Opinião José Paulo Cavalcanti Filho: Viva padre Edwaldo José Paulo Cavalcanti Filho é jurista e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 21/07/2017 07:37 Atualizado em:

Padre Edwaldo Gomes, da paróquia de Casa Forte. Foi o mais importante representante na sua época, em Pernambuco, do pensamento de uma igreja mais comprometida com o social. Com dom Helder aposentado, coube a ele comandar as resistências ao conservadorismo que se espraiava. Nessa luta, foi alvo da ira do então arcebispo dom José Cardoso. Sofreu perseguições. E chegou a ser suspenso de suas atividades pastorais. No caso, uma condecoração. A forma tradicional de lembrar amigo tão querido seria falar de como foi uma boa pessoa, ou indicar algumas de suas tantas ações, ou dizer que fará falta. Por aí. Os jornais de encarregarão disso. Prefiro acompanhar o poeta Marcelo Mário de Melo, que recomenda lembrar nossos mortos por seus jeitos de rir. E faço isso pedindo vênia para contar algumas histórias suas.
1. Vésperas de seu aniversário. Pergunto se gostaria de receber uma Bíblia nova. Algo assim. Pedi sugestão. Ele disse preferir presentes líquidos e certos. Vermelho ou preto?, quis saber. Falou da escravatura. Dos negros que sofriam. Entendi. E, dia seguinte, cheguei lá com um Johnnie Walker black. O pastor gostou. Muito.

2. Conversa em frente à sua casa, numa festa da Vitória Régia. Minha filha Luciana, ainda pequena, e fascinada por sua conversa, disse: “Arretado, padre”. A repreendi: “Lulu, palavras como essas não podem ser ditas a um pastor”. E Luciana, inocente, perguntou a ele: “Arretado pode, padre Edwaldo?”. O pastor coçou a cabeça, pensou um pouco e respondeu: “Pode arretado, merda, bosta, porra e puta que o pariu”. Após o que completou, rindo: “Mas só pode isso, ouviu. Se passar daí, minha filha, é pecado”.

3. Com frequência almoçávamos, domingo, no restaurante Nez. Praça de Casa Forte, quase vizinho à sua casa. Junto com o padre João Pubben, da Igrejinha das Fronteiras. Hoje na Holanda. Abraços, Joãozinho. Conversávamos sobre a convivência entre visões de mundo diferentes, na Igreja. Intimistas, preocupados com uma diocese mais voltada para o espírito. E aqueles da Teologia da Libertação, mais atentos às carências sociais do seu rebanho. O garçom veio à mesa. Apontei os pratos e perguntei a padre Edwaldo: “O senhor é carne ou peixe”. O pastor, percebendo a malícia nas palavras, respondeu: “Os dois, José (assim me chamava). Os dois”. Após o que deu aquele riso gostoso.

4. No meio de uma conversa, perguntei a padre Edwaldo se existe algum “Santo Edwaldo” na Igreja Católica. Ele respondeu protocolarmente, sem atentar na homenagem por trás das palavras, apenas que “Não”. Depois, pensou melhor e completou: “Ainda não, José. Ainda não”. Risos gerais.
5. Em crise anterior de saúde, estava no hospital. Entrei no quarto e disse, para lhe animar: “Maravilha, pastor. Você, que passou a vida inteira se dedicando ao Pai, vai afinal se encontrar com ele muito em breve. Deve estar feliz”. E padre Edwaldo, fingindo estar revoltado: “Vade retro, José. Gosto muito dele mas penso que não quer me ver agora”. Silêncio. Após o que completou: “Nem eu estou com nenhuma pressa de chegar por lá tão cedo”. E ficamos rindo.

Chegou sua hora, enfim, nessa quarta. Lembro curioso diálogo de Pessoa (“O Marinheiro”): Primeira Veladora: Por que é que se morre? Segunda Veladora: Talvez por não se sonhar o bastante. Bons sonhos, amigo, junto ao Pai. Vai ser um belo encontro, imagino. Saudades do padre Edwaldo.


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