Opinião Maurício Rands: 500 anos da Reforma Protestante Maurício Rands é advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 30/10/2017 07:21 Atualizado em:

Amanhã celebram-se os 500 anos da Reforma Protestante que tantas transformações trouxe ao mundo. Na religião, mas também na política, na economia e na cultura. Quando Lutero afixou suas 95 teses na Igreja do Castelo de Wittemberg, em 31/10/1517, estava quebrada a unidade e centralização do mundo cristão. Quando em seguida ele publicou a primeira tradução do Novo Testamento do Latim para o Alemão, em 1522, o vulgo  pôde ter acesso direto às Escrituras.

Desde então, a Igreja Católica conseguiu manter um pólo centralizado no Vaticano, preservando sua tendência à unidade. No campo da Reforma, o Protestantismo desenvolveu uma forte tendência à fragmentação. Foi desdobrando-se em grandes troncos como Calvinismo, Presbiterianismo, Luteranismo, Anglicanismo, Metodismo, Batistas, Pentecostais, Neopentecostais, Adventistas e Testemunhas de Jeová. Com várias denominações no interior de cada um deles, sem estrutura centralizada. Segundo o Pew Research Center, a população mundial hoje é formada por 31,2% de cristãos (sendo 50,1% católicos, 36,6% protestantes, e 13,2% ortodoxos ou outros);  24,1% muçulmanos; 15,1% hindus; 6,9% budistas; 5,7% religiões autóctones; 0,2% judeus; e 16,8% outras ou sem religião. Estima-se que no Brasil os evangélicos estejam entre 25% e 27% da população. Nos anos 60 eram apenas 1%.

Levantamento da Folha de São Paulo (20-10-17) mostra a força e a atuação das bancadas evangélicas na Câmara dos Deputados. Em 1994, eram 21 deputados (4% dos). Em 2014, foram eleitos 80 deputados (15,5%). A maioria ligada à Assembleia de Deus (23) e à Universal do Reino de Deus (14). Bancadas que tendem a seguir uma pauta conservadora. Que atuam muito nos temas de direitos humanos (21% da Comissão de DH da Câmara). Em pautas contra LGBTI, aborto, liberação de drogas e em defesa do modelo tradicional de família. E também na Comissão de Ciência e Tecnologia, por onde tramitam as concessões de rádio e TV (40% das 30 cadeiras). A matéria mostra que PRB (15 deputados), DEM (8) e PSC (8) são os partidos preferidos. Sobre a crise política, 89% dos deputados evangélicos disseram sim ao impeachment de Dilma e 37,5% foram contra o arquivamento da denúncia contra Temer no dia 25/10. Essa tendência de atuação na Câmara não deve eclipsar a pluralidade que existe no interior de cada denominação evangélica. Existem evangélicos pro-gay como os da Igreja Cristã Contemporânea. E há setores participando de movimentos sindicais na CUT, de movimentos ambientalistas, e de partidos progressistas como o PT e a REDE. 

Essa pluralidade no interior das igrejas, e das evangélicas em particular, aponta para a necessidade de tolerância e diálogo ecumênico entre as diferentes igrejas e tradições. Mais ainda, de diálogo entre o mundo religioso e o mundo cívico. Para que possamos construir espaços de convivência que possibilitem a solução dos grandes problemas de uma sociedade complexa como a brasileira. Pactuando-se soluções específicas para problemas concretos, sem que se precisem cancelar as convicções e identidades de cada setor. 

Somente o diálogo genuíno pode evitar ocorrências tristes como as reveladas na última edição do fim de semana do Financial Times. Que trouxe matéria sobre recentes ataques nas favelas do Rio de  Janeiro aos terreiros de Umbanda e Candomblé, onde ainda se mantêm esses cultos de religiões afrodescendentes. Os ataques teriam sido perpetrados por gangs ligadas ao tráfico de drogas. Intitulando-se ‘bandidos evangélicos’, eles pretenderiam acabar com o que consideram ‘práticas demoníacas’ das religiões afrodescendentes. Uma intolerância religiosa seguida de atos de terrorismo que contrastam com o próprio espírito da Reforma Protestante.


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