Opinião Luciana Grassano Melo: Falar é preciso Luciana Grassano Melo é professora de Direito da UFPE

Publicado em: 15/08/2017 07:15 Atualizado em:

Fomos educados a calar. Fomos educados a não levantar a voz. Rebeldia é coisa adolescente e quem reclama muito se torna uma pessoa chata. E quem critica não é uma pessoa consciente, mas uma pessoa polêmica. E quem quer a pecha de ser uma pessoa polêmica? Silenciar é bem comportado. Faz menos ruído. Dizem que mostra que você é uma pessoa tolerante.

O silêncio é a árvore de onde nascem ou renascem os frutos do continuísmo, do abuso e da opressão. É por isso que falar é preciso, até porque muitas vezes não é lícito esquecer nem calar. Porque se calamos o nosso testemunho diante do que consideramos injustiça, quem falará? Certamente não falarão os que consideramos culpados, nem seus cúmplices.

Uma sociedade tolerante não é uma sociedade conivente com o silêncio. Uma sociedade tolerante é uma sociedade receptiva às mais diversas falas. E falar, na maioria das vezes, é um ato de coragem, porque é um ato de exposição.
Nas democracias, a fala é essencial e necessária. Porque é próprio das democracias a ideia de que devemos atingir os nossos objetivos pela persuasão, e não pela força. Como é próprio dos regimes autoritários e fascistas a marca do abuso de poder, em que um manda, ninguém mais pensa nem diverge, todos obedecem e até a morte todos dizem sim.

Falar é preciso porque, como afirma Primo Levi, um “ segundo Hitler pode nascer, talvez até já tenha nascido; é preciso levar isso em conta. Auschwitz, portanto, pode repetir-se. Todas as técnicas, depois de encontradas, vivem de vida própria, em estado de potência, à espera da oportunidade que as leve de novo ao ato”. Nessa perspectiva, falar é, inclusive, um ato de solidariedade inter-geracional.

O mundo todo está sofrendo as consequências do neoliberalismo e da globalização do mercado de trabalho, e em nosso caso é mais grave porque esses efeitos nos atingem antes de termos estabelecido um Estado de Bem-Estar Social, e exatamente por isso estamos muito vulneráveis ao populismo de direita, em especial pela diminuição das oportunidades econômicas.

Muitas pessoas falam em populismo de forma errada, sem conhecerem de fato a sua definição. Fica mais fácil explicar com um exemplo. O uso recente mais bem-sucedido de populismo foi a campanha de Donald Trump. Na véspera da sua eleição, ele dizia: “A pergunta de amanhã é: quem vocês querem que governe a América, a classe política corrupta ou o povo?’.

Ou seja, é a estratégia do eles contra nós. E um dos maiores problemas disso é a definição de quem é nós, ou seja, de quem é o povo. A direita tende a conceituar o povo a partir de uma perspectiva étnica, daí se explica a retórica de Trump contra a imigração.

É exatamente contra isso que precisamos cada dia mais da fala. Precisamos de conversas sobre política, desde a esquerda até a direita, em um Brasil que necessita muito de um projeto de país, de pactos, de compromissos e do uso de nossa energia para procurar construí-lo para todos os brasileiros.


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