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OPINIÃO Maurício Rands: Justiça Social nas Veias Abertas da América Latina Maurício Rands é advogado, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 18/09/2017 07:31 Atualizado em:

Outro dia o velho boêmio e militante, meio aposentado das lides, ouviu um desabafo de um ex-colega latino da universidade estrangeira onde ambos fizeram sua pós-graduação. Constatavam que, às vezes, é no exterior onde mais facilmente nós, os latino-americanos, compreendemos serem comuns as nossas origens, culturas e sonhos emancipatórios. Mesmo nem todos falando o idioma de Cervantes ou o de Camões. Mas todos inebriados por Garcia Marques, Vargas Llosa, Galeano e Jorge Amado. Falavam sobre um tempo em que acreditavam que os países da América Latina estavam prestes a mudar radicalmente. Sobre os tempos da redemocratização, que se seguiram às noites das ditaturas. Sobre uma militância generosamente enraizada nos movimentos sociais, empunhando as bandeiras libertárias. Comprometidos em estancar as veias abertas da América Latina. Que desde os anos 60 Eduardo Galeano, Josué de Castro, Paulo Freire, Celso Furtado, os teóricos da teologia da libertação e tantos outros intelectuais do continente tinham impulsionado a consciência sobre as mudanças que poderiam redimir a exclusão da maioria do nosso povo.

Alimentaram-se daquele sonho as gerações que se seguiram. Um continente finalmente liberto do subdesenvolvimento e das injustiças sociais. Pensávamos todos que, nesse novo milênio, quando já estaríamos em idade de nos aposentar, nossos países estariam em um quadro social bem melhor. Que poderíamos diminuir nossos ritmos de trabalho e engajamento porque o sofrimento dos excluídos estaria ao menos atenuado.

Temos que reconhecer que avanços houve. Mas ainda muito tênues porque milhões de pessoas seguem vivendo em condições indignas. A exclusão e a desigualdade ainda é nossa marca, agora agravada pela violência sem precedentes. São milhões de crianças e adolescentes sem educação de qualidade, 7 em cada 10 indígenas vivendo em pobreza extrema, a grande maioria dos afrodescendentes sobrevivendo com renda inferior a 2 dólares/dia. Outros milhões com alguma forma de incapacidade ficam fora do mercado de trabalho. A discriminação e a violência infelicitam grupos vulneráveis como a população LGBT. A realidade do continente ainda é a da exclusão, da desigualdade e do subdesenvolvimento, apesar dos bolsões de primeiro mundo em algumas cidades do continente.

Para enfrentar um quadro desses não  basta qualquer tipo de desenvolvimento econômico. Precisamos de modelos de desenvolvimento que tenham foco na erradicação das raízes históricas, econômicas e culturais da desigualdade. Por isso, muitas entidades públicas e também da sociedade civil ainda se debatem com alguns dos mesmos desafios vividos pela geração desenvolvimentista cepalina, pelos revolucionários do 68, pelos resistentes às ditaduras militares, pelos militantes dos movimentos sociais do pós-ditadura. Diferenças institucionais e culturais à parte, permanece forte o anseio por um outro tipo de desenvolvimento. Sustentável, não excludente, com menos desigualdade. Como proclamou em sua posse, em 2015, o atual Secretario Geral da OEA, Luis Almagro: “Para que nossos cidadãos gozem de cidadania plena, devemos seguir a incansável tarefa de promover avanços no cumprimento dos direitos sociais, e desde a Secretaria Geral da OEA teremos o compromisso de seguir promovendo esta agenda e alcançar o objetivo de mais direitos para mais pessoas. Vê-se que, passadas algumas décadas da grande tomada de consciência da América Latina sobre a dívida social com a sua gente, este ainda continua a ser o principal desafio do continente. 


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