queda dos índices de violência. A maior incoerência é a combinação de mortes motivadas por racismo em um país onde a miscigenação é a principal característica do seu povo. Hoje, a principal causa de mortalidade dos jovens entre 15 e 29 anos é o homicídio. Na mesma faixa etária, o risco de uma jovem negra ser assassinada é duas vezes maior do que uma não negra. Para homem pardo ou preto, essa possibilidade dobra, segundo a quinta edição do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial, resultado do trabalho conjunto da Unesco, Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. 

A cada ano, estudos de diferentes instituições dedicados ao tema mostram que o Brasil vive sob um clima de guerra. Em 2016, foram 61.619 homicídios – aumento de 3,8% em relação a 2015, conforme o 11º Anuário de Segurança Pública, recentemente divulgado. Uma mulher foi assassinada, no intervalo de duas horas. Por dia, 135,6 mulheres foram vítimas de estupro (49.497 no total). Jovens negras correm oito vezes mais risco de ser assassinadas do que as não negras – uma combinação perversa de racismo e desigualdade social e econômica.

Entre março de 2011 e julho de 2017, ocorreram 786.870 mortes violentas no país. O número é bem mais do que o dobro do número de vítimas de países em guerra – Iraque, 268 mil, entre 2005 e 2017; e Síria, 330 mil, entre 2011 e 2017 – e três vezes superior ao de vítimas de atentados terroristas (238.808, de 2011 a 2016). 

Ao lado dessa tragédia, há outras, os resultados pífios da educação, a falência dos serviços de saúde e a ineficiência do sistema da segurança pública. O somatório desses fatores tem relação direta com o avanço desmedido da violência, que coloca o Brasil entre os países com os piores índices de mortes do planeta.

Grave mesmo é a omissão do poder público diante de tantas mazelas. Os governos se mostram impotentes diante dos dramas da sociedade. Nem polícia nem a Justiça se revelam aptos a investigar e punir os agressores, o que acaba sendo um estímulo à violência. Tampouco o crime de racismo e o discurso de ódio contra pretos e pardos mereceram até agora uma reação enérgica do poder público, menos ainda do Judiciário. Há, portanto, uma complacência que beira à cumplicidade.
 


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