Opinião Raimundo Carrero: O romance tem leis próprias, definitivas, belas e inovadoras Raimundo Carrero é escritor e jornalista

Publicado em: 16/10/2017 07:15 Atualizado em:

O escritor e seus fantasmas, do argentino Ernesto Sábato, é, sem dúvida, a mais grave reflexão sobre a literatura e, mais ainda, sobre o romance, publicada por um escritor latino-americano, com rigoroso compromisso político, a distinguir, claramente, o que é uma obra pura ou impura, desde o rompimento com o tradicional em meados do século 19.

Até meados desse século, a literatura gritava e proclamava verdades, sobretudo no romance e seus personagens, com autores do porte de Dostoiévski, Tólstoi, Victor Hugo e Zola, por exemplo, naquele momento que se convencionou chamar , eloquentemente, de Século de Ouro do romance.
Mas os historiadores e críticos literários acham que eles praticavam o romance impuro, porque praticavam a filosofia, a psicanálise, a sociologia ,e a antropologia, entre outras coisas e, por isso, tornaram o romance impuro. Até porque, segundo a crítica objetivista, o romance tem suas próprias leis e não precisa de ajuda.

O romance objetivista que nasce, por assim dizer, com Flaubert, estabelece uma série de medidas que, entre outras, de distância, da gramática, de forma que a linguagem ofereça a riqueza do personagem, sobretudo no plano psicológico. Isso, é claro, tem causado inúmeras e graves divergências, principalmente em pessoas despreparadas para o estudo do romance. O romance é radicalmente romance. Não é redação, não é narração, não é interpretação, é romance.

Conheço muita gente que morre e não reconhece a individualidade do romance e parece que, mesmo tendo passado pelos bancos universitários, nunca ouviram falar nas técnicas e na autonomia do romance. É preciso destacar que a questão ganha, no Brasil, uma dimensão imensa por causa da gramática portuguesa e suas divergências com a língua brasileira.
O modernismo, por exemplo, procurou se distanciar da gramática portuguesa por um projeto ainda mais amplo: criar uma língua brasileira, adaptada da fala popular. Vejam este poema de Oswald de Andrade:    

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o 
bom branco 
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.



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