Opinião Fernando Araújo: Retrocesso civilizatório Fernando Araújo é advogado, professor, mestre e doutor em Direito

Publicado em: 10/10/2017 07:26 Atualizado em:

A nossa civilização passou por diversas etapas na solução dos seus conflitos. Múltiplos e antagônicos, os conflitos existem porque as pessoas têm interesses divergentes. Daí a busca permanente por uma solução justa, como condição para se obter a paz social. O homem caminhou na história sempre buscando uma maior civilidade. Passou pela vingança privada, caracterizada pela reação pessoal do ofendido contra o agressor, até o período humanitário, quando passa a existir uma preocupação com a proporcionalidade e razoabilidade na aplicação do castigo. Ademais, também se deu à pena funções, como a pedagógica e a ressocializadora, superando ainda as fases da vingança divina e da vingança pública. É na fase humanitária que aparece o chamado Estado moderno, o qual passa a organizar a coação social. Ele exerce sua autoridade em face de normas jurídicas prefixadas. Com isso deixamos de opor à violência do outro a nossa própria violência, porque transferimos a alguém não envolvido a competência para solução dos conflitos. A lei virou fonte primordial, normatizando as condutas proibidas; escalonando prioridades e preferências; e estruturando os órgãos que elaboram e aplicam as normas. Como consequência, o poder político e estatal foi delimitado e dele passou-se a exigir legitimação, elevando-o do plano material de simples dominação pela força. Aliás, é bem oportuna a advertência de Rousseau (Contrato Social I, 3): “ O mais forte nunca é o bastante para ser sempre o senhor, se não transforma a sua força, em direito e a obediência, em dever”. No Brasil, infelizmente, ficamos, muitas vezes, para trás. Distantes, pois, de um derradeiro patamar civilizatório. Como reconheceu o economista Antonio Delfim Netto, o poder econômico dominou a política, que passou a representar papel subalterno, ao invés de ser a arte e ciência para a realização do bem comum, como ensina São Tomás de Aquino. São palavras textuais desse ex-ministro: “O setor privado anulou a única força que controla o capitalismo, que é o Congresso” (Cfr. Folha de São Paulo de 3-7-2017). No plano da educação o quadro não é menos dramático. Mesmo sabendo que não há sequer mercado de crédito privado para financiá-la, o Estado jamais a transformou em prioridade, apesar de ser notório que o elevado aumento de produtividade do indivíduo advém de sua preparação. Sem investimento nesse setor, gerações e mais gerações vão ficando sem escola pública de qualidade, sem profissão e sem renda. Porta aberta para as drogas que imediatamente abraçam as crianças e adolescentes que perambulam pelas ruas à procura de um lar. E aí, vale repetir a máxima: “Quem não educa a criança, castiga o adulto”. Exércitos de pessoas sem reais oportunidades se formam e famílias se destroçam. Dentro desse contexto, vamos consolidando uma sociedade de privilégios e exclusões, cujos governos, lamentavelmente, elegem como prioridade a construção de presídios, compra de armas e aumento de efetivos policiais em prejuízo da construção de escolas e aquisição de livros. Um país com o grave problema da desigualdade extrema. Isso tudo levou Roberto Dias a afirmar que nossa elite é nossa tragédia. E alertou que dela, que faz rodar o mar de lama, certamente não aparecerá nenhuma saída digna (Cfr. Folha de São Paulo de 21-9-2017). Destarte, ou o povo se une para mudar o país em 2018, ou retrocederemos ao estado de natureza professado por Hobbes. Urge, portanto, recuperarmos nossas utopias e apresentarmos um projeto para o Brasil.
 


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